sábado, 11 de maio de 2019

AINDA RUBALCABA



(A hipocrisia política aconselha a que interpretemos com cautela os testemunhos políticos após a morte de alguém. Sei disso. Mas neste caso, eles têm um significado que está muito para além de uma possível hipocrisia.

Ontem, quando me referia à morte de Alfredo Pérez Rubalcaba, desconhecia que António Costa iria estar presente na sessão em câmara ardente com que o Congresso dos Deputados quis homenagear um político de eleição. Mas gostei que António Costa o tivesse feito.

Tal como o referi no ritual da introdução a este post, sabemos que a hipocrisia política emergente sempre neste tipo de ocasiões. Mas há personalidades cujo desaparecimento está para além dessas minudências. A comoção que dominou a morte de Rubalcaba e o reencontro de personagens políticos da transição espanhola para a democracia que os dias de ontem e de hoje proporcionaram ilustram a dimensão desta personagem ímpar da democracia espanhola.

Trago-vos dois excertos de dois adversários políticos de Alfredo Pérez Rubalcaba, Iñigo Urkullu Renteria, Lendakari – Presidente do Governo Basco e Mariano Rajoy:

“ (…) Naqueles anos vivemos momentos difíceis de sofrimento e incompreensão, nos quais ficará para sempre a recordação do trabalho incansável a favor do ideal que todos compartilhávamos: a luta pela paz e pela liberdade, o fim do terrorismo e a abertura de um novo tempo de futura convivência. Tempo no qual tiveram também importância as circunstâncias que se observaram em torno das eleições municipais e forais de 2011. Faz agora pouco mais de um ano, no dia 3 de maio, pudemos partilhar de novo um sentimento de satisfação íntima, sempre contida pela memória das vítimas, devido à dissolução da ETA. A melhor homenagem e recordação da memória de Alfredo Pérez Rubalcaba é que esta dissolução aconteceu nos estritos termos que tínhamos sempre defendido: um final unilateral, sem contrapartidas e definitivo.
A notícia da morte de Alfredo, como antes a de José António Alonso, foi para nós um duro golpe. As recordaçõea acumulam-se e não há dúvida que a partir de agora o 10 de maio junta-se ao nosso calendário pessoal. À margem das considerações políticas que relativamente a outra responsabilidade se podem fazer, este dia de profunda tristeza fica marcado pelo falecimento de uma pessoa que sempre lembraremos pela sua determinação e entrega absoluta a favor da pam. Alfredo Pérez Rubalcaba, goian bego! Descanse en paz!”
Iñigo Urkullu Renteria

Com a sua partida, a vida pública espanhola perdeu quilates de brilhantismo; Alfredo Pérez Rubalcaba correspondia a um modelo político agora em desuso: nem vivia obcecado pela imagem, nem se perdia em perspetivas de curto prazo. Sabia olhar para além do próximo quarto de hora e afirmava-se com um discurso sólido que merecia ser escutado porque estava acima de manobras publicitárias ou slogans de mau gosto; um discurso que se baseava na racionalidade e nos argumentos, não na busca de um inimigo artificial para se autolegitimar. Talvez por isso foi um aniversário admirável, que nos obrigou a dar o nosso melhor em cada momento.
Hoje partilho com muitos espanhóis um sentimento de perda por quem sempre foi um referencial da política espanhola durante tantos anos de entrega às suas ideias e à vida pública. E quero recordar também com respeito e admiração a pessoa discreta e afável que sempre encontrei por detrás do duro Rubalcaba com quem tive de lutar ao longo da minha vida política. Descanse em paz”.
Mariano Rajoy

Escusado será dizer que só alguém com esta capacidade de respeito e admiração poderá conduzir o conflito catalão a uma resolução.

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