terça-feira, 4 de dezembro de 2018

UM TESOURINHO



(Os arquivos de Brad DeLOng são uma preciosidade. Sempre que o economista de Berkeley abre o seu baú digital é seguramente algo de importante que emerge. Este tesourinho é uma boa oportunidade de dar cabo do juízo aos libertários portugueses, muito hayekianos, mas sempre prontos a recolher indefesos um abrigo público, pois não aguentam um dia que seja na selvajaria do mercado que tanto apreciam.)

Este tesourinho data de julho de 2013 e respeita a uma controvérsia que então se gerou sobre se efetivamente Margaret Thacher tinha ou não recebido uma carta de Hayek, à qual Thatcher respondeu nos termos abaixo reproduzidos, com a tradução imperfeita de alguém que se considera incapaz de verter para português a prosa de uma senhora com tais pergaminhos:

Meu caro Professor Hayek

Agradeço a sua carta de 5 de fevereiro. Fiquei muito feliz por saber que poderá estar presente no jantar tão pensadamente organizado por Walter Salomon. Não foi apenas para mim um grande prazer, mas foi como sempre instrutivo e retribuidor ouvir as suas perspetivas sobre as grandes questões do nosso tempo.

Estive atenta ao êxito notável da economia chilena em reduzir substancialmente o peso da despesa governamental ao longo da década de 70. A evolução do Socialismo de Allende para uma economia capitalista assente na livre empresa observada nos anos 80 é um exemplo impressionante de reforma económica a partir da qual podemos aprender muitas lições.

Todavia, estou segura que concordará comigo, na Grã-Bretanha com as nossas instituições democráticas e a necessidade de um elevado grau de consentimento, algumas das medidas adotadas no Chile  são completamente inaceitáveis. A nossa reforma deve ser feita em conformidade com as nossas tradições e a nossa Constituição. Por vezes, o processo pode parecer penosamente lento. Mas estou certa que concretizaremos as nossas reformas à nossa maneira e no nosso próprio tempo. Serão então duradouras.”

Digam lá sinceramente se isto não é uma verdadeira preciosidade. Ou seja, meus caros hayekianos, a vossa madre e senhora dos tempos modernos, na qual viram uma réstia de esperança para concretizar as vossas ideias, o que diz nesta carta é que reformas pró-business e não apenas pró-mercado com poderes ditatoriais e sanguinários a suportá-las não se recomendam para países civilizados em que as instituições e as democracias contam.

Assim, se já sabíamos que as tentações liquidacionistas de Hayek nas recessões eram demasiado evidentes, encolhendo os ombros perante a penosidade dos ajustamentos, a carta de Thatcher mostra também que as reformas pró-business exigem para se poderem aguentar e dar resultados contextos políticos não recomendáveis.

Para memória futura de observadores socialmente atentos.

Os arquivos de DeLong são um bem público precioso.

1 comentário: