(A vertiginosa emergência do VOX, extrema-direita espanhola, nas eleições da
Andaluzia que muito provavelmente conduzirão a uma reviravolta na governação
daquela região espanhola, feudo do PSOE, está longe de estar compreendida. Por isso, todos os dados que contribuam para uma explicação
mais robusta do observado são cruciais para compreender a evolução do contexto
político, não ignorando que extrapolações andaluzas devem ser sempre realizadas
com cautela.)
Há elementos do contexto político espanhol que são bem conhecidos e já os
comentei neste espaço. O conservadorismo espanhol mais reacionário, que
permaneceu acomodado sob o manto protetor do PP durante muito tempo, tem uma
dimensão fortíssima, quase violenta, de centralismo nacionalista, que o torna dependente
de toda a história espanhola de afirmação do poder central de Castela e modernamente
de Madrid. Não é por acaso que o partido de Abascal está apostado em inverter a
decentralização de competências em matéria de educação e saúde operada para as Comunidades
Autónomas históricas e fazê-las reverter para o domínio do estado central. As
circunstâncias da guerra civil no passado e as modernas incidências do desvario
catalão combinam-se numa mistura explosiva, que o PP conseguiu conter durante
muito tempo mas que se vê atualmente em dificuldades para o assegurar, sabe-se
lá com que implicações no seu direitismo (mais vivo em Casado do que o era em
Rajoy, do qual, oxalá me engane, ainda vamos ter saudades). Como certamente já
se aperceberam todo aquele, como Rajoy, que não se confundiu com o cinzentismo
bigodesco de Aznar me inspira simpatia e todo aquele que com ele se confunde
causa-me irritações cutâneas e não só.
Dada a forte especificidade que a Andaluzia representa em todo este
contexto, não só por ser a fonte principal do aparelhismo do PSOE gerado por
longos anos de domínio do governo regional, mas também por ser local de entrada
e destino de muita da população estrangeira em que se misturam refugiados e
trabalho desqualificado para a agricultura intensiva de exportação, todos os
elementos que ajudem a compreender a meteórica ascensão do VOX são preciosos. Combater
firmemente a ascensão da extrema-direita não significa ignorar os elementos que
lhe abriram caminho. Timidamente, começam a surgir os primeiros ensaios
explicativos, embora com a limitação de se basearem em sondagens pós eleições.
O El País publica uma primeira reflexão realizada com base na sondagem do 40
Db (link aqui), depois de ter acusado a publicação dos resultados da mesma
sondagem (link aqui).
Os resultados diretos publicados vêm ao encontro da minha análise inicial sobre
o tema. A primeira imagem global que resulta da sondagem é esta ideia central:
a imigração e a unidade de Espanha foram os motivos centrais que justificaram a
adesão às propostas de Abascal e seus muchachos. Atentem nas percentagens (não
são aditivas, tenhamos isso em conta): (i) 41,6 % votou VOX por se identificar com
o seu discurso sobre a imigração; (ii) 33,7% pelo facto de defender a unidade
de Espanha; (iii) 28% para parar os independentistas; (iv) 24,9% para fazer
eclodir o Estado das Autonomias. Se os testemunhos captados pela sondagem forem
reais, aqui temos uma clara e inequívoca explicação da emergência do VOX. Diria
que, em comparação com processos similares (embora não tão vertiginosos)
observados no Norte da Europa, se observa que a questão da imigração começa a
transversalizar-se na Europa e que a descentralização incomoda mais a sul do que
a norte e compreende-se porquê. A descentralização e as autonomias regionais já
são componentes intrínsecas do processo de desenvolvimento de tais nações. O
que está longe de acontecer a sul. Por isso, tudo claro.
Mas o jornalista Kiko Llaneras que interpreta os resultados traz para a
reflexão uma importante conclusão: “O perfil
transversal do votante VOX sugere que o seu elemento vertebrador não é tanto
sociológico, mas sim em função de ideias”. Ou seja, o medo e
intolerância para com a imigração e a defesa a todo o custo do nacionalismo e
da unidade de Espanha (leia-se o centralismo) sobrepõem-se a quais traços
sociológicos que expliquem a adesão às propostas da extrema-direita.
Os dados da sondagem trazem contudo algumas ideias a aprofundar: (i) as mulheres
parecem ter votado mais massivamente do que as sondagens pré-eleitorais o
admitiam; (ii) os jovens parecem não ter aderido à mensagem (esperança); (iii) trabalhadores
e reformados evidenciam forte adesão; (iv) retirando a fraca incidência nas populações
de mais baixo rendimento e de pequenos povoados, a adesão ao VOX faz-se
praticamente de modo transversal a todos os grupos de rendimento e tem uma matriz
urbana clara.
São primeiros dados, penalizados pelo facto da estrutura de respondentes à
sondagem não reproduzir fielmente a estrutura social andaluza. Mas à míngua de
análises mais aprofundadas não os podemos ignorar.
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