(Este blogue não foi inicialmente concebido para
ser animado apenas por estas duas boas almas que há algum tempo protagonizam e animam
este espaço de reflexão. Foi pensado admitindo, não sabemos se ingenuamente,
mas isso também não vem ao caso, para integrar outros escribas, nem que fosse
pontualmente. No registo do pontual, ainda conseguimos reunir alguns contributos
de gente que estaria seguramente feliz neste espaço, como, por exemplo, a Paula
Guerra, o Luís Carvalho, a Ana Barroco e creio que o José Portugal. Por uma razão
ou outra, essa possibilidade gorou-se. Por isso, trago por vezes algum
texto de gente próxima, que tem os seus próprios espaços de comunicação e reflexão.
É o caso do Professor Leonardo Costa, cuja capacidade reflexiva de integração
da política e do território não abunda por aí e que tenho orgulho em ter no meu
círculo mais restrito de amigos.)
Assim, fiel aquele princípio anteriormente referido, aqui estou, obviamente
com a sua permissão, a reproduzir aqui um excelente texto publicado no FORUM
DEMOS (link aqui).
O texto chama-se “Acerca dos amanhãs cantantes do neoliberalismo” e tem o
fascínio adicional de começar com uma pintura de Vieira da Silva e um poema de Sofia
de Mello Breyner Andresen. Estamos por isso em excelente companhia.
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in ‘O Nome das Coisas’ – 1977
“Em Portugal,
cada vez que se comemora o 25 de Abril de 1974, há quem queira também
comemorar, por boas razões (dá-se o benefício da dúvida), o 25 de novembro de
1975. A comemorar o 25 de Novembro de 1975, um contragolpe, considero que
dever-se-iam também comemorar o 28 de Setembro de 1974 e o 11 de Março de 1975,
outros dois contragolpes. É que foram estes três contragolpes que, no seu
conjunto, permitiram a consolidação da democracia portuguesa. Clubes à parte, é
capaz de ser mais simples ficarmos pelas comemorações do 25 de abril de 1974, o
dia inicial em que a poesia esteve na rua.
Vem o acima a
propósito dos amanhãs cantantes do neoliberalismo. Em democracia, os indivíduos
são livres de escolherem os amanhãs cantantes que entenderem. Os amanhãs
cantantes do comunismo prometiam um sol a brilhar para todos nós. Sol
Enganador, as mais das vezes, à luz da experiência histórica. Já os amanhãs
cantantes do neoliberalismo (que não é novo nem é liberal) prometem, no
presente, uma vida às novas gerações pior do que aquela que as gerações mais
velhas tiveram ou têm tido. Ou seja, no presente, o neoliberalismo nem se quer
faz o esforço de ser uma utopia. É uma distopia!…
Como afirmava a
primeira ministra do Reino Unido nos anos 1980s do século XX, Margaret Thatcher
(uma das grandes referências políticas do neoliberalismo), [para o
neoliberalismo] não existe sociedade, apenas indivíduos. Indivíduos deixados à
sua sorte, acrescento. Indivíduos que não pautam a sua atuação pelo princípio
moral da simpatia de Adam Smith. Muito pelo contrário, pautam a sua atuação
pelo princípio imoral da ganância, dedicando uma boa parte do seu tempo a
extrair rendas à sociedade e a colocar as mesmas em paraísos fiscais.
Desde os anos
1980s do século XX, o neoliberalismo mais do que cumpriu com as suas promessas.
Abandonou cada um à sua sorte, promoveu o individualismo metodológico e o
princípio imoral da ganância, desregulou os mercados, em particular, os
mercados financeiros, e trouxe dinâmicas de crescimento à desigualdade que
colocam os países do mundo, também os países da OCDE, a caminho do antigo
regime e/ou de sociedades do tipo patrimonial, não meritocráticas. Pelo
caminho, gerou a crise financeira global de 2008 e, a seguir, suportou o
salvamento incondicional do sistema financeiro desregulado a que deu origem, à
conta do erário público. Um sistema financeiro que se posiciona algures entre o
casino e o mundo do crime.
A sociedade em
que vivemos, construída nos últimos quarenta anos, é um fruto das ideias
neoliberais. E se a mesma está mais vulnerável a extremismos, como os da
extrema-direita nacionalista e xenófoba, às ideias neoliberais o deve. Por
outros palavras, foi o neoliberalismo que alimentou a ascensão da extrema-direita
nacionalista e xenófoba em todo o mundo, ao preferir, nas suas palavras, o
mercado imperfeito ao regulador perfeito, ao promover a ganância como uma coisa
boa, ao fomentar a crescente desigualdade, ao colocar os indivíduos contra o
Estado democrático, ao descredibilizar as instituições democráticas e do Estado,
ao emprestar recursos financeiros a estas forças políticas extremistas,
nacionalistas e xenófobas, por via dos paraísos fiscais que patrocinou. Foram
as ideias neoliberais que colocaram as sociedades democráticas à beira do
abismo. Insistir nas mesmas, é dar um passo em frente. É a receita para o
desastre civilizacional.
É assim
necessário meter o neoliberalismo na gaveta, em nome da preservação de uma
sociedade democrática e/ou civilizada. É preciso voltar a colocar as pessoas
comuns no centro dos debates e dos projetos políticos. É urgente recuperar e
repensar as nossas sociedades, com novas e renovadas ideias políticas (algumas
da social democracia, outras da própria doutrina social da Igreja). É
fundamental falar com as pessoas comuns e tornar as mesmas agentes políticos
ativos do seu destino, individual e coletivo, em vez de meros espectadores das
suas vidas, mais ou menos vulneráveis aos caprichos e manipulações de certas
elites (políticas e económicas) sem escrúpulos. Territorialmente, é preciso
reorganizar o Estado (europeu, nacional, regional e municipal) de maneira a
exercer o princípio da subsidariedade até ao limite das possibilidades que o
mesmo oferece. Por outras palavras, é necessário aprofundar a democracia,
representativa e participativa”.
Leonardo Costa
Docente e
investigador da Universidade Católica Portuguesa
Porto 26 de Abril
de 2022.