(Regresso ao tema das eleições francesas, o que é um indicador real da minha preocupação com as tendências de última hora que estarão a formar-se no eleitorado francês. Claro que os resultados da primeira volta vão influenciar decisivamente o tom do debate que será travado no ajuste de contas de 24 de abril. Um confronto entre Macron e Le Pen colocará de novo a sociedade francesa ao sabor das questões identitárias da França e do seu posicionamento face à população imigrada. Pelo contrário, um menos provável confronto entre Macron e Mélenchon, colocaria seguramente no centro do debate as questões da inflação e do poder de compra, da segurança/precariedade do emprego e dos limites e adaptação do Estado Social. Dos resultados de sondagens que são conhecidos, emerge um confronto entre, por um lado, os maus resultados de Macron, em relação ao esperado, dos Socialistas, dos Verdes, dos Republicanos e de Zemmour e os resultados positivos ou aceitáveis de Le Pen e do radical Mélenchon. A questão mais interessante a colocar é a de saber que tendências de eleitorado anunciam estas sondagens?)
Não tenho uma explicação global e satisfatória para estes resultados. Mas eles sugerem-me algumas conclusões parcelares, mesmo sem daí ser capaz de construir uma explicação mais global.
Os péssimos resultados dos Socialistas, Verdes e Republicanos são em si mesmos perturbadores, pelo que eles anunciam de indiferença dos franceses relativamente a forças políticas com posicionamentos mais tradicionais. Os Verdes deixaram já há muito tempo em França de representar qualquer coisa de novo, o que é especialmente estranho em tempos de ameaça climática. Já Socialistas e Republicanos parecem ser vistos pela população eleitora francesa como a cristalização da política, incapaz de representação dos problemas da sociedade francesa de hoje.
O mau resultado do político incumbente, Macron, parece representar aquilo que me sempre pareceu em relação ao Presidente francês: intuição e Voz na questão europeia e aprisionamento em termos de política nacional por um liberalismo económico incapaz de perceber que os problemas do capital francês não são necessariamente os da população francesa em geral. A perceção de que Macron é um político que está longe dos franceses agarrou-se à pele e imagem do Presidente e a sobranceria com que encarou estas eleições mais cavou essa distância. A recusa de participação nos debates com os restantes candidatos mais acentuou essa não proximidade às pessoas eleitores comuns. Macron é um candidato que chega em clara perda à primeira volta e, como dizia por estes dias Thomas Piketty na sua crónica no Le Monde, só duas ou três propostas de grande alcance social poderão mitigar essa tendência de perda. O problema principal parece emergir da grande indefinição que os potenciais perdedores na primeira volta revelam em matéria de aconselhamento de voto em Macron, numa disputa final com Le Pen.
Quanto a Mélenchon, o populismo de esquerda, mais ou menos radical, parece continuar a ter em França seguidores fiéis que nele votam para fazer o maior escarcéu possível. Admitir que existe uma larga franja de população francesa que possa sentir-se representada por Mélenchon é para mim um indicador de algum desespero quanto às possibilidades de representação política. Mas sobretudo do ponto de vista da comparação dos votos de Mélenchon com os esperados para os Socialistas ou Republicanos ela é muito perturbadora, porque representa noutro plano o vazio que os partidos de certo modo centrais da democracia francesa têm à sua frente. De certo modo, a proximidade que Mélenchon parece conseguir segurar relativamente a uma percentagem não despicienda de população é da mesma natureza da proximidade que Le Pen conseguiu assegurar. De facto, quando se leem ou escutam entrevistas de seguidores de Le Pen nos seus redutos territoriais e associativos, percebe-se que existe ali alguma representação de proximidade, mesmo que no caso de Le Pen ela seja essencialmente conseguida à custa de uma imagem de nacionalismo francês que é uma construção artificial e não concretizável e de preocupação de dar Voz aos que se sentem marginalizados no discurso político mais tradicional. Em oposição clara à sobranceria com que Macron encarou as primeiras sondagens que lhe eram favoráveis, os jornais e a televisão franceses dão conta do enorme esforço de terreno que o Grand Rassemblement de Le Pen conseguiu concretizar. O que parece ter resultado.
Este é o sinal mais perturbador que emerge a partir dos resultados esperados nas eleições francesas. A proximidade aos eleitores concretizada a partir de ideários políticos e programas de intervenção mais ou menos consistentes parece ser chão que já deu uvas e que se exauriu. A proximidade que parece ter contado, pelo menos a partir da interpretação que as sondagens permitem fazer, apontam para domínios como a emotividade, a integração pelo menos no discurso dos deserdados da política, a manipulação dos fantasmas dos outros, remetendo os programas políticos para os caixotes da inutilidade.
Quando estas tendências tenebrosas atingem uma expressão tal que podem ganhar eleições, como é o caso das eleições francesas, pelo menos ao nível dos cenários plausíveis de segunda volta, o mundo da política está de pernas para o ar. O assunto não é novo, mas permaneceu relativamente nas margens. Ora não é de margens que estamos a falar no mais que provável 24 de abril em França. E essa é a minha preocupação.
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