(A conjunção negativa que se formou na Assembleia da República
e gerou a reação do 1º Ministro afirmando desde já o seu propósito de demissão
caso a lei seja aprovada em plenário e promulgada suscita uma multidão de reflexões,
que dariam para uma semana de posts neste blogue. Vou essencialmente centrar-me no que a decisão
representa de fim ou trambolhão da geringonça, já que o oportunismo da direita equivale
à formação de uma multidão de detratores do Parlamento e dos seus deputados e
por isso só merece uma ignorância olímpica.)
Até tu Rui Rio! Esta poderia ser uma forma possível de iniciar esta crónica.
Não lembraria ao diabo, que não veio, uma explicação tão atentatória da inteligência
dos Portugueses. O homem até é simpático, merece respeito, mas de vez em quando
o seu perfil de amanuense emerge cristalino como água de fonte não conspurcada e
não há nada a fazer, senão mesmo lamentar. Mas até agora Rio nunca se metera por
vielas tão obscuras no seu diálogo com o País. O apoio do PSD a um texto que,
segundo o azougado José Gomes Ferreira estaria hoje à tarde ainda a ser
redigido, assenta numa pacóvia ideia de que no futuro se verá se pode ou não
pagar-se, como se as coisas fossem assim. A associação de Rio a uma perspetiva
de fundamentação tão descarada nos seus propósitos mostra um homem político
acossado que decide para tentar defender o coiro que já cheira a queimado. Deu-me
algum gozo defendê-lo em alguns assuntos só para contrariar a direita alt-right portuguesa que gostaria de puxar
o PSD à direita, quanto mais melhor. Mas nunca tive a ideia de que fosse muito
longe. Quanto a Assunção Cristas não é mais do que a confirmação do que é uma
levezinha a querer assumir poses de grande estadista. Nos últimos tempos,
transformou-se em atiradora furtiva, atirando a tudo que mexe, sem critério, combinando
pólvora seca com pretensas balas de borracha.
Mas a decisão da Comissão Educação do Parlamento tem material que baste
para a discutir do ponto de vista da geringonça e da sua viabilidade. A
primeira ideia que emerge na minha reflexão é a de que haveria imensas problemáticas
que justificariam desenlaces e zangas irreversíveis. Por exemplo, a falta de
clareza das escolhas na Lei de Bases da Saúde poderia justificar uma grande cisão.
Outras matérias haveria da mesma natureza. Mas submeter o acordo parlamentar a
uma pressão talvez irreversível até à dinâmica eleitoral por força do que Mário
Nogueira representa em termos de irresponsabilidade não me cai bem e é no mínimo
estúpido e de vistas muito curtas. A esquerda se quer ter margem de manobra de
governação futura, e os tempos de hoje abrem-lhe um caminho promissor, tem de
compreender que a falta de regulação dos propósitos compreensíveis de qualquer classe
com estatuto de funcionalismo público a melhorar a sua situação e corrigir
injustiças equivale a um caminho para o suicídio. Este comportamento do PCP e
do Bloco compreender-se-ia antes do seu envolvimento na governação. Após esse
envolvimento em quatro Orçamentos Gerais do Estado aprovados soa a choco e tresanda
a oportunismo eleitoral. Uma solução de governação de esquerda não pode apontar
apenas ao funcionalismo público, sobretudo quando esse posicionamento não é acompanhado
de qualquer propósito de modernização de carreiras. Toda a gente com um palmo
de testa se lembra do reacionarismo de grande parte do corpo de professores relativamente
à avaliação de desempenho. Um governo de esquerda não pode dissociar-se dos
equilíbrios necessários na sociedade portuguesa. O PS pode ser acusado de muita
coisa e eu próprio um votante e simpatizante regular do PS estarei sempre nessa
primeira linha de pensamento crítico, até porque tenho a liberdade de quem não tem
benesses, nem as pede. Posso ter dúvidas quanto à elasticidade política da
equipa ministerial atual da educação. Mas não podem acusar o PS de não falar
claro, de não definir balizas para a recuperação de injustiças. A equação “reposições-consolidação
orçamental” foi sempre claramente enunciada por António Costa e Mário Centeno. Seria
o primeiro a compreender uma cisão em torno das opções programáticas na saúde e
bastaria associar o PS a Maria de Belém e como eu compreenderia o extremar de
posições. Mas que me desculpem os muitos professores que conheço, competentes e
fiéis ao seu papel de garantes da qualificação, mas inviabilizar uma prática de
governação com apoio parlamentar à esquerda por efeito do descongelamento de
carreiras dos professores é uma profunda estupidez e coloca-me de pé atrás
quanto a futuros cenários de governação. Não sei se o PCP e o Bloco perceberam
bem o que significa envolver-se direta ou indiretamente na governação. Equivale
a uma perda de virgindade, masculina ou feminina. Já não somos os mesmos.
Meus senhores e minhas senhoras as escolhas públicas existem e não são hoje
as que sempre associamos ao confronto entre a esquerda e a direita. Por
exemplo, a educação e a saúde não pertencem a um bloco indissociável. Há
momentos históricos em que as escolhas podem envolver graduações de opções
entre educação e saúde, só para não complicar o modelo. Não fazer transparecer esse
novo universo de escolhas públicas para o cidadão eleitor paga-se caro.
E o Presidente da República pode deixar-se de selfies para massajar o ego coletivo dos Portugueses e passar a ter
uma perspetiva pedagógica mais consistente sobre estas matérias.
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