segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

UM ABRAÇO AO RUI TAVARES



(Tive o prazer de me encontrar com o Rui Tavares (historiador) muito poucas vezes, o que não significa de todo que não preze as suas ideias, que eu considero um oásis de inovação e moderação na esquerda mais alternativa. Tenho para mim que, apesar do seu afastamento do Bloco, as ideias expressas na experiência do Livre acabaram por ter algum impacto na eliminação do tabu de governar com apoio parlamentar à esquerda. A sua última crónica no Público reaproxima-me do jornalismo de opinião em Portugal.)

Já perceberam que tenho um enorme apreço pelo pensamento que Rui Tavares vai produzindo nos seus aparecimentos públicos e sobretudo nas suas crónicas do Público. Acho sinceramente que é deste tipo de pensamento que a renovação do Europeísmo hoje necessita, por muito agitados que estejam os ventos que o contraiam na dinâmica das coisas na União Europeia.

A sua crónica sobre a passagem de Hannah Arendt por Lisboa vale a pena ser lida, não apenas como registo da pequena homenagem que a Câmara de Lisboa por iniciativa do Livre e apoio unânime da vereação lhe prestou com a inauguração do memorial a ela dedicado na esquina da Rua da Sociedade Farmacêutica com a Conde Redondo, muito perto do local em que a Quaternaire já teve as suas instalações em Lisboa, mas pelas mensagens que veicula.

Para além disso, a crónica de Rui Tavares tem um pormenor de referência para este blogue e que eu desconhecia. Hannah Arendt terá passado por Lisboa em direção a Nova Iorque após uma fuga in extremis de Paris, tornada possível pela ação de Albert O. Hirschman, um dos patronos deste espaço e sobre cuja importância confluo com o Rui Tavares. O cronista associa a sua passagem, atormentada devido às condições da fuga e da espera e também com a notícia do suicídio de Walter Benjamin, sobretudo ao seu ensaio Nós Refugiados, que nunca tinha lido e que a crónica transforma em algo de inadiável (link aqui para uma tradução de Ricardo Santos publicada pela Universidade da Beira Interior).

A importância histórica de recordar as palavras com que Hannah fecha o referido ensaio tem hoje um peso impressionante: “A Europa estilhaçou a sua alma quando deixou que os seus mais vulneráveis fossem perseguidos e escorraçados”. É de arrepiar mesmo os menos sensíveis.

A crónica de Rui Tavares reencontra-nos com o jornalismo de opinião que hoje vale a pena. Vale mais uma crónica com este peso do que milhares escritas por aves canoras que gostam de piar apenas para se ouvirem e pensarem que estão vivas.

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