quinta-feira, 23 de maio de 2019

PODER DE MERCADO



(Entre as tendências que atravessam a economia mundial e que mais têm suscitado o debate entre os economistas integrados na evolução de longo prazo das economias, a robotização e os seus efeitos sobre o emprego e o estranho puzzle do fraco crescimento da produtividade destacam-se claramente. Porém, só mais recentemente uma outra tendência tem emergido na centralidade do debate. E até o World Economic Outlook 2019 do FMI lhe dedica um capítulo.

É tempo de regressar aos temas económicos neste blogue.

Estamos num tempo em que cada vez mais é necessário separar bem a nossa perceção da dinâmica das economias no curto prazo das tendências que condicionam o seu crescimento no longo prazo. Trump vai certamente exacerbar a atenção sobre a primeira daquelas dimensões porque lhe é favorável. A economia americana vive um período de crescimento muito aceitável e a taxa de desemprego oscila praticamente em função de um valor incompressível. Trump tem manifesto interesse em destacar estas dimensões porque elas mascaram o impacto negativo das guerras comerciais que precipitadamente tem acionado e o efeito da descida dos impostos sobre os mais ricos já praticamente se esgotou.

Mas há economistas que não abdicam e bem de compreender as economias do ponto de vista do tempo longo, reavivando a sua componente estrutural. Nesse âmbito, duas dimensões têm ocupado a centralidade do debate: a robotização e os seus efeitos sobre o emprego e o estranho puzzle das razões pelas quais, em ambiente de progresso tecnológico intenso, a produtividade do trabalho teima em crescer anemicamente. Embora obviamente relevantes, estes temas não podem fazer esquecer outros sem os quais a compreensão da encruzilhada em que a economia mundial e as economias mais maduras se encontram fica truncada.

Um desses fatores que passou por um certo esquecimento ou ocultamento é a evidência de que o poder de mercado de algumas empresas tem crescido para além dos limites do tolerável numa economia de mercado que se quer regulado. Esse poder de mercado torna obsoletos todos os manuais e análises que teimam em relegar a concorrência monopolista, os oligopólios e os monopólios para os últimos capítulos em que geralmente a docência dos cursos de economia nunca chega ou quando chega é para percorrer apressadamente como se fossem situações anómalas ou excêntricas. Mas as consequências de esconder esses materiais para baixo da carpete como de lixo se tratasse são nefastas em termos de compreensão do mundo económico contemporâneo. Alias, por essa via ficam por explicar factos estilizados dos nossos tempos como a queda persistente da quota do trabalho no produto (rendimento). O mundo da determinação dos preços como se todas as empresas fossem irrelevantes do ponto de vista da oferta de produtos e da procura de trabalho é um mundo irreal, que relega para o plano da simples curiosidade a compreensão de variáveis como são os preços de mark-up (com fixação de uma margem) e o poder de mercado das empresas e suas consequências na fixação dos preços e da taxa de salário.

A importância do tema é tal que o World Economic Outlook 2019 do FMI (link aqui) lhe dedica um capítulo, mais propriamente o segundo.
(World Economic Outlook, 2019)

A figura acima anuncia-nos uma economia global dual e desequilibrada. A evolução das margens nos 10% de empresas mais ricas contrasta clarissimamente com a evolução das mesmas margens nas restantes empresas. E a figura abaixo mostra que esse é um essencialmente um problema das economias avançadas e não das emergentes.
(World Economic Outlook, 2019)

As razões para este desconchavo de poder económico estão essencialmente na desregulamentação que precedeu a crise financeira e provavelmente já não erá apenas o regresso das políticas anti-trust, à moda antiga, que poderão resolver o problema. Neste contexto, resolver o problema da Europa como o pretendem Macron e Merkel com base no reforço da concentração empresarial e no favorecimento de determinadas empresas do eixo franco-alemão é atirar combustível para o fogo. Poderemos dar muitas voltas ao quarteirão, mas a tributação com taxas que se vejam e não provoquem apenas cócegas na rendibilidade empresarial parece incontornável. Até lá teremos de apoiar a Comissária Margrethe Vestager. E entre um Webber de fraca reputação e a Comissária para Presidente da Comissão Europeia a escolha parece óbvia.

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