sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

FROZEN

(Está um frio de rachar, mas o título da crónica de hoje nem é o resultado do tiritar quando se vai à rua, nem será uma digressão sobre alguns brinquedos da meninada, sempre atenta aos catálogos de Natal. A crónica é inspirada pela capa da revista da Economist da semana que hoje termina para dar origem a um novo número, que não deixou indiferente a Clara Ferreira Alves no Eixo do Mal de ontem, com este programa/tertúlia a perder força, vivacidade e senso semana a semana. A capa da revista, sob fundo preto para dar mais solenidade ao alerta, tem por título Frozen Out – How the world is leaving Europe behind, o que em tradução mais ou menos livre significa “Congelada – Como é que o mundo está a deixar a Europa para trás”.)

 

Quem vê de fora e com distância nestas coisas das trajetórias de futuro vê sempre melhor e a Economist costuma ter a perspetiva certa. A Europa, seja a do Euro, seja a da União, e as suas cabeças pensantes têm andado focadas no apoio à Ucrânia, sobretudo sempre com a preocupação de não abrir fissuras nesse apoio, na maneira algo desesperada de recuperar a tempo de erros trágicos cometidos no passado recente em termos de autonomia energética (a Senhora Merkel está calada que até doi) e na tentativa de conter as derivas de degeneração democrática que grassam na Polónia, na Hungria e em Itália e que ameaçam na Alemanha. Por vezes, parece que toda a gente dá por adquirida a ideia de que o não homogéneo Estado ou modelo social europeu é indestrutível, mas ninguém se interroga sobre a questão de saber se afinal é tão indestrutível o que é que explicará tantas manifestações de descontentamento que agitam a opinião pública e a vida social de alguns países com a França à frente desse paradoxo.

O alerta da Economist assenta fortemente na simultaneidade de uma crise energética, que alguém provocou e que a própria Europa facilitou pela leviandade com que traçou o seu caminho nessa matéria, e questões ou ameaças de natureza geopolítica que segundo a revista irão enfraquecer irremediavelmente.

Quando percorremos a nova temporada da Crown na Netflix e a relacionamos com o significado simbólico da morte da Rainha Isabel II, tendemos a elaborar sobre o fim de uma era e a acusar os Brexiters que estão a laborar numa ilusão profunda de que o tempo volta para trás, de que o Império Britânico já era mas poderá voltar a ser e que a morte da Rainha fez desaparecer alguém que deu aos britânicos a ideia de que nada mudara. Mas ao fazê-lo estamos a ignorar deliberadamente que a Europa sem Reino Unido vive também na ilusão de uma excecionalidade de prestígio, de referenciais, de dimensão económica e de guardião da democracia. Não estaria tão ciente dessa excecionalidade. Quase impercetivelmente a grande ameaça do inverno demográfico continua esquecida, até porque a geração que ainda tem memória do que foi a progressão do pós-2ª Guerra Mundial em que verdadeiramente a Europa que conhecemos se construiu, sobretudo a que tem posses para isso, vive para rumar ao sul de França, de Espanha ou de Portugal ou para alguma ilha grega paradisíaca e lá gozar os últimos raios de sol das suas vidas e não pensar nos problemas.

Como o artigo inicial da Economist assinala, a Europa vive num torpor de negação da necessidade de construir a sua própria defesa e de lutar de novo por um lugar na geopolítica mundial. A revista fornece dados alarmantes sobre as decisões de investimento de algumas empresas europeias de grande dimensão e posição na economia global que começam a rumar aos EUA seguindo não propriamente o Make America Great Again de Trump mas os esforços de Biden de reconstruir um tecido industrial americano e também de politica energética e de transportes. E a sensação que se instala pelo mundo de que a Europa não manda e tende para a irrelevância na geopolítica mundial não é mais do que o reverso do que foi dito anteriormente.

Até o futebol do mal-amado Mundial parece querer dar razão a tudo isto. Depois de passarmos aos oitavos com duas grandes penalidades oferecidas sabe-se lá porque erro de apreciação, de Ronaldo marcar um golo sem o marcar fisicamente mas fazê-lo telepaticamente e enganando com o seu salto o desamparado guardião do Uruguai e de sucumbirmos hoje perante uma Coreia do Sul de antes quebrar do que torcer, a transição demográfica de duas grandes mas envelhecidas equipas, a Alemanha e a Bélgica, levou-as a fazer as malas mais cedo. E mesmo a Espanha esteve por um triz, atónita perante um Japão com determinação dos velhos tempos.

Cada vez mais simbólico este mal-amado mundial.

 

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