(A Ryanair cumpriu o seu lema de pontualidade, lá tive de
aguentar a irritante corneta a chegar a Faro à hora apesar do ligeiro atraso na
partida, mas o entusiasmo de uma jovem prole de pequenos estudantes (nativos do
Norte porque regressaram no avião da noite e o sotaque não enganava) atenuou
com os seus gritos estridentes o impacto do avião na pista. A discussão sobre as estratégias de
especialização inteligente valeu bem a viagem, estou grato aos seus
organizadores, o aeroporto de Faro está ainda fervilhante neste fim de tarde e
os netos esperam-me.
Os leitores deste blogue já se aperceberam
que acredito vivamente na convergência natural das coisas. As encruzilhadas da
vida resolveram-se, tenho agora perceção disso, sem grandes e complexos
processos de tomada de decisão individual. Há duas interpretações possíveis,
não sei se combinadas, para esta evidência: (i) a vida tem sido lisonjeira e
afetuosa; (ii) não sou muito eloquente em processos de tomada de decisão
individual. Talvez a primeira pese mais do que a segunda, mas teria de fazer
uma ampla introspeção e não tenho tempo para isso.
Porquê esta introdução? Hoje, na viagem de Faro para o Porto procurava no
IPAD pôr em dia as minhas leituras da NEW YORKER e aleatoriamente dei com esta
fabulosa introdução a um artigo de Adam Gopnik, “Younger longer”(link aqui):
“O
envelhecimento, tal como a bancarrota na descrição de Hemingway, acontece de
duas maneiras, lentamente e depois de uma só vez. A via lenta é a mais
familiar: as décadas passam com uma ligeira noção da mudança interna, a
meia-idade chega apenas com uma ligeira desaceleração – um nome que se perde,
uma dor lombar, o despontar das brancas no cabelo e as rugas. A via rápida
acontece através de uma série de solavancos: a visão falta-nos, a audição fica
comprometida, uma mão trémula aparece, uma anca cede – um murmúrio são e
caloroso do médico num check-up anual, ‘Há aqui alguns sinais que me preocupam’”.
O artigo centra-se na fabulosa atividade do AgeLab no Massachussets
Institute of Technology (MIT) em Cambridge – Boston e desenvolve um tema que nos
provoca: como é possível que se faça tão pouco para estrategicamente enfrentar
um terço das nossas vidas?
Por isso, o dia de hoje estava destinado a discutir conhecimento no âmbito
das chamadas estratégias de especialização inteligente (agora designadas de S3 –
Smart, Specialisation, Strategies) como antecâmara dos meus 70 anos.
E valeu a pena porque, com as suas fragilidades e vulnerabilidades
institucionais, o que se vai fazendo nas RIS 3 em Portugal vale a pena ser tido
em conta, porque há gente empenhada e dedicada nas 7 regiões (as cinco NUTS II
do Continente e as duas regiões autónomas). E a Agência Nacional de Inovação
parece querer recuperar tempo e terreno perdido na coordenação das sete S3. Creio
que um dos inspiradores do conceito de especialização inteligente, Dominique
Foray (Universidade de Lausanne), presente no seminário e na reunião anterior
de quinta-feira (organizada em modalidade de World Café) cuja síntese foi hoje
apresentada pelo infatigável e consistente António Ramos da CCDR Algarve,
reuniu material precioso para fazer descer o conceito da estratosfera europeia ao
terreno concreto das regiões menos desenvolvidas. Percebe-se que a abordagem
RIS 3 (ou S3) veio para ficar e espero que desta vez a perceção política da sua
importância seja em Portugal mais aguda do que o foi no início da programação
2014-2020, do Ministério da Ciência aos do Planeamento e da Economia. A Secretária
de Estado do Desenvolvimento Regional Maria do Céu Albuquerque (MCA),
ex-Presidente da Câmara Municipal de Abrantes, esteve presente o que pode
representar uma maior atenção política a esta abordagem. A Secretária de Estado
acabou por referir que a inovação tem também ela de estar ao serviço da
felicidade das pessoas, o que me fez pensar numa espécie de RIS 3 para a
felicidade. Mas convinha não perder de vista que, na sua raiz, a inovação é
divergência e que as empresas a desenvolvem para melhorar rendibilidades e
remuneração do capital.
Das intervenções da Comissão Europeia e do próprio Dominique Foray percebe-se
que a abordagem veio para ficar mas que está em afinamento de perspetivas,
orientando sobretudo as RIS 3 para estratégias de transformação estrutural das
economias e das regiões. E pareceu-me que há caminho para compreender que essa
transformação exige uma estratégia de transição, ou seja, que tem de se preocupar
como partir do que existe.
O Professor Manuel Laranja do ISEG e
com muito trabalho desenvolvido nestas questões trouxe uma abordagem que
sinalizámos na avaliação em curso sobre a implementação das RIS 3, a
necessidade de reinventar a promoção do empreendedorismo para operacionalizar e
dar vida ao conceito menos trabalhado da abordagem RIS 3, o de processos ou
espaços de descoberta empreendedora. O que ressaltou da intervenção do Manuel
Laranja é a densificação necessária e alongamento no tempo dos processos de
promoção do empreendedorismo em ambiente de descoberta empreendedora. O que me
pareceu uma malha excelente quando a nossa avaliação conclui que não são claras
as vias de articulação entre os apoios ao empreendedorismo e as RIS 3 nas regiões,
talvez com a exceção da Madeira em que existe um programa específico de atração
internacional de start-up’s induzido pela RIS 3 da região autónoma.
As experiências internacionais de Euskadi (País Basco), Navarra e Nouvelle Aquitaine
e a própria experiência italiana de coordenação de 21 RIS 3 regionais
transportam-nos para outros mundos, bem mais ousados do que o nosso. Mas neste
caso o que se vai fazendo por cá nesta matéria, à nossa escala de recursos, não
nos envergonha.
Na viagem de regresso, novamente com o avião cheiinho como um ovo, e não
apenas com fluxos de turismo, o que mostra que há uma relação Porto-Algarve que
desconhecemos nos seus contornos mais finos, acabei de ler o artigo de Adam
Gopnik na New Yorker, uma leitura indispensável para os 70.
Deixo-vos com dois excertos:
“O
envelhecimento não tem ponto, é a ausência enfurecida de um ponto. Tendo-nos
reproduzido externamente, falhamos na replicação interna de nós próprios. Os
processos de replicação celular que permitem que sejamos barcos reconstruídos mesmo
que cruzem oceanos e deixem de funcionar eficientemente, porque não têm nenhuma
retribuição em matéria de evolução por atuar eficientemente. São como programas
de computadores de fraca qualidade em negócios tecnológicos falhados: podem
perturbar tudo esquecendo-se de codificar a cor do nosso cabelo ou a
elasticidade da nossa pele e nenhuma penalização é estabelecida para essa
falha. Já fizemos todas as crianças que iríamos fazer. (…) A seleção natural já
não se preocupa com nada”.
“A
verdadeira condição da juventude é a capacidade física para nos esquecermos de
nós próprios. Um amigo que ainda é criativo nos seus oitenta anos sublinha o
que ele designa de um caráter geriátrico possessivo; as pessoas depois dos
oitenta, diz ele, costumam dizer, “Vou tomar o meu banho”, “vou dar o meu
passeio. O contraponto pediátrico possessivo é dado pelas fórmulas “vais tomar
o teu banho”, “está na hora da tua sesta”. Só nas idades intermédias temos
segurança bastante para enumerar ações que existem individualmente fora desse
universo possessivo: “Vou tomar banho”, “vou
fazer uma sesta”. Um banho e uma sesta existem, brevemente, no exterior da
posse das mesmas – estão ali disponíveis para serem usufruídas, supomos nós, e sempre
o estarão”.
Vou dar um cochilo enquanto espero pelos meus netos vindos de Lisboa.
Muitos parabéns e obrigado pela sua presença e pela magnífica intervenção.
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