(A controvérsia em torno da putativa mudança de composição
do Conselho Superior do Magistério Público é o Portugal político no seu melhor:
a praga do esganiçado comentador Mendes, o PSD de Rio com aquele talento
natural de subtileza profunda, o PS a brincar com o fogo e parte dele a mostrar
que não engoliu bem o caso Sócrates e uma Procuradora a querer marcar o seu
lugar. No meio disto tudo, parece
emergir a calma sobriedade da ministra da Justiça.)
Nunca imaginei sinceramente ser tão compreensivo
para com o personagem político Rui Rio. Tem-me bastado a alergia profunda que
me provocam personalidades do lado oposto do PSD como Luís Montenegro, Hugo Soares
ou Carlos Abreu Amorim para dar o meu ombro simbólico às sucessivas trapalhadas
em que Rio se tem, voluntariamente ou por puro desatino, deixado mergulhar. Mas
este timing de suscitar a controvérsia
em torno da composição do Conselho Superior do Magistério Público imediatamente
após a entrada em funções da nova Procuradora Geral da República e em pleno
desenvolvimento de processos chave para a sanidade da vida pública em Portugal
não lembraria ao diabo, mesmo ao que se furtou ao chamamento incessante de
Passos e do tal outro PSD.
Sou dos que penso que em democracia não deve haver corpos não escrutináveis.
Também não me custa admitir que os juízes revelam por vezes comportamentos de natureza
corporativa que não se recomendam em democracia e muito menos acredito nessa figura
de juízes impunes às impurezas da vida. Por isso, não me choca que os magistrados
tenham de conviver com espaços institucionais com elementos relevantes e prestigiados
da sociedade civil. Mas tudo tem o seu tempo e há tempos em que uma controvérsia
mal ou precipitadamente lançada pode matar ideias que valia a pena trabalhar e encontrar
fórmulas de equilíbrio para as poder concretizar.
Ora esta ideia de suscitar a discussão da composição do Conselho Superior
do Magistério Público, abrindo caminho a uma maioria de membros indicados pela
sociedade civil ou poder político, numa altura em que a nova Procuradora Geral
da República precisa de alguma estabilidade para se impor no seu mandato releva
de uma grande ingenuidade política. Todavia, tem razão David Justino para se indignar
contra o populismo mais balofo de Marques Mendes, em campanha sabe-se lá para
quê, só se for para Presidente da Associação dos Animais Amestrados em tempo de
desemprego. Mas eu próprio esperaria que David Justino fosse mais resiliente e
conhecesse melhor o seu PSD. A ideia merece discussão, ou melhor as tendências
corporativas de magistrados têm de ser reguladas e combativas, mas por favor
escolham um outro timing para a suscitar.
Claro que nestas coisas há sempre um certo PS a pôr-se a jeito. Com os
processos judiciais-chave da democracia portuguesa a caminhar para ida a
tribunal, deixar que se crie a ideia de que o tema é hoje recuperado em busca de
uma pressão política sobre a ação do Ministério Público é simplesmente dar o
ouro ao bandido, dar o flanco e sugerir que uma mais do que provável condenação
de Sócrates ainda produzirá muitos efeitos colaterais. Claro que a Procuradora
Geral da República a precisar de espaço de afirmação teria de reagir como
reagiu, invocando que a sua aceitação do lugar aconteceu com base nos pressupostos
de garantia de independência e separação de poderes.
Com o ninho de vespas que o rodeia, sobretudo daquelas que terão a sua passagem
pelo parlamento ameaçada numa próxima legislatura, Rio merece alguma compreensão.
Mas convém não abusar. Pedir-lhe mais alguma subtileza política já será pedir demais.
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