terça-feira, 11 de dezembro de 2018

PROCURAR ENTENDER, SIMPLESMENTE


(A vertiginosa emergência do VOX, extrema-direita espanhola, nas eleições da Andaluzia que muito provavelmente conduzirão a uma reviravolta na governação daquela região espanhola, feudo do PSOE, está longe de estar compreendida. Por isso, todos os dados que contribuam para uma explicação mais robusta do observado são cruciais para compreender a evolução do contexto político, não ignorando que extrapolações andaluzas devem ser sempre realizadas com cautela.)

Há elementos do contexto político espanhol que são bem conhecidos e já os comentei neste espaço. O conservadorismo espanhol mais reacionário, que permaneceu acomodado sob o manto protetor do PP durante muito tempo, tem uma dimensão fortíssima, quase violenta, de centralismo nacionalista, que o torna dependente de toda a história espanhola de afirmação do poder central de Castela e modernamente de Madrid. Não é por acaso que o partido de Abascal está apostado em inverter a decentralização de competências em matéria de educação e saúde operada para as Comunidades Autónomas históricas e fazê-las reverter para o domínio do estado central. As circunstâncias da guerra civil no passado e as modernas incidências do desvario catalão combinam-se numa mistura explosiva, que o PP conseguiu conter durante muito tempo mas que se vê atualmente em dificuldades para o assegurar, sabe-se lá com que implicações no seu direitismo (mais vivo em Casado do que o era em Rajoy, do qual, oxalá me engane, ainda vamos ter saudades). Como certamente já se aperceberam todo aquele, como Rajoy, que não se confundiu com o cinzentismo bigodesco de Aznar me inspira simpatia e todo aquele que com ele se confunde causa-me irritações cutâneas e não só.

Dada a forte especificidade que a Andaluzia representa em todo este contexto, não só por ser a fonte principal do aparelhismo do PSOE gerado por longos anos de domínio do governo regional, mas também por ser local de entrada e destino de muita da população estrangeira em que se misturam refugiados e trabalho desqualificado para a agricultura intensiva de exportação, todos os elementos que ajudem a compreender a meteórica ascensão do VOX são preciosos. Combater firmemente a ascensão da extrema-direita não significa ignorar os elementos que lhe abriram caminho. Timidamente, começam a surgir os primeiros ensaios explicativos, embora com a limitação de se basearem em sondagens pós eleições.

O El País publica uma primeira reflexão realizada com base na sondagem do 40 Db (link aqui), depois de ter acusado a publicação dos resultados da mesma sondagem (link aqui).

Os resultados diretos publicados vêm ao encontro da minha análise inicial sobre o tema. A primeira imagem global que resulta da sondagem é esta ideia central: a imigração e a unidade de Espanha foram os motivos centrais que justificaram a adesão às propostas de Abascal e seus muchachos. Atentem nas percentagens (não são aditivas, tenhamos isso em conta): (i) 41,6 % votou VOX por se identificar com o seu discurso sobre a imigração; (ii) 33,7% pelo facto de defender a unidade de Espanha; (iii) 28% para parar os independentistas; (iv) 24,9% para fazer eclodir o Estado das Autonomias. Se os testemunhos captados pela sondagem forem reais, aqui temos uma clara e inequívoca explicação da emergência do VOX. Diria que, em comparação com processos similares (embora não tão vertiginosos) observados no Norte da Europa, se observa que a questão da imigração começa a transversalizar-se na Europa e que a descentralização incomoda mais a sul do que a norte e compreende-se porquê. A descentralização e as autonomias regionais já são componentes intrínsecas do processo de desenvolvimento de tais nações. O que está longe de acontecer a sul. Por isso, tudo claro.

Mas o jornalista Kiko Llaneras que interpreta os resultados traz para a reflexão uma importante conclusão: “O perfil transversal do votante VOX sugere que o seu elemento vertebrador não é tanto sociológico, mas sim em função de ideias”. Ou seja, o medo e intolerância para com a imigração e a defesa a todo o custo do nacionalismo e da unidade de Espanha (leia-se o centralismo) sobrepõem-se a quais traços sociológicos que expliquem a adesão às propostas da extrema-direita.

Os dados da sondagem trazem contudo algumas ideias a aprofundar: (i) as mulheres parecem ter votado mais massivamente do que as sondagens pré-eleitorais o admitiam; (ii) os jovens parecem não ter aderido à mensagem (esperança); (iii) trabalhadores e reformados evidenciam forte adesão; (iv) retirando a fraca incidência nas populações de mais baixo rendimento e de pequenos povoados, a adesão ao VOX faz-se praticamente de modo transversal a todos os grupos de rendimento e tem uma matriz urbana clara.

São primeiros dados, penalizados pelo facto da estrutura de respondentes à sondagem não reproduzir fielmente a estrutura social andaluza. Mas à míngua de análises mais aprofundadas não os podemos ignorar.

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