(Os resultados da primeira volta das eleições presidenciais francesas aliviaram um pouco a tensão de um possível acesso da extrema-direita ao poder, mas não afastaram as nuvens que podem trazer borrasca da forte. De certo modo, a minha previsão do que poderia acontecer tendeu a verificar-se, desde a derrocada dos partidos mais tradicionais, PSF e Republicanos de Pécresse, até ao poder eleitoral de Macron e Le Pen, passando pela insignificância dos Verdes e entrada em falso de Zemmour. O único ponto que continua a oferecer-me dúvidas interpretativas é o peso eleitoral de Mélenchon, colocando a questão se é o reflexo da débacle do PSF ou se resulta de valor eleitoral próprio. A tensão continua até porque a ladainha de Macron de que tudo irá ser diferente depois da sua eventual vitória em 24 de abril cheira-me a déjá vu e pode não chegar para de olhos fechados ou tampões no nariz muita gente votar no atual Presidente, que arrancou para este processo com uma sobranceria que pode sair-lhe caro e aos Europeus em geral.
Como diria o outro, faites vos jeux, rien ne vas plus. Macron e Le Pen vão dramatizar o mais possível a caminhada para o dia 24, tentando ganhar embalagem a partir dos dados desta primeira volta. Le Pen parece apostar no discurso da representação de toda a população francesa, escondendo na sua maquilhagem a xenofobia, a tentação putinista, o autoritarismo, embalando o discurso com aquela pitada de nacionalismo que os franceses mais conservadores gostam de ouvir. A história do futuro previsível é dura, por isso há que adocicá-la e fazer passar a ideia de que a França pode ser de novo a França de outros tempos.
Macron enfrentará a velha incógnita se desta vez ainda funcionará a “barrage” à extrema-direita. Que votos do PSF, dos Verdes e dos Republicanos serão desviados para Le Pen? Que significado concreto terá em 24 de abril a declaração de Mélenchon de que nenhum voto pode ser desviado para Le Pen, embora não assuma o apoio a Macron?
Porque, efetivamente, a grande interrogação desta primeira volta é a de saber o que significa a relativamente elevada votação de Mélenchon. Quase 22% do eleitorado é um valor muito elevado e por isso chegou ontem a pairar a ideia de que a França insubmissa poderia aspirar a uma segunda volta. Existe, pois, polarização radical do eleitorado, com mais de 40% dos votos a representarem radicalismos opostos, de extrema-direita e de extrema-esquerda. Será que a França insubmissa é apenas uma força de protesto, considerando que o PSF está agonizante, em formol ou em estado adormecido? É apenas o resultado da força do discurso do candidato ou corresponde a um ideário de protesto mais violento que fez o seu aquecimento com os Gilets Jaunes?
Nos próximos dias, iremos assistir a várias piruetas de Macron para conseguir alguma fixação do eleitorado do PSF, dos Verdes, dos Republicanos e da França Insubmissa. Não serão certamente piruetas muito consistentes, mas como dizia Piketty, o Presidente francês tem que dar aos Franceses algo de social nas suas intenções. Se não o fizer pode morrer na praia e nem quero imaginar o que pode acontecer aos equilíbrios europeus.
Como antes dizia, o slogan do tudo será diferente com a minha reeleição e a ideia de que algo de novo terá de surgir não se sabe de onde cheira a discurso cristalizado que a retórica da língua francesa ajuda neste caso a reforçar. O francês mais cético pode questionar simplesmente se durante estes anos todos o coelho não saiu da cartola porque que carga de água há de agora em 15 dias tomar forma? E ao questionar essa probabilidade a tentação de experimentar o extremo pode ser demasiado forte. Bato três vezes na madeira.
Espero que muitos não questionem essa possibilidade e que Macron vença a segunda volta. De qualquer modo, o espectro eleitoral anunciado pelas eleições francesas é demasiado ameaçador para ser de novo amordaçado e ignorado com a alegria de que a barrage da extrema-direita funcionou. E a grande interrogação é esta: porque razão a social-democracia está reduzida a escombros numa economia que não destruiu o Estado social? Ou o rombo nesse estado social foi impercetível ao olhar externo? Ou a esquerda não tem ideias para enfrentar a recomposição social que a imigração provocou na sociedade francesa?
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