(O processo de alianças à esquerda do PSG, o PSOE galego,
teve nas últimas eleições municipais um grande desenvolvimento, sob a forma de
um movimento muito difuso designado de En Marea, com algumas vitórias estrondosas,
como por exemplo em Santiago de Compostela e também na Corunha. A transposição desse movimento difuso de teor
essencialmente municipal para uma lógica de âmbito mais regional tem corrido
para o torto, atingindo a personalidade política motora dessa aproximação sob a
forma de unidade popular.
A figura de Xosé Manuel Beiras sempre foi imponente e é sem dúvida um dos últimos
sedutores da política. Já lá vai muito tempo, nas minhas andanças universitárias
pela Galiza, mais propriamente pela Universidade de Santiago de Compostela, tive contacto
com o personagem numa reunião de universitários, lecionava ele na altura Economia
Política e Estrutura Económica, assumindo nos anos 80 definitivamente a Cátedra
de Estrutura Económica. A presença era avassaladora, tamanho era o fulgor que
emanava daquela personagem e do seu discurso arrebatado quando aplicava o
marxismo à interpretação de algumas dimensões da economia galega. Pela televisão
galega tive oportunidade de o ver no palco político e, hoje, com 83 anos, como
pode ser confirmado pela fotografia recente que abre este post não há dúvida de
que é um dos últimos carismáticos da política espanhola, particularmente da
galega.
A biografia política de Beiras é de uma riqueza extraordinária começando
por ser fundador na clandestinidade do PSG para depois se envolver na constituição
do Bloco Nacionalista Galego, em cuja representação teve uma presença destacada
e sempre controversa no Parlamento Galego. O que espanta na energia deste homem
é aos 80 anos o seu forte e decisivo envolvimento na constituição da tal
unidade popular do En Marea, fundando primeiro o movimento ANOVA para depois se
abalançar na aliança mais abrangente. Na Voz de Galicia de hoje (link aqui), Beiras confessa
que o estado da referida aliança não é o que ele tinha sonhado, deixando que o
seu testemunho transapareça uma desilusão que se compreende sobretudo vindo de
quem traçou um caminho tão longo. Na minha interpretação e pelo que vou ouvindo
dos meus amigos galegos, entre a espessura política, mesmo cansada e por vezes
alucinada de Beiras, e a leveza (muito levezinhas e ligeirinhas) de algumas das
personagens dos vários En Marea não há equilíbrio possível. Nem com toda a paciência
do mundo, que certamente já será nele um recurso escasso, seria possível levar
até ao fim a concretização de tal processo. Por isso, não admira que num exemplo
claro da sua resiliência política, Beiras conclua hoje que o único espaço de esperança
reside nas alianças e nos projetos municipais. Em particular, Beiras tem apoiado
o Compostela Aberta, movimento que tentará evitar que o candidato socialista ao
Ayuntamiento de Santiago de Compostela, Xosé Sánchez Bugallo, regresse à liderança
do município compostelano.
Mas apesar desse entusiasmo resiliente, Beiras é hoje uma personagem
desiludida, sobretudo com gente que não está à altura da sua espessura. Não me
admiraria que o PSOE arrasasse na Galiza, o que não significa que possa
governar na totalidade dos municípios em que será a força política mais votada.
Com esse eventual movimento, Beiras ficará encostado às cordas, mas creo que
apenas momentaneamente. Estou certo que enquanto um momento de lucidez o acompanhe
e as energias não lhe faltem Beiras será até ao fim fiel ao seu nacionalismo
galego, bem diferente nos seus contornos do catalão. O seu eventual
desaparecimento equivaleria a um vazio difícil de preencher na Galiza.
Sem comentários:
Enviar um comentário