terça-feira, 26 de abril de 2022

AINDA A INFLAÇÃO!

 


(A capa do The Economist na semana de 23 a 29 de abril dramatiza pela imagem uma controvérsia que já foi aqui objeto de alguns posts. O Federal Reserve Bank dos EUA está na berlinda e, segundo a revista britânica, o FED terá falhado e a responsável é a inflação que irrompeu numa sequência estranha e cumulativa que envolvendo disrupções de oferta COVID, intensificação de algumas dessas disrupções com a guerra da Ucrânia, contágio para as expectativas dos agentes económicas e matéria quente do ponto de vista político, como foi visível nas eleições francesas. Neste ambiente turbulento, que emerge depois de um período bastante prolongado de expectativas de baixa inflação, não tem sido fácil encontrar pronunciamentos pedagógicos de economistas e de especialistas de mercado, que se sobreponham aos “Josés Gomes Ferreiras” da nossa praça, sempre prontos a asnear e a provocar alvoroço. Entre as exceções, Paul Krugman tem-se notabilizado nas suas últimas crónicas no New York Times, links aqui e aqui, mais como pedagogo do que como teimoso que persiste na sua convicção, e ajudando a compreender a situação.)

Claro que o debate entretanto avançou e foi tomando novas proporções e assumindo novas tonalidades. Como é óbvio, ninguém já ignora que a inflação está por aí, basta ir às compras e estar atento à memória recente dos preços dos últimos tempos. A grande questão hoje em jogo é se os bancos centrais dos diferentes países conseguirão recolocar as expectativas de variação de preços de novo no seu estado normal dos últimos tempos com o chamado “soft landing”, ou seja com subidas de taxas de juro de referência sem implicar uma recessão económica. Ou se, pelo contrário, o conseguirão fazer apenas com uma subida tal das taxas de juro de referência que coloquem as economias em situação de recessão. Esta segunda versão é a que trará obviamente mais preocupações, pois adensará irreversivelmente as impressões e perceções de guerra. Como sabemos, esse é o palco que a senhora Le Pen e o radical de esquerda Mélenchon gostarão para nas legislativas francesas dar cabo da cabeça a Macron e encurralá-lo nas suas pretensas reformas.

A pedagogia de Krugman é importante pois, embora centrado no debate que ocorre a propósito da economia americana (daí a capa do The Economist), ele ajuda-nos a compreender os limites da própria intervenção do Banco Central. Essa pedagogia nada tem que ver com a situação incómoda em que as pessoas gostam de colocar os economistas questionando-os sobre previsões de variação de preços (como diz Krugman, “o mercado flutua” e Deus sabe” são respostas possíveis para esses inconvenientes perguntadores).

Um ponto interessante suscitado pelo economista americano e que pouco se discute na vulgata do jornalismo económico consiste em perguntar se a taxa de juro de referência que normalmente os bancos centrais utilizam para tentar domesticar a inflação (estão anunciadas pelo FED USA sucessivas subidas dessa taxa). Ora, o que Krugman nos diz é que a taxa de juro normalmente manipulada pelo Banco Central pouco interessa ao consumidor médio. As taxas de juro manipuladas são, regra geral, taxas de muito curto prazo, situação extrema dada pelas taxas a que os bancos trocam entre si dinheiro. Ora, as taxas que verdadeiramente contam são as que se perfilarão a longo prazo nas nossas decisões económicas e por isso se costuma dizer que as taxas que são usadas no crédito à habitação são cruciais para o efeito. Sabe-se, entretanto, que se a tendência das taxas de curto prazo permitem antecipar uma política duradoura por parte do Banco Central os bancos de crédito de habitação tendem a projetar imediatamente essas expectativas nas suas próprias taxas oferecidas ao mercado (claro que a questão não tem a mesma repercussão em empréstimos de taxa fixa ou de taxa variável). A banca americana fez já regressar essas taxas aos níveis de 2019 pré-COVID, confirmando essa prática.

Mas a economia americana tem aqui um ponto de curiosidade, pois o mercado habitacional (de reabilitação e de novas construções) está em baixa já algum tempo, pelo que o impacto restritivo das taxas de juro em alta do FED não será o mesmo da situação em que tal mercado estivesse em alta. Por outras palavras, a política restritiva operaria sobretudo através da depressão do mercado de construção, mas o problema é que o mercado está já em baixa, enfraquecendo assim o poder de tiro do regulador.

A dúvida instalada parece ser a de saber se a inflação está já enraizada nas expectativas dos agentes económicos ou se pelo contrário as expectativas estão elevadas para o próximo ano, embora descendo para períodos mais dilatados. Os últimos dados provenientes dos consumidores americanos apontam para a primeira hipótese, o que sugere que ainda não estaremos perante a estranha situação em que a inflação existe por que as pessoas pensam que ela vai existir.

Claro que o FED pode errar, já que tanto pode restringir demais e assim dar origem a uma recessão mais forte ou restringir de menos e dar origem a uma internalização de expectativas.

A incerteza e a indeterminação são mesmo isso.

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