segunda-feira, 4 de abril de 2022

SOBRE A DESDOLARIZAÇÃO INTERROMPIDA

O fenómeno da desdolarização (dedollarization) surgiu como uma prioridade para a Rússia em 2014, na sequência da anexação da Crimeia e em resposta à imposição de sanções ocidentais que limitavam a capacidade de empresas estatais e bancos de obter financiamento nos mercados ocidentais. Caminho que a China começara a apreciar no contexto da crescente cooperação económica entre os dois países, tornando-se então um bom parceiro no apoio ao processo de desdolarização russa, e que passou a valorizar adicionalmente no quadro da guerra comercial EUA-China iniciada em 2018 e da correspondente aplicação de pesadas tarifas sobre produtos chineses e de outras medidas financeiras punitivas pelos EUA, assim se tendo criado condições para um acordo (2019) de substituição do dólar por moedas nacionais nos respetivos acordos internacionais; tudo isto sem prejuízo de uma continuada relutância chinesa (por manifesto desalinhamento estratégico) em relação a planos russos mais ambiciosos, como os do estabelecimento de um novo sistema de pagamentos internacionais alternativo ao SWIFT (o “Sisteme Peredachi Finansovykh Soobshchenii”, SPFS) que não foi de molde a conseguir a adesão dos bancos chineses (com exceção do Banco Central).

 

Mas é um facto que Moscovo fez progressos significativos na redução de sua dependência comercial em relação ao dólar (enquanto 80% das exportações totais da Rússia para a China eram denominadas em dólares em 2013, em 2020 pouco mais de metade eram já liquidadas em dólares ― ver gráfico acima; em simultâneo, a Rússia foi evoluindo significativamente na substituição das suas reservas em dólares por yuans e euros ― 16,4% contra 45,4% em meados de 2021 ―, tendo ainda nessa linha chegado a atingir em 2021 um quarto das reservas mundiais de yuans ― ver gráfico abaixo). No entanto, a sustentabilidade desta solução sempre dependeria de como a Rússia viesse a enfrentar dois desafios paralelos, entretanto tornados determinantes pelos acontecimentos da Ucrânia: o da confiança num euro que se tornou dominante (criando uma maior exposição às sanções da UE) e o da capacidade de lograr uma crescente conversão direta de euros em rublos (aqui emergindo a aposta em alternativas, sempre necessariamente lentas porque voláteis, de desenvolvimento de uma moeda digital do banco central ― sendo que, de facto, a participação das moedas chinesa e russa nos pagamentos internacionais em finais de 2021 era ainda de apenas 2,7% e 0,21%, respetivamente, contra 40,5% do dólar e 36,7% do euro). Ou seja: a imprevisível eficácia da reação europeia em termos de sanções veio claramente complexificar e dificultar a estratégia russa de desdolarização com vista a uma crescente autonomização dos circuitos financeiros que envolvem a sua economia; e tudo indica que a situação terá tendência a piorar para o lado de Putin...

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