(Uma referência mais aprofundada sobre o SLOUCHING TOWARDS UTOPIA – An Economic History of the Twentieth Century de Bradford DeLong estava há muito prometida. As 605 páginas da obra, incluindo notas e índice onomástico, inspiram respeito a qualquer um, mas embora o inglês de Brad não seja propriamente manteiga, a leitura flui correntemente à medida que tomámos contacto com a qualidade do argumento, a consistência teórica da análise do crescimento económico e sobretudo a capacidade inesgotável do autor de colocar evidência robusta nas suas interpretações menos canónicas. O Slouching Towards Utopia é uma interpretação estimulante do período em que o capitalismo pareceu poder realizar a utopia do económico servir o bem-estar de todos, vencendo as agruras do malthusianismo, ou seja, gerar crescimento económico capaz de acomodar o crescimento demográfico e ir além disso.
O longo, longo século estudado no livro é periodizado pelas referências de 1870 e de 2010, associando à primeira o clique da relação entre desenvolvimento tecnológico e crescimento económico, um conjunto de forças que permitiu ir além do mero restabelecimento da produtividade após acomodar o crescimento demográfico e à segunda data o fim de uma era e das esperanças por ela suscitadas.
Esta periodização choca com o argumento frequente de associar à Revolução Industrial dos fins do século XVIII a emergência decisiva do capitalismo e dos ritmos de crescimento económico. DeLong não desvaloriza a importância das mudanças observadas no Reino Unido dos fins do século XVIII, reconhece a sua existência, mas defende a tese de que só após 1870 a relação tecnologia-crescimento económico retira as sociedades mais desenvolvidas da pressão demográfica, para iniciar uma caminhada imparável em que não mais o crescimento demográfico foi constrangimento e a pobreza agrária foi ultrapassada: “Antes de 1870, sucessivamente, a tecnologia perdeu a sua corrida com a fecundidade humana, à velocidade a que nos reproduzimos. Maiores números, combinados com escassez de recursos e uma lenta evolução da inovação tecnológica, geraram uma situação na qual muitas pessoas, a maior parte do tempo, não podia ter confiança de que num ano essas pessoas e as suas famílias teriam o suficiente para comer e ter um teto por cima das suas cabeças.”
As mudanças observadas em torno de 1870 teriam de ser poderosas para justificar a nova era. De Long trabalha sobretudo três mudanças de largo espectro: o aparecimento do Laboratório de Investigação e Desenvolvimento nas empresas (a I&D empresarial organizada), a emergência das grandes empresas verticais integradas e a globalização com as poderosas alavancas do transporte marítimo e ferroviário a baixo preço e a revolução das telecomunicações. Poderá discutir-se se a explicação dada por DeLong para a I&D empresarial sob a forma de laboratórios organizados cobre integralmente o advento da relação invenção-inovação em larga escala. Mas as evidências trazidas pela obra são muito convincentes quanto à revolução das mudanças profundas que as últimas três décadas do século XIX trouxeram.
Paradoxalmente, e essa é talvez uma das dimensões mais apaixonantes do livro, é o facto deste longo, longo século que colocou o capitalismo à beira da utopia da libertação pelo económico das agruras da vida de todos, ter albergado na sua duração duas Guerras Mundiais devastadoras, a guerra atómica, as atrocidades nazis do Holocausto e outros genocídios.
E, à medida que se entrava no século XXI e o progresso tecnológico parecia dar sinais de esgotamento visto pelo lado dos números da produtividade, a ocorrência de situações cada vez mais generalizadas de injustiça racial, de incapacidade de proteção dos mais vulneráveis, do incremento da desigualdade e mais recentemente a incapacidade do crescimento económico conviver com a sustentabilidade ambiental, adaptação climática e uma economia de baixo carbono abria caminho ao fim de uma era.
Não sabemos se um longo, longo interregno se abrirá com desafios de outra natureza – defender a democracia representativa, reequilibrar a distribuição dos recursos à escala mundial e retomar a senda do crescimento da produtividade.
Do ponto de vista mais teórico, a obra de DeLong está alicerçada num duro confronto entre as perspetivas de Friedrich Hayek e de Karl Polanyi, muito centradas no valor do mercado, confronto no qual interferem também Marx e Keynes. Mas essa parte da narrativa tem de ficar para um outro post.
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