segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

A NAÇÃO MAIS PODEROSA

 


(Ainda à boleia do Twitter do meu filho Hugo, o comportamento da Esperança de Vida à Nascença nos últimos anos, nos EUA, constitui uma das maiores perplexidades com que nos podemos confrontar, nestes tempos da tal aceleração tecnológica que tarda não só a refletir-se na produtividade, mas também na formação de uma nova condição social para as economias que lideram essa transformação. A interpretação mais avisada desta evidência chocante não pode ignorar o que o COVID 19 representou numa sociedade em que o conceito de “deaths of despair” (mortes do desespero), brilhantemente cunhado por Anne Case e Angus Deaton, para descrever o incremento da morbilidade na sociedade americana, associada em certos grupos brancos, e não apenas população hispânica ou negra, mas também branca de fracos recursos, a fenómenos como o consumo de drogas, álcool e a outros comportamentos aditivos, ilustra bem o paradoxo do desenvolvimento e do poderio americano.

 

A “Esperança de Vida à Nascença” é um conceito (indicador) estranho pois fornece-nos uma probabilidade de duração de vida quando nascemos, mas é construído com evidência de morbilidade num dado momento para os diferentes grupos etários de homens e mulheres numa dada sociedade. Ou seja, a probabilidade de vida constrói-se em função do panorama da morte.

O gráfico que abre e motivou este post abala-nos brutalmente, já que representa um retrocesso de 26 anos, pois é necessário recuar esse tempo para encontrar um valor tão baixo de duração probabilística de vida na sociedade americana.

Em dezembro de 2021, o número de mortes por COVID 19 ultrapassava os 800.000 e, à data, o número de mortes diárias ainda ultrapassava as 1.200. Quando o Presidente Biden anunciou politicamente o fim oficial da pandemia ainda morriam diariamente 400 a 500 americanos por dia por força da incidência do vírus (link aqui). E há ainda a registar que as autoridades americanas são as primeiras a registar com algum rigor o número de mortes associadas ao fenómeno do longo COVID (3.500 segundo as fontes assinaladas).

O substancial atraso com que a administração Trump geriu a pandemia provocou um efeito de sobredimensionamento do número de mortes na sociedade americana e a explicação só pode ser a de uma situação de partida problemática em termos de saúde pública para determinados grupos sociais que criou campo fértil para a propagação dos efeitos letais da transmissão pandémica. A incidência do negacionismo entre os Republicanos terá feito o resto. Mas o que ressalta desta evidência é a fragilidade sanitária da sociedade americana, claramente associada às desigualdades económicas, sociais e raciais nela enraizadas.

Em setembro de 2020, ficou célebre uma reportagem do New York Times centrada em dois aglomerados urbanos de Chicago, Streeterville e Englewood, onde associadamente às desigualdades económicas entre as duas localidades era possível encontrar uma diferença de 30 anos nas respetivas esperanças de vida à nascença (60 anos no desfavorecido Englewood e 90 anos no afluente e qualificado Streetterville).

Será muito provavelmente desses confrontos brutais que se chegou a um recuo tão brutal da esperança de vida à nascença. A pandemia encontrou campo fértil para acentuar desigualdades.

Mas, em simultâneo, esta realidade mostra-nos como continuamos reféns de indicadores de desenvolvimento e crescimento económico incapazes de nos fornecerem o outro olhar necessário sobre as sociedades, por mais poderosas e afluentes que se apresentem em termos económicos e tecnológicos.

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