(Falta um episódio para que a saga da Guerra dos
Tronos se conclua e teremos uma semana para recuperar animicamente de tamanha
carnificina, a partir do momento em que o medo se sobrepôs à via do amor. O fim continua ligado a três mulheres das quatro
que se perfilavam, Daenerys, Cersei que desaparece no fogo em companhia do seu
amante Jaime, Arya Stark que parece emergir como a única fonte de esperança que
resta aproveitar e Sansa Stark, não sabemos se pontual ou definitivamente
afastada da trama do poder.
Pode dizer-se que a sequência evolutiva dos últimos episódios, sobretudo a
partir da batalha de Winterfell, conduzia a uma transformação da personagem
Daenerys Targeryen, mãe dos dragões, na personificação da violência implacável
e impiedosa do poder e da força absoluta. De facto, Daenerys: (i) perde os que
lhe são mais próximos, Jorah Mormont, Missandei e um dos seus dragões, Rhaegal,
num dos mergulhos no mar mais arrebatadores de toda a série; (ii) vê o seu amor
por Jon Snow, aliás Aegon Targaryen, praticamente inviabilizado pela revelação
de que Jon é seu sobrinho e o candidato natural ao Trono de Ferro, apesar de a
considerar como a “sua Rainha”; (iii) enfrenta a recusa total de Cersei em
negociar, materializada na decapitação da sua aia e protegida Missandei.
Os dados estavam assim lançados para que a aparentemente frágil Daenerys,
sobretudo quando confrontada com a força dos seus dragões, evolua para uma
espécie de loucura vingativa e de afirmação total da força terrível do fogo do
seu último drgão. Não sabemos se esta transformação é definitiva e conduzirá à
sua própria destruição ou se, pelo contrário, poderá recuperar as
características de bondade da personagem. Creio que não e que se trata de uma
transformação sem retorno e que a esperança redentora não passará pela Mãe dos
Dragões. O que sabemos é a que a sua decisão implacável de não poupar ninguém
na destruição de Porto Real, mesmo depois dos sinos tocarem como sinal de
rendição (uma das cenas mais belas deste episódio), tirando partido da última
força diferenciadora que possui, o poder do último dragão, é a expressão máxima
da violência da guerra, aliás abundantemente explorada na vertigem deste
episódio de carnificina total.
Esperaríamos talvez um enfrentamento direto, uma espécie de última
vingança, entre Daenarys e a Rainha Cersei, mas não é isso que sucede. Cersei
Lannister morre com o seu irmão e amante Jaime Lannister sob a destruição
provocada pelo fogo, depois de encerrada a única saída possível. O episódio
centra-se pelo contrário no desaparecimento dos maus da fita, suportes da
estratégia de poder e subjugação assumida por Cersei: Qyburn mão da Rainha,
Euron Greyjoy ensandecido pela sua paixão por Cersei e chefe de uma Armada
possuidora da arma mais mortal (as bestas gigantes) imediatamente a seguir à do
fogo dos dragões, morto por Jaime Lannister, e o Montanha uma espécie de Lord
Vader da Guerra dos Tronos. Aliás, a morte de Gregor Clegane (o Montanha)
depois da luta com o seu irmão o gigante Sandor o Cão que acompanhou Arya Stark
em tantos episódios é dos momentos mais conseguidos deste episódio. Já a morte
do eunuco manipulador Lord Varys era anunciada a partir do momento em que tomou
partido na escolha entre Daenerys e Jon Snow. Curiosamente, este último tem uma
presença neste episódio relativamente secundária, como que anunciando (veremos
se será assim) que irá sair de cena não conseguindo resolver o dilema do
coração e da lealdade. Snow emerge como alguém impotente para travar a devastação
provocada pela sua Rainha. Se na batalha de Winterfell, Arya Stark é a heroína
improvável despachando para as trevas o Cavaleiro da Noite, neste episódio ela
representa a esperança, emergindo das cinzas e da destruição não sabemos para
que destino. Arya Stark emerge neste episódio como os olhos da distância e da
incompreensão perante tanta devastação e crueldade. A cena do seu encontro com
o cavalo branco que escapara ileso da destruição e com o qual Arya se afasta da
carnificina é notável de simbolismo. Não se sabe o que aconteceu efetivamente a
Tyrion Lannister o Anão depois de goradas todas as suas tentativas diplomáticas,
primeiro para convencer a sua irmã a ceder e depois a dissuadir Daenarys de
enveredar pela destruição total da cidade, bem como do seu ato corajoso de
libertar o seu irmão Jaime Lannister.
Abrem-se assim as grandes interrogações dos desenvolvimentos finais. Será que
Daenarys, consumada a sua vingança, afirmará o seu poder pela força do fogo e
do seu exército de eunucos chefiados pelo companheiro de Missandei, Torgo
Nudho, assumindo ela própria uma trajetória de tirania implacável? Será que Jon
Snow (aliás Aegon Targaryen) coassumirá naturalmente o trono, na sequência de
algum recuo de Daenarys? Ou será que Arya Stark simbolizará a esperança de um
outro modelo de exercício do poder, esgotadas que estão as suas necessidades de
vingança? Ou será que a por agora recatada Sansa Stark tirará partido de toda
esta encruzilhada?
(Ensandeceu?)
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