quinta-feira, 30 de maio de 2019

O VELHO BEIRAS ESTÁ AMARGO E TEM MAU PERDER



(Regresso a um post anterior, agora já depois do tumulto que as municipais em Espanha provocaram na Galiza, aqui tão perto. Um tumulto eleitoral tem sempre sequelas, e o velho Xosé Manuel Beiras acusou com estrondo esse impacto. Oportunidade também para registar aqui mais uma metáfora do sempre direto, irrascível e truculento Barreiro Rivas sobre a situação política espanhola.

Tenho de confessar que, quando escrevo sobre estas coisas na minha mesa de trabalho em Seixas, com o Coura, o Minho e Santa Tecla sob a minha mirada, as sinto de maneira diferente. Tivesse mais tempo e disponibilidade e seria um cidadão transfronteiriço convicto. Por isso, as questões da política e da sociedade galega me interessam tanto. Ainda, este último fim-de-semana, quando me deliciava com a gastronomia do Lagar nas Eiras, no Rosal tão perto da minha mirada, uma pintura-cartaz do Zeca Afonso me dava conta de quanto a mensagem libertadora da música do Zeca é apreciada na Galiza mais progressista.

Já aqui dei conta que as últimas municipais em Espanha varreram a Galiza de lés-a-lés: (i) o PP apanhou um abanão dos fortes e foi praticamente corrido das principais cidades galegas; (ii) a onda do PSOE devolveu ao PSOE galego a expressão que vinha perdendo a uma velocidade impressionante; (iii) o Bloco Nacionalista Galego parece resistir a uma irrelevância que esteve prestes a ser consumada; (iv) as Marea marearam, enjoaram e foram também varridas do espectro da liderança autárquica, ilustrando a pulverização do ambiente PODEMOS, mas com um toque galego especial; (v) Abel Caballero em Vigo emerge claramente como uma liderança regional potencial, tamanha foi a derrota e distância imposta ao PP.

O resiliente Professor Xosé Manuel Beiras teria como qualquer outra boa alma galega de sofrer este impacto. Afinal, ele tinha entregue os seus 80 anos avançados a uma convergência de esquerda na Galiza, animando-a, foi envolvido na sua pulverização e nem a sua aposta municipal na Marea de Santiago de Compostela, apoiando o então presidente e candidato à reeleição Martiño Noriega e depreciando o candidato do PSOE Sánchez Bugallo, ficou ilesa do tumulto. Pois seguindo a regra, Noriega afundou-se no enjoo da Marea e o desvalorizado Bugallo liderará o município. E pelos vistos o velho Professor e líder sedutor da política galega não tem bom perder e afundou-se nos seus comentários verrinosos e reativos. Nada mais, nada menos, o letrado Professor veio a público desenterrar interpretações linguísticas sobre a designação de Compostela. À tradicional interpretação de que Compostela significa campo de estrelas, o velho Beiras saiu-se com esta: depósito de restos humanos em decomposição. É talvez a mais amarga reação aos resultados do 26 de maio. Talvez o velho Beiras quisesse associar-se à decomposição por ele referida.

Mas indo ao encontro da minha convicção de que a política galega vale a pena ser seguida com atenção, o irrascível e truculento Professor de Ciência Política da Universidade de Santiago de Compostela, Xosé Luís Barreiro Rivas, publica hoje na Voz de Galicia uma crónica metafórica sobre a situação política espanhola (link aqui). A metáfora é de natureza láctea e não é de constelações de estrelas que se trata. Segundo Barreiro Rivas, há duas formas de caracterização das sociedades do ponto de vista político: a que as equipara ao leite, um excelente alimento mas que se degrada e azeda com facilidade e a do queijo (entendido como comunidade fermentada e consolidada para a ação política). Segundo o controverso analista, a sociedade política espanhola dá mostras de já não ter a solidez de um “manchego” que resiste ao tempo e caminhar perigosamente para a de um queijo com riscos sérios de degradação, próximo da metáfora do leite. Daí que o cronista conclua que (em castelhano, pois tem mais força): “Y los que gustamos del buen queso tendremos que sobrevivir comiendo nuestra paciencia”.

Não quero contrariar o cronista, mas na Galiza não manda o manchego, caro Professor. Para mim, o queijo que me delicia, com compota de abóbora ou mel, é o Cebreiro, alimento de peregrinos, e esse, como é fino e fresco, embora espesso, não se presta muito à metáfora. Talvez os tempos políticos não estejam para tempos tão espessos e duradouros como os do manchego.

Complemento (31.05.2019 - 09.45)

Um amigo galego, o Professor Luís Dominguez, diretor do Centro Jean Monnet da Universidade de Vigo, discorda da minha interpretação acerca do potencial de liderança regional do vitorioso Abel Caballero. A sua tentativa no passado de ascender a essa liderança regional saiu gorada e isso seria argumento suficiente para o demover, agora que tudo indica irá assumir a Presidência dos autarcas espanhóis. O meu ponto é que não vejo nos ambientes do PSOE galego nenhuma personalidade com peso para desalojar o PP de Feijóo da Xunta da Galicia. E as alianças entre o PSOE (PSG) galego e o Bloco Nacionalista também não parecem capaz de gerar uma nova liderança. E não creio que o Professor Fernando Laxe, ex-presidente da Xunta, queira hoje assumir essa batalha.

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