(O cartoon de Aurel para o Le Monde reproduz em parte os meus temores antes das nossas 19 horas, 20 para os franceses, em parte ultrapassados pela vitória de Macron, mesmo que com o fardo de menos de dois milhões de eleitores. O que significa que, embora o agora reeleito Presidente francês tenha comido do próprio veneno da sua ausência de proximidade face a uma grande parte dos eleitores franceses, terá funcionado de novo a linha vermelha da rejeição da extrema-direita. Mas como os resultados da primeira volta o sugeriam, esta clarificação eleitoral nas Presidenciais não apaga a ideia de que estão já lançados os trabalhos das próximas legislativas. Já o tínhamos pressentido quando a idiotice política de Mélenchon tinha sugerido que lhe era indiferente o resultado de hoje pois poderia ser primeiro-Ministro nas próximas legislativas. Claro que nesse contexto os cerca de dois milhões de eleitores a menos relativamente a 2017 vão fazer falta ao Presidente para conquistar no Parlamento francês uma posição que lhe permita governar, sabe-se lá com que alianças. Como diria Jacques Rancière, o ressentimento continua nos próximos episódios … )
Não espero nos próximos tempos alterações de caráter e personalidade de Emmanuel Macron que lhe permitam, por essa via, reconquistar alguma da proximidade que perdeu neste seu primeiro mandato como Presidente. A perceção de arrogância e de identificação com os mais afluentes não se alteram com banhos comunicacionais, de estética e apresentação ou estados de alma perante a televisão. Não acredito nisso. Mas não tenho dúvidas de que o agora reeleito Presidente francês terá de dar ampla corda aos seus sapatos para conquistar com a sua força política uma posição parlamentar e no Senado francês que lhe abram a governação e a possibilidade de fazer diferente.
Em meu entender, a questão fundamental tem que ver com o mistério da desigualdade francesa. Mas mistério porquê? Mistério porque, ocupando a França o lugar de topo das despesas públicas sociais em percentagem do PIB, superior inclusivamente à do modelo de referência dos escandinavos, conforme pode observar-se no diagrama acima apresentado, a conflitualidade social na rua evidencia nos eleitores a perceção de que a desigualdade existe. Poderemos dizer como Teresa de Sousa hoje no público que o movimento dos “gilets jaunes” não representa os mais pobres em França, mas antes uma classe média bastante volúvel e volátil que procura resistir ao impacto que as similares classes médias europeias experienciaram. Mas trata-se de uma perceção que em política conta, tanto mais quanto Macron se deixou associar a uma imagem de maior proximidade face aos mais favorecidos.
Trata-se de intervir numa questão não com grandes medidas macro-globais mas com uma microcirurgia social que não é possível desenvolver a quem perde a proximidade face aos mais desfavorecidos.
Por isso, a política francesa já não mais será a mesma depois destas eleições e as legislativas que se aproximam serão muito provavelmente a fonte de uma completa alteração das hierarquias entre as forças políticas com aspiração a ter peso no Parlamento e no Senado.
Vou jantar mais descansado. Mas a situação política francesa passará para o centro da atenção deste blogue.
Rui Tavares dizia na SIC Notícias que um Presidente tão novo como Macron terá no seu próximo mandato o seu caminho das pedras para aspirar a uma notoriedade europeia que a União precisa urgentemente de mobilizar. Veremos se desta vez ele irá ou não conseguir reduzir ao máximo as contradições do seu pensamento quando pensa na França e na Europa.
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