(Depois de tanta ideia publicada sobre o último episódio
da Guerra dos Tronos é praticamente impossível encontrar uma abordagem original
para concretizar o ponto final, ou melhor provisoriamente final, porque
George.R.R. Martin ainda não acabou de publicar a sua saga. Pela minha parte, já um pouco perdido nas
sucessivas tramas do poder, fico-me por um registo afetuoso: mesmo que
desterrado, pour cause, Jon Snow –
Aegon Targaryen, reencontra o seu Ghost. O equilíbrio das coisas está
restabelecido.
Havia uma excitação no ar. Existiam mesmo casas de apostas sobre o desfecho
da Guerra dos Tronos. Aliás, a produção não brinca em serviço e, apesar do erro
incrível da embalagem de Starbucks num dos episódios desta última série, o segredo
do último episódio foi guardado com as chaves da sabedoria.
Nunca fui ágil e avisado em apostas e também não foi desta. Impressionado
com o vaticínio da feiticeira e sedutora Melissandra, ainda imaginei que o
futuro de Arya Stark, sobretudo depois de ter emergido das cinzas da devastação
total de Port Royal, passaria pela governação do Trono de Ferro. Mas se
invocarmos outros sinais e mensagens, o espírito de risco e descoberta que se
desprendia daqueles olhos profundos não apontava, vendo bem, para o estatismo
de um trono, por mais impressionante que ele fosse. Apontava, de facto, para o
aprofundamento desse sentimento de descoberta noutros mundos e paragens e esse
é o destino de Arya. Não esqueçamos que Arya rejeita o pedido de casamento após
a sua iniciação sexual com um desconcertante: “I’m not a Lady”. E, quem sabe, talvez esteja aqui a génese de uma
nova saga, tamanha é a força que se desprende desta personagem, agradecida
eternamente que ficou pela proteção de Sandor O Cão, desaparecido no penúltimo
episódio na vertigem dos escombros do fogo, arrastando consigo o seu irmão, o
não humano Montanha.
Não sei se consigo interpretar na sua plenitude o desfecho da trama com a
decisão de atribuir a chefia dos 7 Reinos a Bran Stark. Lucas Nascimento, no
Observatório do Cinema (ver link aqui) tem uma interpretação de que essa
escolha, coadjuvada por gente sábia como Davos, Sam, Lady de Brienne e o
próprio Tyrion, o Anão, que ascende a Mão do futuro Rei, é a mais afortunada
tendo em conta o quadro de incerteza que Westeros enfrenta no momento da
decisão. Afinal, Bran é um personagem estranho, inofensivo e infinitamente
limitado do ponto de vista físico, mas com um poder de perscrutação simultânea
do passado, presente e futuro, o que representa uma espécie de inteligência
artificial alargada ao poder. Mas como Tyrion, o Anão Lannister e último
sobrevivente da família, ascende ao estatuto de Mão do Rei, embora mais como
condenação do que como prémio. Mas há aqui também uma regularidade em toda a
série que é a relevância dos aleijados e deficientes, como uma metáfora dos
tempos terríveis que nos esperam a nós, humanos. Mas é de Tyrion que vem a
afirmação mais profunda: o que une afinal as pessoas e abre a porta ao poder
consentido: uma boa história. E só isto dá para pensarmos umas boas semanas.
Nestes fenómenos globais da cultura pop,
toda a gente que se deixa submergir pela série, se identificou com uma
personagem. Não fugi à regra. O personagem do qual me considerava mais próximo
era o de Jon Snow – Aegon Targaryen, sobretudo pelas constantes interrogações
existenciais que o atormentam ao longo da série, desde os tempos de membro da
Patrulha da Noite. Jon, o eterno exilado. Mas também pela sua continuada
necessidade de estabelecimento de pontes entre as forças mais opostas e
conflituantes. Pois, na sequência dessa trajetória de constante interrogação, o
penúltimo episódio mostrou algumas imagens de Jon existencialmente incomodado
com a brutal carnificina que a conquista de Port Royal representou e com a
crueldade desnecessária da sua Rainha, amante e tia. Essas imagens simbolizaram
na minha interpretação de que esse conflito se iria extremar face à necessidade
de optar entre a sua reiterada obediência à Mãe dos Dragões, Daenerys
Targeryen, Rainha a quem prestou obediência e a avaliação de que modelo de
governação os 7 Reinos deveriam beneficiar.
O discurso de Daenerys às suas tropas é aterrador do ponto de vista do que
o terror do poder absoluto simboliza. Perante essa evidência, Tyrion o Anão
quebra a sua fidelidade à Rainha e assume as consequências sendo encarcerado.
Convencido pelo anão Tyrion de que os
caminhos futuros de Westeros não estariam bem assegurados pela onda de
destruição que a Khaleesi poderia personificar, é em pleno beijo da sua amante
e Rainha que Jon desfere o golpe que matará Daenerys. A morte desta leva, num
ato extremamente simbólico da Guerra dos Tronos, o último dos Dragões,
dilacerado pela evidência da morte, a destruir o Trono de Ferro e a desaparecer
com a sua Mãe no infinito, para longe de Westeros. Pode perguntar-se, por que
razão Drogon poupa Jon, talvez seja uma inconsistência do argumento, mas se
formos por aí essas inconsistências serão muitas. Mas a obra tem material para
uma explicação possível: afinal, Jon é um Targaryen e os dragões reconhecem
essa origem. Aliás, na cena imediatamente anterior ao encontro final de Jon com
Daenerys, vemos uma das cenas mais belas e intrigantes deste episódio, quando o
dragão Drogon emerge da neve, olha Snow e regressa a um sono retemperador, pois
isto de gerar fogo a partir de dentro cansa.
Pelo facto de ter morto Daenerys, Jon é condenado a uma espécie de exílio
por terras do gelo profundo, sem direito a terras e a ter filhos, onde
reencontra os gigantes do Norte, Tormund claro, um dos personagens mais
curiosos desta saga, e finalmente reaparece Ghost o seu amigo fiel. A despedida
em Winterfell tinha sido demasiado fria, agora é afetuosa e o equilíbrio das
coisas restabelece-se. Pela minha parte, poderia ter acabado ali.
Já não tenho grande pachorra para as críticas feministas a que os argumentistas
e produtores da Guerra dos Tronos têm sido submetidos, pelo desaparecimento de
algumas das personagens femininas mais marcantes, agravado pelo fim trágico de
Daenerys e sobretudo pela aparente inflexão de caráter observada nos últimos
episódios. Mas personagens com a força de Sanda e Arya Stark, Lady de Brienne e
até Yara Greyjoy (reunida ao conselho de sábios de uma longa ausência em lutas
próprias) persistem até ao fim. Pode dizer-se que afastadas do poder, mas Sansa
retoma a liderança do poder autónomo do Norte, sendo aí coroada Rainha e Arya
segue o seu destino de permanente descoberta, partindo para o desconhecido,
para lá de onde os mapas acabam. Alguns analistas viram aqui uma espécie de
Arya, Cristovão Colombo feminina, mas também poderia dizer-se que a metáfora
serve aos Portugueses.
Pois acabou e fica a minha curiosidade sobre quanto tempo iremos esperar para
ver publicada a obra escrita de George R.R. Martin. Mas também pode acontecer
que uma outra obra global da cultura pop como a Guerra dos Tronos esteja na
forja. O problema é que a fasquia está muito alta, apesar de todas as
inconsistências e rebeliões dos espectadores fiéis.
Cá por mim, não me faltam leituras para preencher o agora buraco das
segundas-feiras à noite.
Nota final: tenho lido muita coisa sobre a Guerra dos Tronos, mas os
artigos de Joana Amaral Cardoso no Público nivelam bem com o que li de melhor
na imprensa internacional e as suas referências de outras fontes bibliográficas
são de um raro rigor.
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