(Não é propriamente uma comparação obsessiva, mas este blogue não deixa de acompanhar tudo o que se vai passando na economia e na política espanhola. Não faltam razões para justificar esse interesse. Mas talvez o mais importante seja a de acompanhar as dificuldades notórias que a direita do PP liderada pelo galego Feijoo está a sentir para capitalizar o desgaste indiscutível do governo de Sánchez e dos seus equilíbrios altamente instáveis. No acompanhamento dessa questão estão lá os temas relevante de construção de uma alternativa política de poder. Está, por exemplo, a tentativa de capitalizar a degradação das condições económicas e de vida geradas pela guerra da Ucrânia, pela disrupção inflacionista e pela deterioração do poder de compra das classes médias e mais desfavorecidas. Está também o problema das linhas vermelhas ou das zonas nebulosas entre a direita que se afirma democrática e a influência para a governabilidade da extrema-direita desbocada, racional e nacionalista no sentido do espanholismo mais retrógrado. Estão também na equação questões como as dificuldades de afirmação de uma esquerda mais radical protagonizadas pelas agruras do PODEMOS e do projeto SOMAR da Vice-Presidente do governo de Sánchez, a também galega Yolanda Diáz. Por todas estas razões, não custa nada, antes pelo contrário, cativa ter a Espanha ao lado no canto do olho …
O raciocínio, hoje talvez simplista, mas na altura reconhecido como válido, que a direita fez quando Feijoo tomou as rédeas do PP foi mais ou menos este: sendo Feijoo mais confiável e com provas dadas do que o inexperiente e algo volúvel Pablo Casado, a degradação do clima económico espanhol no rescaldo pandémico combinada com o desgaste do governo de Sánchez, atolado em equilíbrios instáveis para aguentar o poder, abriria um tapete vermelho à passagem de Feijoo em direção ao poder.
A dimensão do argumento baseada na degradação do clima económico ganhou ainda mais força quando a invasão russa da Ucrânia, a destemperada crise energética que aí se forjou, ampliando sinais anteriores resultantes da explosão de procura pós-pandémica e das disrupções de oferta não totalmente colmatadas e, posteriormente, o destempero inflacionista reforçaram as esperanças da direita. Sánchez não é propriamente um Pedro sempre-em-pé inorgânico e fácil de abater. O primeiro-espanhol foi resistindo com tudo o que estivesse à mão. Jogou com alguma dimensão internacional que lhe é oferecida, pela envergadura da Espanha, manejou por vezes para lá dos limites aceitáveis com o apoio das forças independentistas para fazer passar medidas legislativa de proteção dos espanhóis mais desfavorecidos e da classe média, acenou sempre que necessário com o espantalho do VOX e da permissividade do PP, conseguiu mitigar a estrondosa vitória do PP na Andaluzia sobretudo pelo isolamento do VOX que ela permitiu e foi sempre desafiando o PO de Feijoo a desmontar a ideia de que a oposição não estava na liderança do PP mas na presidência da Comunidade de Madrid, Isabel Ayuso, tão destemperada como a extrema-direita.
Acompanhando de perto a economia e a política espanholas em simultâneo e procurando compreender a interação entre as duas, foi sendo possível compreender uma estranha relação entre as duas.
Por um lado, a ideia do catastrofismo económico foi-se diluindo à medida que a situação macroeconómica dava sinais de resistência e de dinamismo quanto baste face ao pior que era esperado. Mesmo o fantasma inflacionista permitiu confirmar que a economia espanhola era em novembro de 2022 a economia com mais baixa taxa de inflação mensal (estimativa de 6,6%), inferior à França, que superava a Espanha em outubro. A evolução dos gastos sociais fazia o resto, fornecendo uma imagem efetiva de proteção social no pior dos mundos possíveis.
Por outro lado, começava a arrefecer aquele entusiasmo que a liderança de Feijoo tinha criado para a esperança de alternativa antes da legislatura de Sánchez terminar. As sondagens, não as do CIS de Texanos, sistematicamente acusadas de beneficiar o governo, mas as patrocinadas por jornais de direita liberal e insuspeitos no apoio ao governo de Sánchez como o popular El Español, continuaram a dar o PP como força política mais votada mas claramente em perda de estrondo eleitoral. O contundente diretor do El Español Pedro J. Ramirez assina hoje no seu incontornável El Rugido del León um artigo “Por qué ni la sedición ni el 'sí es sí' desgastan a Sánchez”, especialmente importante para comprender a resistência eleitoral de Sánchez. Se o ambiente macroeconómico de hoje fosse transposto por si só para o das eleições no seu tempo certo após a aprovação do Orçamento de 2023 no Congresso de Deputados, poderia dizer-se que muito provavelmente não seria a situação macroeconómica a explicar os resultados possíveis. Sánchez blindou em parte a sociedade espanhola, especialmente a classe média e a mais desfavorecida, contra os efeitos mais tenebrosos da crise energética. E há muito boa gente que se pergunta se a perda de entusiasmo da direita orgânica e alargada com Feijoo não se deve precisamente à queda com estrondo do catastrofismo económico que catapultou os resultados iniciais de Feijoo.
A comparação com as agruras do governo PS em Portugal não é espontânea. O governo de António Costa não enfrenta as dificuldades que Sánchez tem de domar diariamente no âmbito dos seus equilíbrios difíceis com as forças independentistas. Mas tem as suas inconsistências internas e erros de cálculo e de casting que se têm sucedido para nosso espanto. Não sei o que mói mais. Se as acrobacias de Sánchez, por vezes sem rede, com as forças independentistas para fazer passar o que interesse e veicula a continuidade no poder se as inconsistências e incongruências governativas cá do burgo. Portugal não está a revelar o dinamismo económico de Espanha e a inflação portuguesa está pelo menos 3 p.p. acima da espanhola. Para compensar, Montenegro é um arremedo de Feijoo, o Chega não chega aos calcanhares do VOX, o PCP tenta recompor-se e o Bloco ao pé do Podemos é um copinho de leite, por muito que custe a Louçã.
Tirem as vossas consequências.
Faites vos jeux, rien ne va plus …
Nota final
Depois de algum alvoroço, Sevilha ficará com a sede da Agência Espacial Espanhola e A Corunha com a da Agência de Supervisão da Inteligência Artificial. E assim se vai fortalecendo a Espanha fora de Madrid.
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