quarta-feira, 13 de abril de 2022

SERÁ ESTE O MODELO EUROPEU?

 

(Na sequência de uma conferência proferida por Branko Milanovic, em Zagreb, na Croácia, focada nas tendências mais recentes da desigualdade na distribuição do rendimento, o economista sérvio foi convidado a aplicar a sua análise à economia anfitriã. O gráfico que abre este post tem o interesse de versar sobre uma economia de acesso último à União Europeia, pelo que os dados aí representados não podem ser dissociados do contexto da própria integração europeia e dos seus efeitos sobre a população croata. A questão ficaria por aqui se o próprio Milanovic não sugerisse que o padrão croata pode ser mais generalizável do que parece a toda a União. Se assim for, então o gráfico adquire todo um outro significado e não poderá ser ignorado quando tentamos compreender a evolução das representações políticas no quadro europeu, o que parece estar a ser ignorado pela própria Comissão Europeia e Conselho.)

O gráfico acima (link aqui) descreve a evolução entre 1998, 2013 e 2018 da proporção de rendimento apropriada pelos decis da população croata, ordenados dos mais pobres para os mais ricos. Como se compreende, por se tratar de três momentos em duas décadas, os dados em bruto coligidos não nos permitem assegurar que serão sempre os mesmos croatas a corporizar os decis considerados, já que há mutações individuais de rendimento que podem justificar a passagem para outros decis da população. Mas se tivermos em conta que os dados nos fornecem sempre que percentagem de rendimento é apropriada, por exemplo, pelos 10% mais pobres (1º decil) ou 40% mais pobres (quatro primeiros decis), a informação prestada pelo gráfico é de grande importância.

Tal como o próprio Milanovic o assinala, os grupos mais pobres da Croácia perdem sistematicamente quota de rendimento, embora deva dizer-se que as duas décadas aqui assinaladas estão divididas em duas partes: antes da adesão que se concretizou em 2013 e depois da adesão abrangendo já por isso a informação de 2018. Dir-me-ão, e têm toda a razão em fazê-lo, que a série apresentada não nos oferece elementos de causalidade suficientes sobre os efeitos da adesão: a degradação dos decis mais pobres, sobretudo dos 10% mais pobres já se observava entre 1998 e 2013. No entanto, se observarmos bem as três curvas, é possível verificar que a degradação da quota de rendimento se processa sobretudo entre 2013 e 2018. Por conseguinte, um alerta importante.

Mas a questão muda de figura, quando o próprio Milanovic introduz a controversa questão de saber se o padrão croata é extensivo a outras economias europeias.

O exemplo que o economista sérvio publicou no Twitter é o da Itália e também aqui os decis mais pobres (neste caso os 30% mais pobres) vêm sobretudo entre 2013 e 2018 a sua quota de rendimento degradar-se, com a particularidade dos decis normalmente associados à classe média alta verem a sua quota de rendimento melhorar com alguma expressão.

Este padrão contrasta significativamente com a perceção que os asiáticos alimentam sobre a globalização do ponto de vista do que acontece à evolução das quotas de rendimento dos diferentes grupos sociais. Milanovic escolhe obviamente extremos expressivos e a China é o caso mais paradigmático, quando pelo menos vemos o problema segundo as lentes da população urbana, a que tem inquéritos ao rendimento e à despesa mais credíveis. O gráfico é surpreendente sobretudo no plano visualmente comparativo. Praticamente todos os grupos de população melhoram a sua posição em matéria de quota de rendimento. Por isso, entendo que a China será a primeira a tentar suster a derrocada da globalização.


No sentido de procurar responder à interrogação de Milanovic e sem tempo para consultar a sua base de dados, recorri ao Eurostat e trabalhei com uma aproximação, representada pelo rácio entre a quota de rendimento dos 20% mais ricos e a quota dos 20% mais pobres. Confrontei os dados para Portugal e para a zona Euro a 18 países.


O gráfico acima mostra que a situação pode ser mais matizada do que parece.

Como é possível observar, a evolução de Portugal é mais favorável do que a da zona Euro, embora com um nível de desigualdade mais elevado. A zona Euro apresenta um agravamento tendencial do rácio, só interrompida em 2019 e de novo agravada com o primeiro ano da pandemia. Quanto à situação portuguesa, a desigualdade diminui até ao ajustamento (parecendo confirmar a ideia de que este período se redistribuiu mais do que se cresceu), para depois agravar-se de novo com o ajustamento das dívidas soberanas. Não sem surpresa, os anos da geringonça melhoraram de novo a desigualdade vista por este indicador. E surpresa das surpresas, o primeiro ano de pandemia não teve efeitos no agravamento da série.


Para mostrar que o rácio calculado a partir do Eurostat não é similar do utilizado por Milanovic, apurei a sua evolução para o período de 2010 a 2020, o que é possível calcular a partir da informação disponível. Medida por este indicador, a desigualdade na Croácia não se degradou a partir da sua adesão à União. O que significa que a medida a partir da evolução da quota dos 10 ou dos 40% mais pobres está mais próxima de uma desigualdade “absoluta”, embora como é uma quota depende também do modo como os outros grupos vêm variar o seu rendimento face ao bolo global.

Moral da história: a interrogação de Milanovic de saber se estamos perante um padrão europeu tem que se lhe diga e prometo voltar ao assunto, trabalhando dados similares aos que o economista sérvio terá utilizado.

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