sexta-feira, 1 de abril de 2022

EZRA KLEIN ENTREVISTA LARRY SUMMERS

 


(Imaginem um curso de macroeconomia para não académicos, focado na questão crítica de momento, o surto inflacionário que germinou primeiro na economia americana e que se estende por todo o mundo ocidental e também na União Europeia. É isso que, para mim, a entrevista de Ezra Klein a Larry Summers no seu incontornável podcast do New York Times representa. A leitura da transcrição da entrevista, a audição do podcast justifica-se pelo vozeirão de Summers, proporciona uma versão mais coloquial dos alertas críticos que o macroeconomista americano vinha lançando sobre a atuação do FED USA, hoje largamente corrigida. É uma leitura obrigatória, sobretudo porque a partir dos statements sobre a economia americana facilmente pode estender-se a análise a outras economias. E a entrevista fecha com algumas sugestões bibliográficas, das quais destaco a imperdível nova biografia de Keynes publicada por Zachary D. Carter e designada de “The Price of Peace – Money, Democracy and the Life of John Maynard Keynes”, 2021, Random House. Pelos dois primeiros capítulos que já li, algo de crucial temos nesta biografia para a partir do mundo da 1ª Guerra Mundial compreender-se o mundo de hoje…)

Tenho para mim que as entrevistas, quando são bem conduzidas e preparadas por quem sabe do assunto a discutir nas mesmas, como é o caso desta e da particular competência de Ezra Klein, constituem documentos imprescindíveis para se aprofundar teses e argumentos de quem publica e é entrevistado. Parece um paradoxo, que seja possível na linguagem não académica aprofundar coisas que foram formuladas noutros contextos e para outros públicos. Grande parte dos economistas americanos tem esta capacidade. A entrevista de Larry Summers, sobretudo devido à capacidade de interação de Klein preenche essas características.

O tema já o trouxe a este blogue há dias. Trata-se de equacionar a abordagem no âmbito da política económica (sobretudo a política monetária) ao surto inflacionário que as principais economias ocidentais estão presentemente a viver. Primeiro, entendido como um fenómeno transitório determinado pela recuperação pandémica (em termos de procura e consumo) e pelas disrupções das cadeias de valor à escala mundial que o vírus implicou. Depois, com crescentes dúvidas sobre o balanço processo transitório versus processo permanente. Atualmente, devido à tempestade perfeita que os efeitos da invasão da Ucrânia implicaram, seguramente um processo com duração prometida e que exige fortes medidas de contenção.

A posição de Summers é conhecida. Ele não acredita que, com as condições de pressão hoje existentes no mercado de trabalho americano e com as disrupções de oferta e desequilíbrios de oferta-procura observados, seja possível à economia americana aterrar suavemente sem política monetária restritiva e recessão económica associada. Face aos valores de subida de preços já observados (sempre superiores na economia americana face aos europeus) e à dinâmica de crescimento de salários já em curso, para garantir condições de taxa de juro real compatíveis com a meta da inflação a 2% seria necessário que as taxas de juro de referência fixadas pelo FED estejam bastante acima dos 5-6% para assegurar esse objetivo. Ou seja, a inevitabilidade de políticas mais restritivas e recessão económica reequilibradora. Claro que tudo isto é apimentado pelas eleições intercalares americanas, nas quais Trump e os Republicanos afetos esperam regressar às vitórias eleitorais, e pelos desafios que o surto inflacionista irá provocar na agenda económica de Biden. Todos nos recordamos que a ascensão de Reagan e Thatcher ao poder aconteceu na sequência de políticas com efeitos de inflação excessiva.

Summers continua fiel ao seu velho princípio de que a intervenção da política económica sobre a oferta é sempre mais complexa e demorada do que a que é possível concretizar em relação à procura: “A oferta é o que é. A política monetária não a pode alterar. A política fiscal também não, a não ser no longo prazo. E tendo em conta que a oferta é o que é, cabe à procura equilibrar-se com a oferta.”

Summers avança ainda com outro argumento, relacionado com a elevada dimensão do estímulo anti-pandémico que a administração de Biden lançou e sobre o qual se estima que só 30% terá sido gasto pelas famílias apoiadas. Isso significa que o estímulo de procura acabou por não ser do tipo “one-shot”. Ele vai ainda prolongar-se durante alguns anos, pelo que ter interrompido os estímulos não constitui fator favorável, dada a extensão no tempo da sua influência estimulante da procura. Daí a sua posição de que as condições inflacionistas estavam já em atuação antes do choque da invasão da Ucrânia.

Na entrevista, Summers avança pela primeira algumas considerações sobre a formação de expectativas inflacionistas. Recordo que até aqui, sublinhei-o no meu último post sobre o assunto, as taxas de juro de empréstimos e outras operações a 5 e 10 anos pareciam continuar a admitir que os preços não disparariam nesse horizonte mais lato. Mas como as expectativas são formadas a partir da aprendizagem com o tempo recente, evidências de subida de preços e salários em torno dos 6-7% tenderão segundo Summers a provocar alterações também a esse nível. Ora, neste campo, o argumento de Summers traz as evidências de que as previsões de inflação a 5 anos estão hoje nos 3,5%, portanto acima da meta do FED USA, e as previsões a 10 anos situam-se em torno dos 3%. Ou seja, segundo ele , tudo indica que o surto inflacionário está também a tocar o universo das expectativas a 5 e a 10 anos, colocando desafios particulares ao realismo com que os atores económicos e financeiros julgarão o realismo da meta dos 2% de inflação e das promessas do FED para a manter a todo o preço. A possível similaridade com o surto inflacionário de 1979-1982, tempos da gestão de Paul Volcker, em que foi necessário subir as taxas de juro de referência para 19% para controlar a situação, não deixa de adensar os alertas.

A entrevista é depois reconduzida à velha terapia da subida das taxas reais de juro, regra geral seguida da queda dos preços dos ativos financeiros que atingem sobretudo as pessoas com mais rendimento na sociedade. Ou seja, a velha interpretação de que serão essencialmente as pessoas com mais rendimento a ver as suas oportunidades de investimento penalizadas (os efeitos na política de habitação exigem mais cautelas dadas as especificidades de cada país) continua presente no argumento de Summers.

Como pano de fundo e como contrapontos para a inevitabilidade de uma política restritiva para controlar a ameaça inflacionária, Summers recorda as suas propostas de melhoria de infraestruturas ao melhor custo-benefício possível e a necessidade da economia americana se abrir a uma política mais permissiva de imigração, não apenas de talentos ou recursos qualificados.

Tudo indica que no debate que vem sendo travado sobre o alerta inflacionista na economia americana já há algum tempo a posição de Larry Summers tem ganho proeminência. Uns dirão que o combate foi viciado com a invasão da Ucrânia, ou seja, o contexto do debate alterou-se a meio. Summers dirá, como na entrevista o fez, que a questão colocar-se-ia mesmo se o autocrata russo nos tivesse poupado a este desvario.

Na parte final da entrevista, Klein propõe ao entrevistado que recomende três livros aos leitores. Fixo-me apenas numa das suas recomendações, da obra da nova biografia sobre John Maynard Keynes de Zachary D. Carter (2021). Confesso que me tinha escapado, tão preenchido fiquei com a monumental biografia de Skidelsky em três volumes. Voltarei ao The Price of Peace. Nos dois primeiros capítulos, que começam no período que foi a antecâmara da 1ª Guerra Mundial, há um episódio notável: Keynes não era ainda o economista influente, estava na Universidade de Cambdrige e é chamado a Londres para emitir conselho sobre a mais do que provável derrocada do Banco de Inglaterra e das suas reservas de ouro. A urgência do pedido faz com que Bertrand Russel arraste o fleumático numa mota para Londres (imaginem o fleumático Keynes numa mota contra o vento), em que JMK irá ter o seu primeiro êxito como conselheiro económico, contribuindo para suster a derrocada anunciada e a perda de credibilidade do centro financeiro londrino.

Darei contas proximamente dessas leituras.

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