(Como grande partido do poder que é, o PS acolhe uma
massa de militantes e políticos muito diversificada e a sua base local alargada
ergue tais características a limiares ainda mais elevados. Nunca perdendo de vista que algumas árvores mais
ranhosas não comprometem a qualidade da floresta, começa a formar-se a ideia de
que, à sombra do partido e do seu papel na sociedade portuguesa, parecem
emergir tendências que apontam para uma perigosa ideia de impunidade e reduzida
“accountability”. O que é mau,
francamente mau.
Todo o
partido que se preze tem a sua base clientelar. É um dado que julgo inevitável
e que pode ser contrariado com políticas internas de transparência e de combate
a situações de eternização de benesses partidárias. A alternância democrática
resolve, não raras vezes e frequentemente com dramatismo, regra geral, estas
questões, afastando dos corredores do poder muita gente, que irá à sua vidinha
para pagar as suas contas. Mas, em períodos mais prolongados de poder, impõe-se
que os partidos tenham eles próprios mecanismos de renovação de cortes e
proximidades. A carne é fraca e muita gente tem ambições não compatíveis com a
sua folha salarial.
A questão
das clientelas e confianças familiares abanou um pouco o PS, mas o erro
político crasso da direita na matéria do tempo de serviço dos professores
salvou o partido de danos maiores. Não está em causa o direito à confiança
política e pessoal que um político necessita de ter em quem com ele trabalha e
delega parte do seu trabalho político. Não está isso em causa. Mas em contexto
de forte empobrecimento dos serviços da administração do Estado, um fenómeno a
que a generalidade das forças políticas não tem dado a atenção necessária e que
terá custos sérios no longo prazo, há limites de intensidade de colaborações familiares
que não podem ser ultrapassados. Há aqui dois fenómenos penalizadores que se
reforçam mutuamente: o empobrecimento técnico e humano da administração pública
e o afunilamento perigoso do recrutamento para exercício de funções políticas e
suas proximidades.
Não tenho a
certeza se os comandos diretivos do PS tomaram em devida conta o abanão que
sofreram. Espero que a resposta seja afirmativa. O escrutínio está cada vez
mais agudo (e ainda bem) e por isso toda a ocultação será castigada, mesmo que
tenhamos uma sociedade pouco exigente nestas matérias e sempre a considerar
como natural algo que ultrapassou os limiares do bom senso democrático.
As notícias
de hoje em torno da Operação Teia e as anteriores reportagens de José António
Cerejo no Público em torno das cumplicidades do PS albicastrense dão conta que
existe um outro mundo de cumplicidades, este a nível marcadamente local, que
também revela tendências que importa travar. Essa análise não está feita de
modo rigoroso, mas entre as personalidades que têm sido tocadas por estas
movimentações da justiça ou por incursões jornalísticas há uma esmagadora
maioria de personalidades que se considera próximo do estilo de exercício da
política e do poder de José Sócrates. O que talvez explique alguma coisa. Bem
sei que regra geral entre o dinamite das primeiras notícias, diligências ou
reportagens e o resultado final das averiguações existe sempre um desvio,
muitas vezes acentuado. Por um lado, a instrução dos processos nem sempre é
exemplar. Por outro, em matéria de investigação jornalística, o quantum de
rigor e cautela que nos é exigido para separar o trigo de algum joio
jornalístico (escrevi joio e não joia, esclareça-se) é cada vez maior se
quisermos estar na pele de um leitor inteligente. Mas, de qualquer modo, as
notícias que têm sido publicadas são plausíveis do ponto de vista de um certo
universo local de que se alimentam alguns “empreendedores” e “figurões”.
Quanto às
personalidades tocadas pelo TEIA não tenho evidências seguras que me levem a
colocar as mãos no fogo pela injustiça de que estarão ser eventualmente alvos.
Não é isso que sinceramente me preocupa. É antes a convicção de que, a cada
centímetro de exposição local neste tipo de casos, correspondem recuos sérios
de muitos metros ou quilómetros em termos de defesa de uma cultura de
descentralização e de devolução do poder ao local. Na verdade, estes senhores,
sempre dispostos a glorificar as virtualidades do poder local, contribuem pelas
piores razões para a sua condenação em termos de uma cultura de suporte à
devolução e à descentralização. Para além de macularem sem desculpa o trabalho
digno de muita gente que promove o desenvolvimento local. E, face a estas
evidências dos pequenos poderes, mais ou menos organizados, cresce o grupo
daqueles que prefere uma solução centralizada ao desconchavo e ao despautério
em proveito de alguns. O que é a forma mais refinada e amarga de reprodução do
centralismo.
Se houver
fogo e não apenas fumo que o combate seja duro e implacável.
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