Ontem disse neste espaço o que disse ― e fica dito! ― acerca do “caso Kaili”, vulgo “Qatargate”, e das suas correlações com as culpas no cartório das grandes e mais democráticas forças políticas europeias em relação ao modo displicente com que quase invariavelmente têm abordado a sua responsabilidade perante os cidadãos que supostamente pretendem manter a bordo de um projeto complexo mas de incontestável valia em termos democráticos e civilizacionais, de relacionamento entre os povos europeus, de progresso económico e social e de potencial afirmação geopolítica.
Volto ao assunto na medida em que importará reforçar duas ideias: (i) a do modo como uma opinião pública relativamente desinformada (ou tendente a privilegiar os lados mais sórdidos da informação divulgada) acrescenta avulsamente elementos laterais e de mau gosto, mas totalmente perversos, face ao que constitui de facto a verdadeira realidade e a mera responsabilidade gestionária parcial de alguns órgãos da União e não do projeto enquanto tal (veja-se a assassina vinheta abaixo, apresentada na primeira página do “Corriere della Sera” de hoje); (ii) a do modo completamente inaceitável como o PSE e o PPE, nomeadamente e por serem os dois maiores partidos à escala europeia, têm preenchido os seus cargos de especial responsabilidade política com figuras de segunda linha (to say the least, já que em certos casos a coisa foi pior), seja numa suposta direção do partido seja na do respetivo grupo parlamentar ― ilustrando: o pouco recomendável búlgaro Sergey Stanishev esteve onze anos, até outubro passado, à frente do PSE e é hoje a inexperiente (quando comparada com antecessores como Martin Schulz, Gianni Pittella ou Udo Bullmann) deputada espanhola Iratxe García que comanda o Parlamento (veja-se mais abaixo a sua pronúncia defensiva e pretensamente desculpabilizante quanto ao presente escândalo e aos meios de o conjurar), enquanto o PPE tem um duvidoso representante dos valores europeus, o alemão Manfred Weber, a distribuir o seu jogo desde 2014 (valha-nos, algo compensatoriamente, a surpreendente lucidez da maltesa Roberta Metsola, que atualmente preside ao Parlamento Europeu). Evito propositadamente referir-me aos portugueses que vão surgindo em lugares de maior ou menor destaque no partido ou na Instituição, além de tudo o que de anedótico também existe revelando quão distanciadas (e aparelhisticamente marcadas) são de há muito as escolhas do PS e/ou do PSD em relação a uma desejavelmente prévia definição de perfis e estratégias a prosseguir ― existiriam, no entanto, algumas escassas e honrosas exceções a salientar.
O meu ponto é, pois, o seguinte: não vejo maneira de alterar de cima a baixo todos os procedimentos acordados a nível europeu e envolvendo 27 países com modos de estar e culturas políticas assaz diferenciadas, antes tendo a sustentar a chamada ao centro da resolução de problemas desta natureza e equivalentes a política na sua plena expressão. É para o que de essencial servem os partidos e é também para o que serve o exercício do poder nos Estados nacionais e, correspondentemente, no Conselho Europeu. O resto são tretas e palavras sem outra substância que não seja a de limpar consciências e tentar encher o olho de cidadãos cada vez menos incautos e cada vez mais assediados por populismos perigosos.
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