domingo, 10 de abril de 2022

LA FRANCE QU’ON M?

Os franceses estão neste momento a votar ou, segundo algumas previsões, a abster-se maioritariamente. Assim poderão estar a começar a criar condições para mais um estranho dado novo neste mundo crescentemente perigoso em que vivemos. Do alto da sua imensa sabedoria em política internacional, Jorge Almeida Fernandes falava-nos ontem da possibilidade de “Putin no Eliseu”, explicando com clareza o risco de uma eventual vitória de Marine Le Pen: “a abertura de uma autoestrada entre o Kremlin e o Eliseu seria uma terrível derrota para as democracias europeias”; não sem acrescentar uma outra dimensão em presença nestas presidenciais francesas, a que “diz respeito ao futuro e ao modelo da sociedade francesa” e que “ameaça provocar um terramoto na União Europeia”.


(Ewan White, http://www.ft.com)

Como se chegou até aqui seria matéria para longas conversas, algumas havidas e exploradas no contexto deste blogue durante os anos que já leva de existência. Tratou-se fundamentalmente de toda a questão do modo como a “Frente Nacional”, primeiro sob a égide do pai e depois da filha, se foi conseguindo enraizar no seio de uma sociedade doentiamente avessa a reformas e largamente dominada por grupos organizados de interesses. Mas tratou-se também de erros de palmatória acumulados no campo democrático, seja à direita (onde Sarkozy foi o maior dos contribuintes) seja sobretudo à esquerda (onde o Partido Socialista e os seus sucessivos responsáveis desde Mitterrand, com especial ênfase para Hollande, foram artífices determinantes).

 

Em qualquer caso, ainda não me é claro o modo como Marine Le Pen ― qual sempre-em-pé ou verdadeira fénix renascida! ― começou por sobreviver à imensidão de escândalos indignos que sucessivamente a afetaram durante anos a fio para mais recentemente ressuscitar das expectativas menos boas que há poucas semanas se lhe apresentavam por via de uma alternativa na área da extrema-direita (Zemmour) que parecia robusta. Como também não me é de todo clara a razão de ser última da fortíssima queda em relação às expectativas da candidata oficial socialista e maire de Paris (Anne Hidalgo), pondo esta um provável fim à existência de um partido vindo de longe e com história por demais relevante na política francesa. Este facto, se adicionado à súbita débâcle de Valérie Pécresse na área da direita democrática (herdeira do “gaulismo” e de Jacques Chirac), constitui um sinal poderoso da mudança e renovação profundas que estão instaladas e em curso no espetro partidário tradicional do país.


(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

Voltando a hoje: a maior probabilidade é a de que, quaisquer que sejam os números da abstenção, Macron e Marine passem à segunda volta (apesar de alguns à esquerda, como o velho “Libération” e certos personagens ligados à militância pelo socialismo e pela ecologia, ainda apostarem num voto útil em Mélenchon que o leve a ultrapassar Marine no segundo posto, confiantes ainda na certeza das sondagens quanto à sua derrota perante Macron em 24 de abril). A despeito dessa maior probabilidade, não são de todo indiferentes os valores que cada um alcance nas urnas nem os valores que igualmente consigam outros grandes competidores (sobretudo Zemmour, que adicionará a Marine na segunda volta, mas também Mélenchon, que poderá propor aos seus apoiantes uma abstenção na segunda volta, e Pécresse, cujos apoiantes poderão ter tendência a dividir os seus votos entre os dois principais contendores), num quadro em que as sondagens apontam já para um preocupante empate técnico daqui a quinze dias. Depois da pandemia e da guerra, com uma vitória de Marine Le Pen teríamos um bouquet definitivamente explosivo (to say the least...) a marcar esta fase pouco auspiciosa das nossas vidas.



Sem comentários:

Enviar um comentário