quinta-feira, 21 de abril de 2022

MESMO AQUI AO LADO E TÃO INACESSÍVEL

 


(Os jornais espanhóis dão hoje especial atenção aos 30 anos de comboios de alta velocidade em Espanha, cuja rede surge representada no diagrama que abre este post. Sem querer reabrir a questão da alta velocidade em Portugal, já que o ministro Pedro Nuno Santos tem hoje essa questão, imbricada com o imbróglio da TAP, a morder-lhe os calcanhares, ver artigo do amigo Pedro Guedes de Oliveira no Público, a sensação que temos ao olhar para a dimensão da rede em Espanha é de um vazio incómodo. Tão relevante, já densa e aqui mesmo ao lado, e escasseiam as infraestruturas para delas tirarmos partido na acessibilidade à Europa. Por cá reinam ainda a penúria, a exasperante e lenta evolução dos tempos de viagens, muito má qualidade da operação em alguns territórios e apetece dizer que o raio da paixão ferroviária do Ministro tarda a consumar-se em coisas menos platónicas.

A última meia dúzia de anos em matéria de governabilidade tem sido um longo calvário para a vizinha Espanha, mas apesar dos múltiplos caminhos das pedras que se têm sucedido nos últimos anos, as coisas vão andando e com evidência de resultados.

Desde o dia 21 de abril de 1992 em que foi inaugurada a ligação em alta velocidade entre Madrid e Sevilha, a rede de alta velocidade estendeu-se para o significativo valor dos 3.728 quilómetros e cerca de 55 milhões de euros de investimento (recorri essencialmente ao El Español).

O mapa dinâmico da Renfe que é hoje divulgado pelos jornais a que me referi tem a particularidade e também a curiosidade do País Basco não estar ainda nela integrado. Porém, a dimensão da rede não pode deixar de impressionar o observador exterior, assinalando os jornalistas que se trata da segunda rede de alta velocidade mais extensa do mundo.

Como é compreensível, a dimensão demográfica e económica da Espanha e particularmente a sua vitalidade territorial trazida pelas autonomias regionais tiveram um forte peso de indução desta magnitude de investimento, já que permite combinar potencial de internacionalização e conexão externa com uma apreciável de densidade de conexão interna. É algo de vital para o modelo territorial de Espanha, sempre em luta com a centralidade estrelar de Madrid e não parece haver dúvidas que isso jogou um papel decisivo na dinâmica destes 30 anos.

O vazio de interconectividade que se observa do lado de cá é incómodo para o observador e sobretudo para o campo de oportunidades que continuam de modo exasperante a movimentar-se no domínio do potencial, tardando a concretizar-se.

Como é óbvio, não temos nem a demografia, nem a dimensão económica e muito menos o modelo territorial que se infere da rede de alta velocidade. Mas o que choca mais é que o marasmo se explique mais pela falta de vontade política e de visão estratégica e ausência de coordenação de esforços inter diferentes legislaturas e períodos de programação e menos pela inexistência de recursos ou de meios de financiamento.

De vez em quando, alguém descobre uma paixão ferroviária, mas o baixo ponto de partida em matéria de infraestruturas existentes e a habituação ao marasmo tendem rapidamente a sobrepor-se às tais paixões de momento. Para além disso, nas encruzilhadas da decisão política surge sempre um fator de distração. Nos últimos tempos, surgiu a imperiosa ideia de que a TAP tem de existir pois está em causa o grande hub de internacionalização que Lisboa pretende e por isso todo o euro nela investido tem de ser avaliado à luz desse benefício. Estamos fartos de patranhas e mais trágico ainda é que uma paixão ferroviária, tardia mas valiosa corre o risco de se eclipsar devido a uma dessas patranhas.

Começamos a estar fartos.

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