(Já perdi a conta aos livros de Lídia Jorge que devorei.
Ainda hoje, por vezes, me detenho nas estantes de Seixas para relembrar alguma
passagem ou alguma personagem. Gosto sobretudo de O Vento Assobiando nas Gruas.
Estou com curiosidade de compreender a sua incursão recente pela poesia. Enquanto isso, fico-me pelas suas crónicas na
Antena 2.
Quem está habituado a deixar-se envolver pela sintaxe e tratamento das
personagens mais profundas e enigmáticas de Lídia Jorge não entra facilmente nas
crónicas “Em Todos os Sentidos” que a escritora apresenta às terças-feiras na
Antena 2, antes da hora do almoço, entre as 12.30 e as 13.00. Só tardiamente as
descobri, mas tenho-me deliciado com algumas pérolas. A voz de Lídia Jorge não é
estridente, está bem na linha da calma que se respira da programação daquela
estação, qualquer que seja a hora do dia. E as crónicas são sempre de uma
clareza cristalina, com uma duração, regra geral, de 9 a 10 minutos. Sem os
alardes costumeiros de alguns dos intelectuais da nossa praça, Lídia Jorge vai
desfiando uma série de relatos, impressões e emoções pelo contacto com outros
intelectuais, amigos de longa data, editores, outras personagens.
A crónica de hoje (link aqui) é uma bela tentativa de, partindo da natureza contraditória
da Europa, que é capaz do melhor das realizações coletivas e humanas e se deixa
também por vezes apanhar nas tentações da história que conduzem aos conflitos fraturantes
e violentos, denunciar a incompreensão face aos que teimam em afirmar que a Europa
é uma abstração. Em palavras singelas, desenvolvendo o tema do patriotismo do
lugar, do local ou da nação, a escritora manifesta a sua estranheza e deceção
pelos que não compreendem que podemos sentir como nossos aquilo que assumimos
espontaneamente, sem necessidade de decidirmos a todo o momento se somos ou não
Europeus. As sinfonias, as catedrais, a democracia, a convivialidade das
cidades, o modelo social mais inclusivo, as praças (acrescento eu), o estatuto social
da mulher, a liberdade de dirigirmos as nossas preces ao Deus que entendemos
ser o nosso ou de não ter nenhum Deus são tão nossas quanto o nosso café de bairro,
as nossas livrarias que ainda existem, os nossos símbolos culturais. A Europa não
é uma abstração e quanto mais estivermos conscientes da sua dualidade histórica
melhor compreenderemos que ela não é uma abstração.
Em tempo de eleições europeias e quando todo o bicho careta da política invoca
a contragosto a Europa para amenizar a caricatura de uma campanha que, na prática,
oportunisticamente a ignora (com poucas exceções como o Rui Tavares que gostaria
de o ver alcançar uma outra expressão eleitoral), a Europa de Lídia Jorge é a
minha Europa.
Em dez minutos de uma prosa cuidada, expressiva, culta e dedicada, o serviço
público de rádio fez hoje mais pelo espírito Europeu do que uma caterva de aves
canoras que se travestem de oradores e de pretensos cúmplices do cidadão
eleitor.
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