segunda-feira, 20 de maio de 2019

E O GHOST SEMPRE VOLTOU!



(Depois de tanta ideia publicada sobre o último episódio da Guerra dos Tronos é praticamente impossível encontrar uma abordagem original para concretizar o ponto final, ou melhor provisoriamente final, porque George.R.R. Martin ainda não acabou de publicar a sua saga. Pela minha parte, já um pouco perdido nas sucessivas tramas do poder, fico-me por um registo afetuoso: mesmo que desterrado, pour cause, Jon Snow – Aegon Targaryen, reencontra o seu Ghost. O equilíbrio das coisas está restabelecido.

Havia uma excitação no ar. Existiam mesmo casas de apostas sobre o desfecho da Guerra dos Tronos. Aliás, a produção não brinca em serviço e, apesar do erro incrível da embalagem de Starbucks num dos episódios desta última série, o segredo do último episódio foi guardado com as chaves da sabedoria.

Nunca fui ágil e avisado em apostas e também não foi desta. Impressionado com o vaticínio da feiticeira e sedutora Melissandra, ainda imaginei que o futuro de Arya Stark, sobretudo depois de ter emergido das cinzas da devastação total de Port Royal, passaria pela governação do Trono de Ferro. Mas se invocarmos outros sinais e mensagens, o espírito de risco e descoberta que se desprendia daqueles olhos profundos não apontava, vendo bem, para o estatismo de um trono, por mais impressionante que ele fosse. Apontava, de facto, para o aprofundamento desse sentimento de descoberta noutros mundos e paragens e esse é o destino de Arya. Não esqueçamos que Arya rejeita o pedido de casamento após a sua iniciação sexual com um desconcertante: “I’m not a Lady”. E, quem sabe, talvez esteja aqui a génese de uma nova saga, tamanha é a força que se desprende desta personagem, agradecida eternamente que ficou pela proteção de Sandor O Cão, desaparecido no penúltimo episódio na vertigem dos escombros do fogo, arrastando consigo o seu irmão, o não humano Montanha.

Não sei se consigo interpretar na sua plenitude o desfecho da trama com a decisão de atribuir a chefia dos 7 Reinos a Bran Stark. Lucas Nascimento, no Observatório do Cinema (ver link aqui) tem uma interpretação de que essa escolha, coadjuvada por gente sábia como Davos, Sam, Lady de Brienne e o próprio Tyrion, o Anão, que ascende a Mão do futuro Rei, é a mais afortunada tendo em conta o quadro de incerteza que Westeros enfrenta no momento da decisão. Afinal, Bran é um personagem estranho, inofensivo e infinitamente limitado do ponto de vista físico, mas com um poder de perscrutação simultânea do passado, presente e futuro, o que representa uma espécie de inteligência artificial alargada ao poder. Mas como Tyrion, o Anão Lannister e último sobrevivente da família, ascende ao estatuto de Mão do Rei, embora mais como condenação do que como prémio. Mas há aqui também uma regularidade em toda a série que é a relevância dos aleijados e deficientes, como uma metáfora dos tempos terríveis que nos esperam a nós, humanos. Mas é de Tyrion que vem a afirmação mais profunda: o que une afinal as pessoas e abre a porta ao poder consentido: uma boa história. E só isto dá para pensarmos umas boas semanas.

Nestes fenómenos globais da cultura pop, toda a gente que se deixa submergir pela série, se identificou com uma personagem. Não fugi à regra. O personagem do qual me considerava mais próximo era o de Jon Snow – Aegon Targaryen, sobretudo pelas constantes interrogações existenciais que o atormentam ao longo da série, desde os tempos de membro da Patrulha da Noite. Jon, o eterno exilado. Mas também pela sua continuada necessidade de estabelecimento de pontes entre as forças mais opostas e conflituantes. Pois, na sequência dessa trajetória de constante interrogação, o penúltimo episódio mostrou algumas imagens de Jon existencialmente incomodado com a brutal carnificina que a conquista de Port Royal representou e com a crueldade desnecessária da sua Rainha, amante e tia. Essas imagens simbolizaram na minha interpretação de que esse conflito se iria extremar face à necessidade de optar entre a sua reiterada obediência à Mãe dos Dragões, Daenerys Targeryen, Rainha a quem prestou obediência e a avaliação de que modelo de governação os 7 Reinos deveriam beneficiar.

O discurso de Daenerys às suas tropas é aterrador do ponto de vista do que o terror do poder absoluto simboliza. Perante essa evidência, Tyrion o Anão quebra a sua fidelidade à Rainha e assume as consequências sendo encarcerado.

Convencido pelo anão Tyrion de que os caminhos futuros de Westeros não estariam bem assegurados pela onda de destruição que a Khaleesi poderia personificar, é em pleno beijo da sua amante e Rainha que Jon desfere o golpe que matará Daenerys. A morte desta leva, num ato extremamente simbólico da Guerra dos Tronos, o último dos Dragões, dilacerado pela evidência da morte, a destruir o Trono de Ferro e a desaparecer com a sua Mãe no infinito, para longe de Westeros. Pode perguntar-se, por que razão Drogon poupa Jon, talvez seja uma inconsistência do argumento, mas se formos por aí essas inconsistências serão muitas. Mas a obra tem material para uma explicação possível: afinal, Jon é um Targaryen e os dragões reconhecem essa origem. Aliás, na cena imediatamente anterior ao encontro final de Jon com Daenerys, vemos uma das cenas mais belas e intrigantes deste episódio, quando o dragão Drogon emerge da neve, olha Snow e regressa a um sono retemperador, pois isto de gerar fogo a partir de dentro cansa.

Pelo facto de ter morto Daenerys, Jon é condenado a uma espécie de exílio por terras do gelo profundo, sem direito a terras e a ter filhos, onde reencontra os gigantes do Norte, Tormund claro, um dos personagens mais curiosos desta saga, e finalmente reaparece Ghost o seu amigo fiel. A despedida em Winterfell tinha sido demasiado fria, agora é afetuosa e o equilíbrio das coisas restabelece-se. Pela minha parte, poderia ter acabado ali.

Já não tenho grande pachorra para as críticas feministas a que os argumentistas e produtores da Guerra dos Tronos têm sido submetidos, pelo desaparecimento de algumas das personagens femininas mais marcantes, agravado pelo fim trágico de Daenerys e sobretudo pela aparente inflexão de caráter observada nos últimos episódios. Mas personagens com a força de Sanda e Arya Stark, Lady de Brienne e até Yara Greyjoy (reunida ao conselho de sábios de uma longa ausência em lutas próprias) persistem até ao fim. Pode dizer-se que afastadas do poder, mas Sansa retoma a liderança do poder autónomo do Norte, sendo aí coroada Rainha e Arya segue o seu destino de permanente descoberta, partindo para o desconhecido, para lá de onde os mapas acabam. Alguns analistas viram aqui uma espécie de Arya, Cristovão Colombo feminina, mas também poderia dizer-se que a metáfora serve aos Portugueses.

Pois acabou e fica a minha curiosidade sobre quanto tempo iremos esperar para ver publicada a obra escrita de George R.R. Martin. Mas também pode acontecer que uma outra obra global da cultura pop como a Guerra dos Tronos esteja na forja. O problema é que a fasquia está muito alta, apesar de todas as inconsistências e rebeliões dos espectadores fiéis.


Cá por mim, não me faltam leituras para preencher o agora buraco das segundas-feiras à noite.

Nota final: tenho lido muita coisa sobre a Guerra dos Tronos, mas os artigos de Joana Amaral Cardoso no Público nivelam bem com o que li de melhor na imprensa internacional e as suas referências de outras fontes bibliográficas são de um raro rigor.

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