quarta-feira, 22 de maio de 2019

O DESILUDIDO



(O processo de alianças à esquerda do PSG, o PSOE galego, teve nas últimas eleições municipais um grande desenvolvimento, sob a forma de um movimento muito difuso designado de En Marea, com algumas vitórias estrondosas, como por exemplo em Santiago de Compostela e também na Corunha. A transposição desse movimento difuso de teor essencialmente municipal para uma lógica de âmbito mais regional tem corrido para o torto, atingindo a personalidade política motora dessa aproximação sob a forma de unidade popular.

A figura de Xosé Manuel Beiras sempre foi imponente e é sem dúvida um dos últimos sedutores da política. Já lá vai muito tempo, nas minhas andanças universitárias pela Galiza, mais propriamente pela Universidade de Santiago de Compostela, tive contacto com o personagem numa reunião de universitários, lecionava ele na altura Economia Política e Estrutura Económica, assumindo nos anos 80 definitivamente a Cátedra de Estrutura Económica. A presença era avassaladora, tamanho era o fulgor que emanava daquela personagem e do seu discurso arrebatado quando aplicava o marxismo à interpretação de algumas dimensões da economia galega. Pela televisão galega tive oportunidade de o ver no palco político e, hoje, com 83 anos, como pode ser confirmado pela fotografia recente que abre este post não há dúvida de que é um dos últimos carismáticos da política espanhola, particularmente da galega.

A biografia política de Beiras é de uma riqueza extraordinária começando por ser fundador na clandestinidade do PSG para depois se envolver na constituição do Bloco Nacionalista Galego, em cuja representação teve uma presença destacada e sempre controversa no Parlamento Galego. O que espanta na energia deste homem é aos 80 anos o seu forte e decisivo envolvimento na constituição da tal unidade popular do En Marea, fundando primeiro o movimento ANOVA para depois se abalançar na aliança mais abrangente. Na Voz de Galicia de hoje (link aqui), Beiras confessa que o estado da referida aliança não é o que ele tinha sonhado, deixando que o seu testemunho transapareça uma desilusão que se compreende sobretudo vindo de quem traçou um caminho tão longo. Na minha interpretação e pelo que vou ouvindo dos meus amigos galegos, entre a espessura política, mesmo cansada e por vezes alucinada de Beiras, e a leveza (muito levezinhas e ligeirinhas) de algumas das personagens dos vários En Marea não há equilíbrio possível. Nem com toda a paciência do mundo, que certamente já será nele um recurso escasso, seria possível levar até ao fim a concretização de tal processo. Por isso, não admira que num exemplo claro da sua resiliência política, Beiras conclua hoje que o único espaço de esperança reside nas alianças e nos projetos municipais. Em particular, Beiras tem apoiado o Compostela Aberta, movimento que tentará evitar que o candidato socialista ao Ayuntamiento de Santiago de Compostela, Xosé Sánchez Bugallo, regresse à liderança do município compostelano.

Mas apesar desse entusiasmo resiliente, Beiras é hoje uma personagem desiludida, sobretudo com gente que não está à altura da sua espessura. Não me admiraria que o PSOE arrasasse na Galiza, o que não significa que possa governar na totalidade dos municípios em que será a força política mais votada. Com esse eventual movimento, Beiras ficará encostado às cordas, mas creo que apenas momentaneamente. Estou certo que enquanto um momento de lucidez o acompanhe e as energias não lhe faltem Beiras será até ao fim fiel ao seu nacionalismo galego, bem diferente nos seus contornos do catalão. O seu eventual desaparecimento equivaleria a um vazio difícil de preencher na Galiza.

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