quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

O RECUO DE MACRON



(Ainda os “gilets jaunes” e o significado do recuo a que Macron foi obrigado, com reflexão suscitada por um Tweet de Branko Milanovic. No fundo uma questão central: como financiar a descarbonização das economias?)

Em posts anteriores tentei discutir o significado mais profundo da fase inicial de protesto do movimento dos “gilets jaunes”. Sublinho fase inicial, porque me parece óbvio que os últimos desenvolvimentos mostraram já alguma infiltração ilustrativa da violência pela violência. Vimos que a raiva inorgânica que emergiu nos primeiros tempos de manifestação merece discussão e acompanhamento futuro mais profundos. Podemos estar assim à lenta erupção de formas mais inorgânicas de protesto não liderada por qualquer força política, uma espécie de raiva profunda que se manifesta pelo sentimento de não representação política. As instituições democráticas não estão rotinadas para integrar ondas de raiva desta natureza. Por isso, tenderemos a prolongar processos de negociação e os riscos de derivas são muitos e variados. Das contaminações de extrema-esquerda e de extrema-direita até à infiltração anárquico-violenta tudo pode acontecer e não podemos esquecer o ressurgimento de derivas repressivas lançadas sob a justificação de defesa do espaço público e das instituições.

Sabemos que os problemas na frente interna de Macron poderão ser mais constrangedores do que o presidente francês terá imaginado, comprometendo a sua posição de aceleração do processo político europeu. Além disso, existe a convicção de que a devida integração da subida de impostos sobre os combustíveis numa estratégia e programação vasto e coerente de descarbonização e sobretudo do seu financiamento não foi apresentada. A ideia principal que se transmitiu para a opinião pública foi a de que o aumento do preço dos combustíveis se destinava a financiar o processo de descarbonização da economia francesa.

O tweet de Branko Milanovic interpela-nos (https://twitter.com/BrankoMilan:

The French events raise one very important Q. If we want to fight climate change who pays the costs? It is somewhat hypocritical to shift the costs to people who need their cars to go to their jobs (as I see on French TV).”

Os acontecimentos em França suscitam uma questão muito importante. Se queremos combater as mudanças climáticas quem paga os custos? Parece ser altamente crítico direcionar os custos para as pessoas que precisam dos seus carros para se deslocar para os seus empregos (como o posso constatar na TV francesa).”

A questão é relevante. Ou seja, quem pagará a conta? Existe neste momento conhecimento suficiente (com relevo para os trabalhos de Nordhaus, Nobel e Economia deste ano com Paul Romer) para uma abordagem fundamentada desses custos e da discussão das vias mais equitativas de financiar esses custos. Seria importante não sacrificar os mesmos. O recuo forçado de Macron na medida que aparentemente deu origem a toda a contestação é uma consequência algo perigosa da ausência de uma visão global sobre os custos a suportar e da escolha criteriosa de quem (que grupos) irão pagar a conta.

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