terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A POLÍTICA TAMBÉM É TIMING DE INTERVENÇÃO



(A controvérsia em torno da putativa mudança de composição do Conselho Superior do Magistério Público é o Portugal político no seu melhor: a praga do esganiçado comentador Mendes, o PSD de Rio com aquele talento natural de subtileza profunda, o PS a brincar com o fogo e parte dele a mostrar que não engoliu bem o caso Sócrates e uma Procuradora a querer marcar o seu lugar. No meio disto tudo, parece emergir a calma sobriedade da ministra da Justiça.)

Nunca imaginei sinceramente ser tão compreensivo para com o personagem político Rui Rio. Tem-me bastado a alergia profunda que me provocam personalidades do lado oposto do PSD como Luís Montenegro, Hugo Soares ou Carlos Abreu Amorim para dar o meu ombro simbólico às sucessivas trapalhadas em que Rio se tem, voluntariamente ou por puro desatino, deixado mergulhar. Mas este timing de suscitar a controvérsia em torno da composição do Conselho Superior do Magistério Público imediatamente após a entrada em funções da nova Procuradora Geral da República e em pleno desenvolvimento de processos chave para a sanidade da vida pública em Portugal não lembraria ao diabo, mesmo ao que se furtou ao chamamento incessante de Passos e do tal outro PSD.

Sou dos que penso que em democracia não deve haver corpos não escrutináveis. Também não me custa admitir que os juízes revelam por vezes comportamentos de natureza corporativa que não se recomendam em democracia e muito menos acredito nessa figura de juízes impunes às impurezas da vida. Por isso, não me choca que os magistrados tenham de conviver com espaços institucionais com elementos relevantes e prestigiados da sociedade civil. Mas tudo tem o seu tempo e há tempos em que uma controvérsia mal ou precipitadamente lançada pode matar ideias que valia a pena trabalhar e encontrar fórmulas de equilíbrio para as poder concretizar.

Ora esta ideia de suscitar a discussão da composição do Conselho Superior do Magistério Público, abrindo caminho a uma maioria de membros indicados pela sociedade civil ou poder político, numa altura em que a nova Procuradora Geral da República precisa de alguma estabilidade para se impor no seu mandato releva de uma grande ingenuidade política. Todavia, tem razão David Justino para se indignar contra o populismo mais balofo de Marques Mendes, em campanha sabe-se lá para quê, só se for para Presidente da Associação dos Animais Amestrados em tempo de desemprego. Mas eu próprio esperaria que David Justino fosse mais resiliente e conhecesse melhor o seu PSD. A ideia merece discussão, ou melhor as tendências corporativas de magistrados têm de ser reguladas e combativas, mas por favor escolham um outro timing para a suscitar.

Claro que nestas coisas há sempre um certo PS a pôr-se a jeito. Com os processos judiciais-chave da democracia portuguesa a caminhar para ida a tribunal, deixar que se crie a ideia de que o tema é hoje recuperado em busca de uma pressão política sobre a ação do Ministério Público é simplesmente dar o ouro ao bandido, dar o flanco e sugerir que uma mais do que provável condenação de Sócrates ainda produzirá muitos efeitos colaterais. Claro que a Procuradora Geral da República a precisar de espaço de afirmação teria de reagir como reagiu, invocando que a sua aceitação do lugar aconteceu com base nos pressupostos de garantia de independência e separação de poderes.

Com o ninho de vespas que o rodeia, sobretudo daquelas que terão a sua passagem pelo parlamento ameaçada numa próxima legislatura, Rio merece alguma compreensão. Mas convém não abusar. Pedir-lhe mais alguma subtileza política já será pedir demais.

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