terça-feira, 14 de novembro de 2017

CONVERGÊNCIA SOCIAL




(Ecos preliminares de um novo exercício de reflexão para um trabalho coletivo dinamizado no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, por convite e iniciativa da colega e amiga de sempre Maria Pilar González)

Dois papers já aqui assinalados são o resultado de convites simpáticos da Pilar para me associar à dinâmica de um grupo de trabalho criado no âmbito das atividades de investigação da OIT, sob a liderança de Daniel Vaughan-Whitehead. O primeiro versou sobre os impactos da crise nas manifestações do modelo social europeu em Portugal. O segundo aprofundou o tema das classes médias no contexto desses mesmos impactos. Os dois trabalhos e as duas experiências que acompanharam a sua elaboração foram bálsamos para um doloroso abandono das atividades académicas. As duas obras coletivas publicadas na prestigiada Edward Elgar massajam-me o ego quando as vislumbro numa estante cada vez mais difícil de gerir e organizar.

A mesma bondade do convite estende-se a um novo trabalho dinamizado pelo incansável Daniel Vaughan-Whitehead. O tema é agora o seguinte: “Industrial relations in Europe: Fostering equality at work and cross-country convergence” (Relações industriais na Europa: promover a igualdade no trabalho e a convergência entre países). Trata-se de tema a crescer de importância, à medida que o mundo do trabalho passa por transformações ainda não totalmente avaliadas, que o pilar social europeu se esforça por emergir sustentadamente na agenda política europeia (link aqui) e que a questão das reformas estruturais teima em ser capturada por agendas pouco recomendáveis.

Mas ao interesse do tema corresponde uma incontornável complexidade metodológica, sobretudo porque tudo acontece num projeto em que a análise comparativa entre experiências europeias (a Comissão Europeia aparece associada a este trabalho) traz exigências acrescidas. Trazer o tema das relações industriais (industrial relations), ou seja todo o contexto económico e institucional das relações entre empregadores e trabalhadores, e relacioná-lo com a extensão do conceito de convergência às questões sociais é simultaneamente aliciante e uma carga de trabalhos em termos conceptuais e metodológicos.

Do ponto de vista conceptual, o conceito de convergência (económica) está razoavelmente desenvolvido na economia política e com o apoio da econometria e da análise estatística a sua quantificação tem evoluído consideravelmente. Três conceitos dominam o panorama, que exponho em termos de divulgação. A convergência (beta) absoluta compara, para um dado período de referência, taxas de crescimento, por exemplo, de produto per capita de países mais desenvolvidos e de menos desenvolvidos. Existe convergência absoluta se os menos desenvolvidos crescerem a ritmos mais elevados. Existe divergência absoluta se suceder o contrário. A chamada convergência (beta) condicional compara também taxas de crescimento, mas controla essas taxas por fatores diversos (educação, organização, dimensão, dotação de recursos naturais e tantos outros) que podem influenciar as taxas de crescimento de equilíbrio a longo prazo. Se as economias menos desenvolvidas, controlando o seu ritmo de crescimento pelos fatores que o podem rebaixar a longo prazo, crescerem a ritmos mais elevados então existirá convergência condicional. Finalmente, a chamada convergência sigma é tão só um indicador de disparidades de produto per capita entre países. Existirá convergência se essas disparidades diminuírem num dado período de referência. Os consensos quantitativos apontam, grosso modo, para a inexistência de convergência absoluta na economia mundial, para a existência de convergência condicional nesse mesmo universo e para que a evidência sobre a convergência sigma seja mais variada.

A afirmação da chamada convergência económica no seio da Comissão Europeia explica-se sobretudo pela maior facilidade da sua operacionalização para efeito de suporte à política de alocação de Fundos Estruturais na União. A utilização do produto (rendimento) per capita (à paridade dos poderes de compra, como é óbvio) para medir os progressos ou recuos da convergência é um caso típico de hipocrisia estatística. Toda a gente malha no indicador, financiam-se imensos relatórios sobre a sua desconstrução, pisca-se o olho à economia da felicidade e a outros domínios para se ir além do produto. Mas quando é preciso trabalhar sobre números para se operacionalizar quem beneficia ou não beneficia lá aparece o produto per capita, recebemo-lo em casa, agradecermos a sua visita e esquecemos que o queríamos desconstruir.

É claro que todos conhecem o seu similar mais estabilizado, o indicador de desenvolvimento humano utilizado pelas Nações Unidas, glosado em diferentes direções. Por exemplo, em Portugal, tem-se trabalhado (é o INE que o faz) em indicadores sintéticos de desenvolvimento NUTS II e NUTS III que incluem a dimensão económica, a ambiental e a social (coesão). Mas também sabemos que não foi fácil estabilizar a agenda e a métrica do desenvolvimento humano nas Nações Unidas. Alguns países menos desenvolvidos (agora parece ser politicamente incorreto falar de subdesenvolvimento) porfiaram e resistiram à inclusão no conceito de algumas dimensões normativas, como por exemplo a desigualdade, os direitos à liberdade e a igualdade de género.

As dificuldades de progressão do chamado pilar social europeu (link aqui para a síntese mais recente sobre a matéria) antecipam de certo modo a dificuldade de projetar um conceito de convergência social e, principalmente, de o operacionalizar. A ideia de convergência social significa evolução para um dado estado, o que pressupõe estabilização de dimensões de análise e de um referencial. A primeira questão acaba por ser a mais fácil, se formos pragmáticos e se renunciarmos, sabiamente, à procura do indicador compósito perfeito e à bateria de indicadores sociologicamente pura. A informação de caráter social tem melhorado bastante, mas quanto mais melhoria observada mais difícil é a escolha. Já a questão do referencial tem que se lhe diga, embora possamos ser também pragmáticos e considerar que o modelo escandinavo pode ser um referencial para a convergência social. Mas será o referencial? Pode o referencial do modelo social escandinavo dissociar-se do seu modelo económico? Não será ele também uma “instituição” em movimento?

Acresce que, no caso português, se junta a historicamente recente emergência do modelo social num contexto de atraso estrutural. A carga institucional é pesada e a eventual convergência acontece provavelmente em simultâneo com a transformação de alguns desses pesos institucionais, exigindo uma rigorosa contextualização da evolução dos indicadores quaisquer que eles sejam. Veja-se, por exemplo, as particularidades portuguesas em termos de peso de trabalhadores mal pagos (low paid workers), de pensões baixas ou de percentagem de desempregados não coberta por regimes de subsídios de desemprego.

Antevejo longas discussões no seio do grupo de trabalho (que a Pilar saberá como sempre dirimir) e uma carga de trabalhos para evitar o discurso do particularismo nacional.

Ao trabalho.

Sem comentários:

Enviar um comentário