quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A PALAVRA QUE A ECONOMIST ESCOLHEU …

 


(O ano caminha a ritmo apressado para o seu fim, mais um lá vai, o que para septuagenário começa a ter algum significado, e por essa via vão proliferar aquelas irritantes notícias sobre o melhor e o pior, o assim-assim do ano que finda, como se não houvesse coisas mais interessantes para passar o tempo. Mas, por vezes, há escolhas que nos surpreendem, se calhar não pelo seu valor intrínseco, mas fundamentalmente pela relação entre quem emite e o que é emitido. A revista Economist está neste último universo e hoje quando lia a apresentação do número que marcará a próxima semana dei comigo a pensar que aqui está uma escolha sobre um tema ao qual não temos provavelmente concedido a nossa melhor atenção.)

 

O tema das revistas ou revisões do ano que finda tem barbas. Não sou propriamente um maníaco dos arquivos mentais de factos, evidências, prémios, destaques, recordes ou outras formas de assinalar o que se destaca no meio de tanto frenesim comunicacional. Neste ano que finda, as instituições europeias, neste caso o Parlamento Europeu, sofre um abalo superior ao impacto das explosões na devastada Ucrânia e chega no pior momento possível para a afirmação dessas instituições e sobretudo para a confiança que é necessário construir na relação entre os cidadãos europeus, as suas instituições e os protagonistas que as representam ou nelas trabalham. As acusações de corrupção com montes de notas ao barulho que pesam sobre a Vice-Presidente do Parlamento Europeu e sobre o seu companheiro, com o corruptor vindo das terras do Catar, constituem um abalo de grau máximo, restando a curiosidade de saber que contornos finais vai a brincadeira atingir.

Numa altura em que a força das circunstância determinadas pela invasão russa da Ucrânia abria uma oportunidade única à União de robustecer o solo que pisa, Comissão Europeia, Conselho Europeu, Parlamento Europeu e outras instituições, o envolvimento da Vice do Parlamento Europeu em práticas e negócios obscuros traz um rude golpe a esse cerrar de fileiras e abre de novo o caminho da desconfiança. Putin e outros intérpretes do populismo mais escancarado agradecem.

Imaginaria que a Economist (Culture - Johnson) na sua escolha da palavra do ano andasse pelos temas da guerra, da inflação ou do desgaste da democracia atingida em tantas frentes. Mas não foi esse o caso. A revista escolheu uma palavra que corporiza uma tendência que a consumar-se pode representar uma das mais intensas reorganizações da vida como a queremos viver, sobretudo no que diz respeito à organização do tempo, de como nos deslocamos e da forma como queremos articular o trabalho e o lazer.

Pois a escolha apontou para “trabalho híbrido” (Hybrid work).

O contexto para esta palavra é o da procura de um equilíbrio entre as opções do antes da pandemia e do imediatamente após essa mesma pandemia. O trabalho remoto surgiu no seio dos confinamentos como uma solução, para os que puderam aderir a essa solução, de manter o trabalho enquanto se protegiam a si próprios, protegiam os outros e suscitavam à organização das empresas, dos consumidores e dos trabalhadores importantes desafios e adaptações.

Imediatamente se percebeu que a generalização sem limites do trabalho remoto era uma utopia não concretizável. Como acontece em regra nestas coisas, procuram-se equilíbrios razoáveis. Quem experimentou regularmente o trabalho remoto apercebe-se rapidamente de uma ideia que pode ser uma conquista – a da flexibilidade da organização do tempo de trabalho e, como sabemos, essa organização passa também por uma miríade de outras condições: a distância casa-trabalho; as condições em que se vive; a mobilidade; as características técnicas do que fazemos; a relevância do conhecimento tácito e do “face-to-face” nos nossos processos de trabalho e de produção de conhecimento, a organização do espaço público e do território, a qualidade das infraestruturas e da transformação digitais e sei lá o que mais.

O trabalho híbrido ou misto presencial e à distância é provavelmente uma forma mutante que ainda não estabilizou os seus contornos de evolução

mas todos percebemos que poderemos estar à beira, não de um ataque de nervos, mas antes de profundas mudanças na organização social e das empresas.

Pela parte que me toca se não fosse o trabalho híbrido talvez já não estivesse a trabalhar.

 

 

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