terça-feira, 4 de dezembro de 2018

VOX DIABOLI



(A vertiginosa ascensão da extrema-direita espanhola nas eleições andaluzas, traduzida em 400.000 votos, está longe de estar plenamente compreendida do ponto de vista do seu significado político nacional, ou seja das transformações que atravessam o eleitorado espanhol. O que justifica que permaneçamos no tema.)

A Andaluzia política encontra-se ainda em choque, de vários matizes, diga-se. Desde logo, mais do que o consolo no ombro um do outro, Pedro e Susana desembainharam espadas de novo e o clima de afrontamento entre a calle Ferraz de Madrid e as instalações do PSOE em Sevilha dá o mote para a clarificação interna dentro do PSOE que foi sempre adiada, apesar dos arrufos. Os críticos internos do PSOE, designadamente os seus peso-pesados que nunca se reviram na audácia e estilo e postura de governo de Sánchez, aproveitam para zurzir na sua pretensa cedência face aos nacionalistas catalães, culpando-o pelo revigoramento nacionalista em Espanha, passadeira vermelha para Abascal, trânsfuga do PP e que assumiu a liderança do VOX. Susana Diáz, que sempre foi a candidata preferida dos peso-pesados para a liderança do PSOE, aproveita a onda e situa a sua derrota vitória eleitoral no facto de não ter acusado o efeito Catalunha. O que é uma desculpa esfarrapada e de má pagadora, tendo em conta o longo historial de inércia do PSOE andaluz. A clarificação interna segue dentro de momentos e receio que não ninguém com força e contexto favoráveis a retomar a resposta a essa necessidade.

PP e CIUDADANOS, mais risonho o segundo do que o primeiro, pois melhorou a sua votação ao contrário do PP, esforçam-se sorridentes para adoçar a imagem do VOX, com cafunés políticos para atrair o apoio da formação emergente e dos seus 12 deputados regionais. Afinal, PP e CIUDADANOS aspiram a liderar o governo regional e a ficarem ligados à varridela política do PSOE e para isso é quem mais ameniza os traços de extrema-direita do partido cujo apoio é pretendido. Sabe-se lá se inclusivamente estão dispostos a abrir-lhe o caminho da própria governação.

Por sua vez, o PODEMOS, na sua versão andaluza de Adelante Andaluzia (o milagre das múltiplas aparições formais do PODEMOS caminha para a desagregação da sua possível identidade), insiste na explicação de que o aumento da abstenção penalizou a esquerda. O que também me parece ser um tiro no pé, porque essa conclusão é a evidência que melhor ilustra a ideia de que o PODEMOS perdeu charme e atração e que não consegue fazer levantar o rabo do sofá ou de outros afazeres para estimular a participação no ato eleitoral. A inorganicidade do PODEMOS e os insucessos das suas múltiplas aparições (veja-se o descalabro do MAREA em muitas cidades galegas e a irrelevância que a Presidente Carmena em Madrid lhe dedica) colocam o PODEMOS num certo limbo a caminhar para a desagregação.

 (Pinto e Chinto, Voz de Galicia)

O chiste gráfico de Pinto e Chinto na Voz de Galicia é, na sua rudimentaridade, uma boa aproximação ao que a ascensão do VOX significa.

O VOX é antes de mais o reerguer do mais profundo conservadorismo e reacionarismo espanhol que esteve aconchegado enquanto foi preciso nas hostes do PP de Rajoy. A questão da transladação dos restos mortais de Franco inventada sabe-se lá a partir de que inspiração por Sánchez e o descontrolo da questão catalã fizerem despertar do seu sono tático essas forças do espanholismo mais recôndito. Depois, noutro plano, o VOX surge fundamentalmente apoiado pela insatisfação de algumas populações do sul de Espanha suscitada pelo maior peso de população imigrada. Os dados por agora publicados mostram uma correlação sinistra entre as maiores votações do VOX e o peso da população imigrante, como o evidencia a sua vitória no aglomerado de El Ejido na Almeria profunda. É uma ironia trágica que uma das significativas exportações espanholas (as frutas e outros produtos agrícolas) alimentadas pelo afluxo de população imigrada, sem a qual essas produções cairiam a pique, esteja fortemente ligada ao recrudescimento da intolerância em alguns territórios de destino dessa imigração. Não é entretanto ainda totalmente explícito o peso do discurso nacionalista anti-Europa que ocupa no projeto de afirmação do VOX, mas do surto nacionalista que o atravessa até a esse posicionamento poderá ir uma curta distância. Não será por acaso que Le Pen e Salvini se apressaram a felicitar o êxito de Abascal.

Para além dos cafunés do PP e do CIUDADANOS adoçando a sinistra emergência do VOX, que são antes de mais uma via de acesso ao poder, pior seria que, na procura do apoio popular, estas forças se apressassem também em mimetizar os comportamentos do VOX. Não é coisa impossível, tudo isto na antecâmara de eleições europeias.

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