domingo, 19 de maio de 2019

“NUNCA FAÇAS A TATUAGEM DE UM PERSONAGEM VIVO”



(A frase é do analista político espanhol Rafa Latorre, jornalista do El Mundo. Ela cruza-se curiosamente com o ambiente fervilhante de interrogação que paira no ar sobre qual será o fim da Guerra dos Tronos. Há muita gente a querer incarnar a Khaleesi, mas ela mudou, radicalmente?, e quem sabe qual será o seu fim na madrugada de hoje.

A frase de Latorre tem em espanhol mais significado:

Nunca te tatúes la cara de un personaje vivo porque siempre hay posibilidad de cagarla"

Estava escrito nos astros. A intensidade da metáfora sobre o poder que a Guerra dos Tronos representa teria, inevitavelmente, que exercer uma profunda atração nas lideranças políticas. Mais ainda, a força que irradia de algumas personagens femininas, sim, bastante mais profundas do que as masculinas, teria que tocar as lideranças femininas que se cruzam pelos diferentes espaços políticos. A jornalista Sara Polo tem no El Mundo uma curiosa reflexão sobre a extensão dessa atração na cena política espanhola (link aqui), estranhamente atravessada por uma onda de que “Somos todas Khaleesis”.

Como não poderia deixar de ser, atendendo à força que irradia de Inês Arrimadas do CIUDADANOS, quem não se recorda da magia que se desprendia da sua imagem na televisão e nos palcos políticos das “calles” e “plazas” quando o CIUDADANOS foi o vencedor das últimas eleições regionais na Catalunha, a tentação de fazer de Inês uma Khaleesi era muito forte. E assim se concretizou, com o cartaz acima reproduzido.

Sara Polo dá no artigo outros exemplos de lideranças femininas em Espanha que se abalançaram a assumir o espírito da Khaleesi e até Cristina Cifuentes, que acabou por sair de cena entalada em questões relacionadas com o seu título académico na Complutense, apareceu na assembleia de Madrid com uma T-shirt que dizia: "No soy una princesa, soy una Khaleesi"

Mas aqui é que a porca torce o seu rabinho. Os menos atentos não intuíram que a personagem da Khaleesi, Daenerys Targaryen, iria mudar profundamente ao longo da série final da Guerra dos Tronos, aliás num registo que a mais profunda interpretação da sua personalidade e da sua herança genética dos Targaryen poderia recomendar mais cautela na identificação com a sua personagem. Para além disso, uma Mãe de Dragões dispõe de uma arma que é uma tentação para impor uma certa forma de afirmar a força do Poder.

Pois agora que a Mãe dos Dragões parece que virou louca (veremos no último episódio) torna-se evidente que o CIUDADANOS anda de mal com a vida e com as suas opções. Não sei se por esse motivo ou pela simples erosão do tempo na Catalunha, Inês Arrimadas perdeu fôlego como o seu próprio partido e talve hoje se arrependa de se ter mostrado de modo identitário com a Khaleesi.

Estas identificações prematuras com personagens de onda momentânea pagam-se por vezes muito caro, ou pelos seus efeitos, ou pelo dinheiro que tem de ser gasto para branquear e evitar o pior nas personalidades apoiadas (cheira-me que Ronaldo deve ter beneficiado destes investimentos). Esta questão lembra-me a campanha do BCP que tinha como imagem de referência o locutor e jornalista Carlos Cruz, simbolizada até numa figura de corpo inteiro que abria algumas delegações do Banco. Quando o caso Casa Pia deflagrou com toda a sua força mediática (embora tenha de aqui dizer que nunca fiquei muito convencido quanto à culpabilidade efetiva de Carlos Cruz) a verdade é que um zeloso funcionário de uma dada delegação no país não esperou por ordens e colocou imediatamente a comprometedora figura de corpo inteiro na caixa forte do banco. Quando na manhã seguinte, tocou a rebate no banco para infletir a campanha publicitária, a referida delegação abriu como se nada fosse pois a imagem que não convinha mostrar já tinha passado a madrugada no aconchego da caixa forte.

O problema é que nenhum funcionário zeloso do CIUDADANOS poderá fazer o mesmo. O mal está feito e estará, qualquer que seja o fim da Guerra dos Tronos.

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