(Ainda os “gilets jaunes” e o significado do recuo a que
Macron foi obrigado, com reflexão suscitada por um Tweet de Branko Milanovic. No fundo uma questão central: como financiar a
descarbonização das economias?)
Em posts anteriores tentei discutir o significado mais profundo da fase
inicial de protesto do movimento dos “gilets
jaunes”. Sublinho fase inicial, porque me parece óbvio que os últimos
desenvolvimentos mostraram já alguma infiltração ilustrativa da violência pela
violência. Vimos que a raiva inorgânica que emergiu nos primeiros tempos de
manifestação merece discussão e acompanhamento futuro mais profundos. Podemos
estar assim à lenta erupção de formas mais inorgânicas de protesto não liderada
por qualquer força política, uma espécie de raiva profunda que se manifesta
pelo sentimento de não representação política. As instituições democráticas não
estão rotinadas para integrar ondas de raiva desta natureza. Por isso, tenderemos
a prolongar processos de negociação e os riscos de derivas são muitos e variados.
Das contaminações de extrema-esquerda e de extrema-direita até à infiltração anárquico-violenta
tudo pode acontecer e não podemos esquecer o ressurgimento de derivas repressivas
lançadas sob a justificação de defesa do espaço público e das instituições.
Sabemos que os problemas na frente interna de Macron poderão ser mais
constrangedores do que o presidente francês terá imaginado, comprometendo a sua
posição de aceleração do processo político europeu. Além disso, existe a convicção
de que a devida integração da subida de impostos sobre os combustíveis numa
estratégia e programação vasto e coerente de descarbonização e sobretudo do seu
financiamento não foi apresentada. A ideia principal que se transmitiu para a
opinião pública foi a de que o aumento do preço dos combustíveis se destinava a
financiar o processo de descarbonização da economia francesa.
O tweet de Branko Milanovic interpela-nos
(https://twitter.com/BrankoMilan:
“The French
events raise one very important Q. If we want to fight climate change who pays
the costs? It is somewhat hypocritical to shift the costs to people who need
their cars to go to their jobs (as I see on French TV).”
“Os acontecimentos em França
suscitam uma questão muito importante. Se queremos combater as mudanças climáticas
quem paga os custos? Parece ser altamente crítico direcionar os custos para as
pessoas que precisam dos seus carros para se deslocar para os seus empregos (como
o posso constatar na TV francesa).”
A questão é relevante. Ou seja, quem pagará a conta? Existe neste momento conhecimento
suficiente (com relevo para os trabalhos de Nordhaus, Nobel e Economia deste
ano com Paul Romer) para uma abordagem fundamentada desses custos e da discussão
das vias mais equitativas de financiar esses custos. Seria importante não
sacrificar os mesmos. O recuo forçado de Macron na medida que aparentemente deu
origem a toda a contestação é uma consequência algo perigosa da ausência de uma
visão global sobre os custos a suportar e da escolha criteriosa de quem (que
grupos) irão pagar a conta.
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