(A frase é do analista político espanhol Rafa Latorre,
jornalista do El Mundo. Ela cruza-se curiosamente com o ambiente fervilhante de
interrogação que paira no ar sobre qual será o fim da Guerra dos Tronos. Há muita gente a querer incarnar a Khaleesi, mas
ela mudou, radicalmente?, e quem sabe qual será o seu fim na madrugada de hoje.
“Nunca
te tatúes la cara de un personaje vivo porque siempre hay posibilidad de
cagarla"
Estava escrito nos astros. A intensidade da metáfora sobre o poder que a
Guerra dos Tronos representa teria, inevitavelmente, que exercer uma profunda
atração nas lideranças políticas. Mais ainda, a força que irradia de algumas
personagens femininas, sim, bastante mais profundas do que as masculinas, teria
que tocar as lideranças femininas que se cruzam pelos diferentes espaços
políticos. A jornalista Sara Polo tem no El
Mundo uma curiosa reflexão sobre a extensão dessa atração na cena política
espanhola (link aqui), estranhamente atravessada por uma onda de que “Somos todas
Khaleesis”.
Como não poderia deixar de ser, atendendo à força que irradia de Inês
Arrimadas do CIUDADANOS, quem não se recorda da magia que se desprendia da sua
imagem na televisão e nos palcos políticos das “calles” e “plazas” quando o
CIUDADANOS foi o vencedor das últimas eleições regionais na Catalunha, a
tentação de fazer de Inês uma Khaleesi era muito forte. E assim se concretizou,
com o cartaz acima reproduzido.
Sara Polo dá no artigo outros exemplos de lideranças femininas em Espanha
que se abalançaram a assumir o espírito da Khaleesi e até Cristina Cifuentes,
que acabou por sair de cena entalada em questões relacionadas com o seu título
académico na Complutense, apareceu na assembleia de Madrid com uma T-shirt que
dizia: "No soy una princesa, soy
una Khaleesi"
Mas aqui é que a porca torce o seu rabinho. Os menos atentos não intuíram
que a personagem da Khaleesi, Daenerys Targaryen, iria mudar profundamente ao
longo da série final da Guerra dos Tronos, aliás num registo que a mais
profunda interpretação da sua personalidade e da sua herança genética dos Targaryen
poderia recomendar mais cautela na identificação com a sua personagem. Para
além disso, uma Mãe de Dragões dispõe de uma arma que é uma tentação para impor
uma certa forma de afirmar a força do Poder.
Pois agora que a Mãe dos Dragões parece que virou louca (veremos no último episódio)
torna-se evidente que o CIUDADANOS anda de mal com a vida e com as suas opções.
Não sei se por esse motivo ou pela simples erosão do tempo na Catalunha, Inês
Arrimadas perdeu fôlego como o seu próprio partido e talve hoje se arrependa de
se ter mostrado de modo identitário com a Khaleesi.
Estas identificações prematuras com personagens de onda momentânea pagam-se
por vezes muito caro, ou pelos seus efeitos, ou pelo dinheiro que tem de ser gasto
para branquear e evitar o pior nas personalidades apoiadas (cheira-me que
Ronaldo deve ter beneficiado destes investimentos). Esta questão lembra-me a campanha
do BCP que tinha como imagem de referência o locutor e jornalista Carlos Cruz, simbolizada
até numa figura de corpo inteiro que abria algumas delegações do Banco. Quando
o caso Casa Pia deflagrou com toda a sua força mediática (embora tenha de aqui
dizer que nunca fiquei muito convencido quanto à culpabilidade efetiva de
Carlos Cruz) a verdade é que um zeloso funcionário de uma dada delegação no país
não esperou por ordens e colocou imediatamente a comprometedora figura de corpo
inteiro na caixa forte do banco. Quando na manhã seguinte, tocou a rebate no
banco para infletir a campanha publicitária, a referida delegação abriu como se
nada fosse pois a imagem que não convinha mostrar já tinha passado a madrugada
no aconchego da caixa forte.
O problema é que nenhum funcionário zeloso do CIUDADANOS poderá fazer o
mesmo. O mal está feito e estará, qualquer que seja o fim da Guerra dos Tronos.
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