terça-feira, 14 de maio de 2019

A CARNIFICINA DE PORTO REAL



(Falta um episódio para que a saga da Guerra dos Tronos se conclua e teremos uma semana para recuperar animicamente de tamanha carnificina, a partir do momento em que o medo se sobrepôs à via do amor. O fim continua ligado a três mulheres das quatro que se perfilavam, Daenerys, Cersei que desaparece no fogo em companhia do seu amante Jaime, Arya Stark que parece emergir como a única fonte de esperança que resta aproveitar e Sansa Stark, não sabemos se pontual ou definitivamente afastada da trama do poder.

Pode dizer-se que a sequência evolutiva dos últimos episódios, sobretudo a partir da batalha de Winterfell, conduzia a uma transformação da personagem Daenerys Targeryen, mãe dos dragões, na personificação da violência implacável e impiedosa do poder e da força absoluta. De facto, Daenerys: (i) perde os que lhe são mais próximos, Jorah Mormont, Missandei e um dos seus dragões, Rhaegal, num dos mergulhos no mar mais arrebatadores de toda a série; (ii) vê o seu amor por Jon Snow, aliás Aegon Targaryen, praticamente inviabilizado pela revelação de que Jon é seu sobrinho e o candidato natural ao Trono de Ferro, apesar de a considerar como a “sua Rainha”; (iii) enfrenta a recusa total de Cersei em negociar, materializada na decapitação da sua aia e protegida Missandei.

Os dados estavam assim lançados para que a aparentemente frágil Daenerys, sobretudo quando confrontada com a força dos seus dragões, evolua para uma espécie de loucura vingativa e de afirmação total da força terrível do fogo do seu último drgão. Não sabemos se esta transformação é definitiva e conduzirá à sua própria destruição ou se, pelo contrário, poderá recuperar as características de bondade da personagem. Creio que não e que se trata de uma transformação sem retorno e que a esperança redentora não passará pela Mãe dos Dragões. O que sabemos é a que a sua decisão implacável de não poupar ninguém na destruição de Porto Real, mesmo depois dos sinos tocarem como sinal de rendição (uma das cenas mais belas deste episódio), tirando partido da última força diferenciadora que possui, o poder do último dragão, é a expressão máxima da violência da guerra, aliás abundantemente explorada na vertigem deste episódio de carnificina total.

Esperaríamos talvez um enfrentamento direto, uma espécie de última vingança, entre Daenarys e a Rainha Cersei, mas não é isso que sucede. Cersei Lannister morre com o seu irmão e amante Jaime Lannister sob a destruição provocada pelo fogo, depois de encerrada a única saída possível. O episódio centra-se pelo contrário no desaparecimento dos maus da fita, suportes da estratégia de poder e subjugação assumida por Cersei: Qyburn mão da Rainha, Euron Greyjoy ensandecido pela sua paixão por Cersei e chefe de uma Armada possuidora da arma mais mortal (as bestas gigantes) imediatamente a seguir à do fogo dos dragões, morto por Jaime Lannister, e o Montanha uma espécie de Lord Vader da Guerra dos Tronos. Aliás, a morte de Gregor Clegane (o Montanha) depois da luta com o seu irmão o gigante Sandor o Cão que acompanhou Arya Stark em tantos episódios é dos momentos mais conseguidos deste episódio. Já a morte do eunuco manipulador Lord Varys era anunciada a partir do momento em que tomou partido na escolha entre Daenerys e Jon Snow. Curiosamente, este último tem uma presença neste episódio relativamente secundária, como que anunciando (veremos se será assim) que irá sair de cena não conseguindo resolver o dilema do coração e da lealdade. Snow emerge como alguém impotente para travar a devastação provocada pela sua Rainha. Se na batalha de Winterfell, Arya Stark é a heroína improvável despachando para as trevas o Cavaleiro da Noite, neste episódio ela representa a esperança, emergindo das cinzas e da destruição não sabemos para que destino. Arya Stark emerge neste episódio como os olhos da distância e da incompreensão perante tanta devastação e crueldade. A cena do seu encontro com o cavalo branco que escapara ileso da destruição e com o qual Arya se afasta da carnificina é notável de simbolismo. Não se sabe o que aconteceu efetivamente a Tyrion Lannister o Anão depois de goradas todas as suas tentativas diplomáticas, primeiro para convencer a sua irmã a ceder e depois a dissuadir Daenarys de enveredar pela destruição total da cidade, bem como do seu ato corajoso de libertar o seu irmão Jaime Lannister.

Abrem-se assim as grandes interrogações dos desenvolvimentos finais. Será que Daenarys, consumada a sua vingança, afirmará o seu poder pela força do fogo e do seu exército de eunucos chefiados pelo companheiro de Missandei, Torgo Nudho, assumindo ela própria uma trajetória de tirania implacável? Será que Jon Snow (aliás Aegon Targaryen) coassumirá naturalmente o trono, na sequência de algum recuo de Daenarys? Ou será que Arya Stark simbolizará a esperança de um outro modelo de exercício do poder, esgotadas que estão as suas necessidades de vingança? Ou será que a por agora recatada Sansa Stark tirará partido de toda esta encruzilhada?

  (Ensandeceu?)

Imagino que o último episódio seja mais de palavra do que de imagem e movimento mais ou menos violentos. Mas será assim?

(Corrigido em 14.05.2019)

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