quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O BREXIT E A CATALUNHA



(O Brexit e o beco sem saída em que o independentismo catalão caiu têm sido objeto de abundantes reflexões neste blogue. Porém, nunca tive a tentação de os abordar relacionadamente. Nos tempos mais recentes, algumas almas têm sucumbido a essa tentação, a começar pelo primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez. Não me parece, entretanto, que essa associação seja virtuosa. Há que chamar as coisas pelos seus nomes.)

À sua maneira e por vias diferentes, o BREXIT e o problema catalão constituem questões nacionais localizadas, mas que têm contribuído fortemente para a instabilidade europeia.

Quanto ao BREXIT, por muito que me esforce por compreender a defesa das virtualidades da democracia britânica com que o José Pacheco Pereira nos tem brindado regularmente no Quadratura do Círculo, que ele elege como um bom exemplo de resposta aos diretórios antidemocráticos de Bruxelas, tenho extrema dificuldade em ir por esse caminho. Para mim, o BREXIT começa por ser o exercício de uns tresloucados membros da elite política britânica, em busca de uma vã recuperação do estatuto imperial britânico, como se o mundo não tivesse mudado e como se os britânicos não tivessem sido ultrapassados primeiro pela hegemonia americana e hoje pela emergência do epicentro asiático. Alguns desses agitadores de pacotilha, como Nick Farage (UKIP), já abandonaram a boca de cena, perturbados pela complexidade do enredo. Mexeram, agitaram, conseguiram mobilizar a reação endógena contra o cosmopolitismo e a globalização, mas nunca souberam muito bem o que fazer da agitação que criaram, simplesmente porque estavam apenas preparados para lograr o êxito da agitação, não para a levar a bom porto. Assim, naquilo que Pacheco Pereira vê a força de um parlamento nacional que não se vende (também eu tenho simpatia por aquela maneira de funcionar), vejo essencialmente um logro eleitoral gigantesco, uma monumental manipulação do processo eleitoral, escamoteando e escondendo sempre os reais custos de uma decisão (e não foi por inexistência de estudos consistentes que isso aconteceu), que os britânicos tinham todo o direito de assumir, desde que estivessem devidamente informados dos custos e benefícios da mesma. No fundo, a mesma manipulação, orquestrada pelos tabloides britânicos, do pior que se pode imaginar em matéria de jornalismo viciado, que sempre ocultaram os custos da estupidez austeritária que os conservadores resolveram querer seguir, macroeconomicamente falando. Mas também a mesma manipulação que tem ocultado os processos violentos de reengenharia social a que a sociedade britânica, naturalmente a mais desfavorecida, tem sido submetida pelos conservadores e que recentemente um relatório da ONU documentava com firmeza.

Hoje, por todo o mundo, com particular realce para os jornais espanhóis, grassa uma referência putativamente pouco elogiosa à feminilidade de Theresa May, invocando “tomates de aço” para descrever a capacidade resiliente da primeira-ministra britânica para lidar com todo este monumento de irresponsabilidade. De facto, alguém levantou ventos, não cuidando de prever antecipadamente a sua intensidade e de preparar as condições internas para dominar as suas consequências. Sou dos que penso que a Comissão Europeia não tem compreendido bem as vantagens de uma negociação mais flexível com o o governo de May, sobretudo tendo em conta que não existe evidência credível que o afastamento de May traga pensamento mais consequente à negociação (Corbyn que me desculpe). Mas isso não implica que desculpabilize os agitadores inconsequentes.

No caso da Catalunha, a metáfora dos ventos que se agitam e cujo domínio se torna incontrolável pode também ser usada. Mas ainda assim, não me convenço que se trate do mesmo tipo de agitadores de vistas curtas, apenas preparados para um happening eleitoral. O independentismo catalão, pelo menos a sua costela mais radical, sabia bem o que estava a preparar, com todo o arsenal de “agit pro” a comandar as hostes. Jogaram indefinidamente na ideia de que Rajoy não quebraria a corda que eles esticaram para além dos limites do aceitável. É verdade que Rajoy a quebrou da pior maneira colocando a chave do problema na judicialização do mesmo. Deu-se mal com isso e provocou uma dependência de percurso que vai continuar a inquinar o processo. Mas, hoje, à medida que vamos tomando consciência da tentativa de Sánchez de concretizar uma outra abordagem ao processo catalão, procurando devolver-lhe a dimensão política que Rajoy voluntariamente anulou, vamos também compreendendo que os independentistas catalãos não revelam qualquer propensão para facilitar esta via. O aprisionamento de algumas das lideranças independentistas e a fuga para o exterior de outras representam os fatores de conservação de fervor independentista que a dinâmica dos acontecimentos estava a perder, para seu desespero. É que a mistificação da história, embora possível e os catalães adestraram-se nessa capacidade, não se aguenta sempre, por ausência de investigação renovada. O movimento precisava de vítimas para manter a energia. No dia do referendo que não contou, ensaiaram-no com as vítimas da repressão policial, bem menos intensa do que foi transmitido. A detenção de lideranças e o processo judicial que se avizinha dão outra força que a mistificação histórica tem dificuldades em manter viva.

É verdade que os dois processos, o Brexit e a encruzilhada catalã contribuem para reforçar a instabilidade europeia. Mas a tentação de associar os dois processos segundo uma lógica única de abordagem é precipitada. Conhecendo o autor (Xosé Luís Barreiro Rivas, no Voz de Galicia, link aqui)) e estando convencido que vibrou com a aplicação do 155º à Catalunha, descontando por isso o contexto, não me custa a admitir que ele tem razão quando o escreve preto no branco e sem paninhos quentes ou palavras cor-de-rosa: “O Brexit é um erro enorme e desgraçado, perfeitamente legal e democrático. Já o procès é uma traição suja, concretizada a partir da ilegalidade, contrária à democracia, e resulta da insólita reinvenção de uma história tão grotesca como falsa. E essas duas coisas, presidente (dirigindo-se a Pedro Sánchez), não se podem comparar”.

O ambiente em Espanha está assim, de cortar à faca.

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