(Ecos
preliminares de um novo exercício de reflexão para um trabalho coletivo
dinamizado no âmbito da Organização Internacional do Trabalho, por convite e iniciativa da colega e amiga
de sempre Maria Pilar González)
Dois papers
já aqui assinalados são o resultado de convites simpáticos da Pilar para me
associar à dinâmica de um grupo de trabalho criado no âmbito das atividades de
investigação da OIT, sob a liderança de Daniel Vaughan-Whitehead. O primeiro
versou sobre os impactos da crise nas manifestações do modelo social europeu em
Portugal. O segundo aprofundou o tema das classes médias no contexto desses
mesmos impactos. Os dois trabalhos e as duas experiências que acompanharam a
sua elaboração foram bálsamos para um doloroso abandono das atividades
académicas. As duas obras coletivas publicadas na prestigiada Edward Elgar
massajam-me o ego quando as vislumbro numa estante cada vez mais difícil de gerir
e organizar.
A mesma bondade do convite estende-se a um
novo trabalho dinamizado pelo incansável Daniel Vaughan-Whitehead. O tema é
agora o seguinte: “Industrial relations in Europe: Fostering
equality at work and cross-country convergence” (Relações industriais na Europa: promover a
igualdade no trabalho e a convergência entre países). Trata-se de tema a
crescer de importância, à medida que o mundo do trabalho passa por
transformações ainda não totalmente avaliadas, que o pilar social europeu se
esforça por emergir sustentadamente na agenda política europeia (link aqui) e
que a questão das reformas estruturais teima em ser capturada por agendas pouco
recomendáveis.
Mas ao interesse do tema corresponde uma
incontornável complexidade metodológica, sobretudo porque tudo acontece num
projeto em que a análise comparativa entre experiências europeias (a Comissão
Europeia aparece associada a este trabalho) traz exigências acrescidas. Trazer
o tema das relações industriais (industrial
relations), ou seja todo o contexto económico e institucional das relações
entre empregadores e trabalhadores, e relacioná-lo com a extensão do conceito
de convergência às questões sociais é simultaneamente aliciante e uma carga de
trabalhos em termos conceptuais e metodológicos.
Do ponto de vista conceptual, o conceito de
convergência (económica) está razoavelmente desenvolvido na economia política e
com o apoio da econometria e da análise estatística a sua quantificação tem
evoluído consideravelmente. Três conceitos dominam o panorama, que exponho em
termos de divulgação. A convergência (beta)
absoluta compara, para um dado período de referência, taxas de crescimento, por
exemplo, de produto per capita de
países mais desenvolvidos e de menos desenvolvidos. Existe convergência
absoluta se os menos desenvolvidos crescerem a ritmos mais elevados. Existe divergência
absoluta se suceder o contrário. A chamada convergência (beta) condicional compara também taxas de crescimento, mas controla
essas taxas por fatores diversos (educação, organização, dimensão, dotação de
recursos naturais e tantos outros) que podem influenciar as taxas de
crescimento de equilíbrio a longo prazo. Se as economias menos desenvolvidas,
controlando o seu ritmo de crescimento pelos fatores que o podem rebaixar a
longo prazo, crescerem a ritmos mais elevados então existirá convergência condicional.
Finalmente, a chamada convergência sigma
é tão só um indicador de disparidades de produto per capita entre países. Existirá convergência se essas
disparidades diminuírem num dado período de referência. Os consensos
quantitativos apontam, grosso modo, para a inexistência de convergência
absoluta na economia mundial, para a existência de convergência condicional
nesse mesmo universo e para que a evidência sobre a convergência sigma seja
mais variada.
A afirmação da chamada convergência económica
no seio da Comissão Europeia explica-se sobretudo pela maior facilidade da sua
operacionalização para efeito de suporte à política de alocação de Fundos
Estruturais na União. A utilização do produto (rendimento) per capita (à paridade dos poderes de compra, como é óbvio) para
medir os progressos ou recuos da convergência é um caso típico de hipocrisia
estatística. Toda a gente malha no indicador, financiam-se imensos relatórios
sobre a sua desconstrução, pisca-se o olho à economia da felicidade e a outros domínios
para se ir além do produto. Mas quando é preciso trabalhar sobre números para
se operacionalizar quem beneficia ou não beneficia lá aparece o produto per capita, recebemo-lo em casa,
agradecermos a sua visita e esquecemos que o queríamos desconstruir.
É claro que todos conhecem o seu similar mais
estabilizado, o indicador de desenvolvimento humano utilizado pelas Nações
Unidas, glosado em diferentes direções. Por exemplo, em Portugal, tem-se
trabalhado (é o INE que o faz) em indicadores sintéticos de desenvolvimento
NUTS II e NUTS III que incluem a dimensão económica, a ambiental e a social
(coesão). Mas também sabemos que não foi fácil estabilizar a agenda e a métrica
do desenvolvimento humano nas Nações Unidas. Alguns países menos desenvolvidos
(agora parece ser politicamente incorreto falar de subdesenvolvimento)
porfiaram e resistiram à inclusão no conceito de algumas dimensões normativas,
como por exemplo a desigualdade, os direitos à liberdade e a igualdade de
género.
As dificuldades de progressão do chamado
pilar social europeu (link aqui para a síntese mais recente sobre a matéria)
antecipam de certo modo a dificuldade de projetar um conceito de convergência
social e, principalmente, de o operacionalizar. A ideia de convergência social
significa evolução para um dado estado, o que pressupõe estabilização de
dimensões de análise e de um referencial. A primeira questão acaba por ser a
mais fácil, se formos pragmáticos e se renunciarmos, sabiamente, à procura do
indicador compósito perfeito e à bateria de indicadores sociologicamente pura.
A informação de caráter social tem melhorado bastante, mas quanto mais melhoria
observada mais difícil é a escolha. Já a questão do referencial tem que se lhe
diga, embora possamos ser também pragmáticos e considerar que o modelo
escandinavo pode ser um referencial para a convergência social. Mas será o referencial? Pode o referencial do
modelo social escandinavo dissociar-se do seu modelo económico? Não será ele
também uma “instituição” em movimento?
Acresce que, no caso português, se junta a
historicamente recente emergência do modelo social num contexto de atraso
estrutural. A carga institucional é pesada e a eventual convergência acontece
provavelmente em simultâneo com a transformação de alguns desses pesos
institucionais, exigindo uma rigorosa contextualização da evolução dos
indicadores quaisquer que eles sejam. Veja-se, por exemplo, as particularidades
portuguesas em termos de peso de trabalhadores mal pagos (low paid workers), de pensões baixas ou de percentagem de
desempregados não coberta por regimes de subsídios de desemprego.
Antevejo longas discussões no seio do grupo
de trabalho (que a Pilar saberá como sempre dirimir) e uma carga de trabalhos
para evitar o discurso do particularismo nacional.
Ao trabalho.
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