sábado, 18 de maio de 2019

BEING “SMART” AND OLD IN ALGARVE



(A Ryanair cumpriu o seu lema de pontualidade, lá tive de aguentar a irritante corneta a chegar a Faro à hora apesar do ligeiro atraso na partida, mas o entusiasmo de uma jovem prole de pequenos estudantes (nativos do Norte porque regressaram no avião da noite e o sotaque não enganava) atenuou com os seus gritos estridentes o impacto do avião na pista. A discussão sobre as estratégias de especialização inteligente valeu bem a viagem, estou grato aos seus organizadores, o aeroporto de Faro está ainda fervilhante neste fim de tarde e os netos esperam-me.

Os leitores deste blogue já se aperceberam que acredito vivamente na convergência natural das coisas. As encruzilhadas da vida resolveram-se, tenho agora perceção disso, sem grandes e complexos processos de tomada de decisão individual. Há duas interpretações possíveis, não sei se combinadas, para esta evidência: (i) a vida tem sido lisonjeira e afetuosa; (ii) não sou muito eloquente em processos de tomada de decisão individual. Talvez a primeira pese mais do que a segunda, mas teria de fazer uma ampla introspeção e não tenho tempo para isso.

Porquê esta introdução? Hoje, na viagem de Faro para o Porto procurava no IPAD pôr em dia as minhas leituras da NEW YORKER e aleatoriamente dei com esta fabulosa introdução a um artigo de Adam Gopnik, “Younger longer”(link aqui):

O envelhecimento, tal como a bancarrota na descrição de Hemingway, acontece de duas maneiras, lentamente e depois de uma só vez. A via lenta é a mais familiar: as décadas passam com uma ligeira noção da mudança interna, a meia-idade chega apenas com uma ligeira desaceleração – um nome que se perde, uma dor lombar, o despontar das brancas no cabelo e as rugas. A via rápida acontece através de uma série de solavancos: a visão falta-nos, a audição fica comprometida, uma mão trémula aparece, uma anca cede – um murmúrio são e caloroso do médico num check-up anual, ‘Há aqui alguns sinais que me preocupam’”.

O artigo centra-se na fabulosa atividade do AgeLab no Massachussets Institute of Technology (MIT) em Cambridge – Boston e desenvolve um tema que nos provoca: como é possível que se faça tão pouco para estrategicamente enfrentar um terço das nossas vidas?

Por isso, o dia de hoje estava destinado a discutir conhecimento no âmbito das chamadas estratégias de especialização inteligente (agora designadas de S3 – Smart, Specialisation, Strategies) como antecâmara dos meus 70 anos.

E valeu a pena porque, com as suas fragilidades e vulnerabilidades institucionais, o que se vai fazendo nas RIS 3 em Portugal vale a pena ser tido em conta, porque há gente empenhada e dedicada nas 7 regiões (as cinco NUTS II do Continente e as duas regiões autónomas). E a Agência Nacional de Inovação parece querer recuperar tempo e terreno perdido na coordenação das sete S3. Creio que um dos inspiradores do conceito de especialização inteligente, Dominique Foray (Universidade de Lausanne), presente no seminário e na reunião anterior de quinta-feira (organizada em modalidade de World Café) cuja síntese foi hoje apresentada pelo infatigável e consistente António Ramos da CCDR Algarve, reuniu material precioso para fazer descer o conceito da estratosfera europeia ao terreno concreto das regiões menos desenvolvidas. Percebe-se que a abordagem RIS 3 (ou S3) veio para ficar e espero que desta vez a perceção política da sua importância seja em Portugal mais aguda do que o foi no início da programação 2014-2020, do Ministério da Ciência aos do Planeamento e da Economia. A Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional Maria do Céu Albuquerque (MCA), ex-Presidente da Câmara Municipal de Abrantes, esteve presente o que pode representar uma maior atenção política a esta abordagem. A Secretária de Estado acabou por referir que a inovação tem também ela de estar ao serviço da felicidade das pessoas, o que me fez pensar numa espécie de RIS 3 para a felicidade. Mas convinha não perder de vista que, na sua raiz, a inovação é divergência e que as empresas a desenvolvem para melhorar rendibilidades e remuneração do capital.

Das intervenções da Comissão Europeia e do próprio Dominique Foray percebe-se que a abordagem veio para ficar mas que está em afinamento de perspetivas, orientando sobretudo as RIS 3 para estratégias de transformação estrutural das economias e das regiões. E pareceu-me que há caminho para compreender que essa transformação exige uma estratégia de transição, ou seja, que tem de se preocupar como partir do que existe.

O  Professor Manuel Laranja do ISEG e com muito trabalho desenvolvido nestas questões trouxe uma abordagem que sinalizámos na avaliação em curso sobre a implementação das RIS 3, a necessidade de reinventar a promoção do empreendedorismo para operacionalizar e dar vida ao conceito menos trabalhado da abordagem RIS 3, o de processos ou espaços de descoberta empreendedora. O que ressaltou da intervenção do Manuel Laranja é a densificação necessária e alongamento no tempo dos processos de promoção do empreendedorismo em ambiente de descoberta empreendedora. O que me pareceu uma malha excelente quando a nossa avaliação conclui que não são claras as vias de articulação entre os apoios ao empreendedorismo e as RIS 3 nas regiões, talvez com a exceção da Madeira em que existe um programa específico de atração internacional de start-up’s induzido pela RIS 3 da região autónoma.

As experiências internacionais de Euskadi (País Basco), Navarra e Nouvelle Aquitaine e a própria experiência italiana de coordenação de 21 RIS 3 regionais transportam-nos para outros mundos, bem mais ousados do que o nosso. Mas neste caso o que se vai fazendo por cá nesta matéria, à nossa escala de recursos, não nos envergonha.

Na viagem de regresso, novamente com o avião cheiinho como um ovo, e não apenas com fluxos de turismo, o que mostra que há uma relação Porto-Algarve que desconhecemos nos seus contornos mais finos, acabei de ler o artigo de Adam Gopnik na New Yorker, uma leitura indispensável para os 70.

Deixo-vos com dois excertos:

O envelhecimento não tem ponto, é a ausência enfurecida de um ponto. Tendo-nos reproduzido externamente, falhamos na replicação interna de nós próprios. Os processos de replicação celular que permitem que sejamos barcos reconstruídos mesmo que cruzem oceanos e deixem de funcionar eficientemente, porque não têm nenhuma retribuição em matéria de evolução por atuar eficientemente. São como programas de computadores de fraca qualidade em negócios tecnológicos falhados: podem perturbar tudo esquecendo-se de codificar a cor do nosso cabelo ou a elasticidade da nossa pele e nenhuma penalização é estabelecida para essa falha. Já fizemos todas as crianças que iríamos fazer. (…) A seleção natural já não se preocupa com nada”.

“A verdadeira condição da juventude é a capacidade física para nos esquecermos de nós próprios. Um amigo que ainda é criativo nos seus oitenta anos sublinha o que ele designa de um caráter geriátrico possessivo; as pessoas depois dos oitenta, diz ele, costumam dizer, “Vou tomar o meu banho”, “vou dar o meu passeio. O contraponto pediátrico possessivo é dado pelas fórmulas “vais tomar o teu banho”, “está na hora da tua sesta”. Só nas idades intermédias temos segurança bastante para enumerar ações que existem individualmente fora desse universo possessivo:  “Vou tomar banho”, “vou fazer uma sesta”. Um banho e uma sesta existem, brevemente, no exterior da posse das mesmas – estão ali disponíveis para serem usufruídas, supomos nós, e sempre o estarão”.

Vou dar um cochilo enquanto espero pelos meus netos vindos de Lisboa.

1 comentário:

  1. Muitos parabéns e obrigado pela sua presença e pela magnífica intervenção.

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