(Por mais nervos de aço que a idade nos proporcione não é possível ficar indiferente à mediatização nem sempre rigorosa do agravamento da situação da saúde em Portugal, vertente das urgências hospitalares. Desta vez é a libertação inaudita dos chamados vírus respiratórios com a também inaudita corrida às urgências, horas de atendimento e de espera que ultrapassam todos os parâmetros recomendados, combustível fácil para as opiniões e testemunhos mais incendiários. E, mais do que tudo, regressam os problemas recorrentes dos últimos meses: falta de médicos, equipas incompletas e urgências encerradas por períodos determinados, alguns dias ou semana, demissões em bloco de chefes de equipa, opiniões e argumentos cruzados, o fantasma do privado, os problemas da formação médica, as modas correntes entre os mais jovens que abominam a medicina familiar, a medicina interna, as especialidades em que o contacto com os contactos é mais intenso e a pressão horária potencialmente mais forte. Ufa! Entretanto, pensar não ofende, dá para questionar o que é que de diferente se tem passado após a demissão da Marta Temido, a anterior ministra da Saúde. Temos um novo Ministro mais e melhor artífice da relação com a comunicação social e os jornalistas, uma nova equipa ministerial e um CEO para saúde com grande reputação profissional. Alguém me diz o que é que mudou ou, pelo menos, o que é que está em vias de mudar?
Com o regresso dos temas recorrentes, que sabemos de cor e desejamos ardentemente não experimentar por vivência própria dei comigo a perguntar que tumulto generalizado se teria formado se a Marta Temido ainda andasse por aí, a apagar fogos clínicos, a soçobrar aqui e ali, mesmo com a lágrima ao canto do olho? Não seria de excluir algo de parecido com um linchamento mediático, mas não é isso que tem sido notório. As reportagens televisivas continuam por aí, mais ou menos sensacionalistas, melhor ou pior colocadas no seu devido contexto. O Ministro vai falando, nem uma palavra do CEO, que se estima estar a trabalhar em soluções e Temido haverá de pensar que raio é que lhe aconteceu.
Estima-se que a presença do CEO ofereça proximamente outras propostas ou modalidades para a gestão do curto prazo e receio que a resposta mais prolongada no tempo à raiz dos problemas esteja a ser engolida pela qualidade e perícia da gestão do curto prazo. Mas cada mês ou trimestre em que o avanço para as soluções de fundo não avance mais problemático é o contexto a partir do qual a transformação tem de ser feita. Entretanto, os médicos estarão mais velhos, a fuga para o privado continua a intensificar-se (em direção aos braços e à influência de modelos de gestão bem mais rigorosos, o que dá que pensar …), os tiques das preferências dos jovens médicos estarão mais robustos e insensíveis, só para falar nos aspetos mais mediatizados.
Entretanto, os problemas estão cada vez mais territorializados: pelo que tenho ouvido é na grande aglomeração metropolitana de Lisboa que o fogo está essencialmente instalado. Curiosamente, ninguém pelo menos aparentemente tem pensado sobre o peso das externalidades negativas que a concentração na aglomeração de Lisboa está a provocar, das quais os problemas das urgências hospitalares por essas paragens são uma manifestação clara.
Alguém me diz alguma coisa sobre o que é estará para mudar que justifique o modelo da centralização no CEO e a chegada de um novo Ministro, artífice da boa imprensa e da melhor compreensão de um Bastonário que não por acaso até tem aparecido menos?
Perguntar para melhor pensar não ofende!
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