(Numa semana em
que a discussão do Orçamento Geral do Estado para 2018 petrificou a ação
política, o conflito entre o PS e o Bloco de Esquerda sobre a (não) taxa sobre
as energias renováveis acabou por se sobrepor a toda a discussão. Vejo aqui matéria muito relevante para
compreendermos os verdadeiros limites da governação no Portugal concreto de
hoje)
Se não fora a severidade da seca e a
necessidade de intervenção coerente e rigorosa para mitigar os seus efeitos e os
ecos que ainda perduram da tragédia dos incêndios, a discussão do OGE para 2018
teria concentrado, aliás como sempre, toda a energia da ação política.
Interrogo-me sempre se teria de ser assim. Não tenho a ideia de que o seja
noutros países, pelo menos nos que não esgotam a “accountability” da ação pública no orçamento. Sou dos que sustentam
que a ausência de uma lógica plurianual na definição das opções de alocação de
recursos públicos gera um efeito perverso, favorecendo a lógica utilitarista do
ciclo eleitoral e penalizando visões estratégicas a mais largo prazo. Os
documentos de enquadramento de médio prazo já se perderam na memória dos
portugueses. Assim também se perderam os tímidos ensaios para estabelecer uma
lógica de programação plurianual dos investimentos públicos. Os próprios
mecanismos de controlo orçamental estrutural vindos das bandas de Bruxelas
contribuem para esse afunilamento. O que eu quero essencialmente dizer é que o
desproporcionado impacto da discussão do orçamento em Portugal é um sinal do
atrofiamento da governação, não me parecendo saudável que as energias (palavra
perigosa por estes dias) se esgotem neste instrumento. Até porque ninguém liga
pevide à homónima Conta Pública (os valores ex-post,
efetivamente gastos). Confesso, ainda, que não tenho grandes esperanças que
isto mude.
Considero, por isso, surpreendente que o eco
orçamental tenha sido na parte final esmagado pelo conflito das renováveis
entre o PS e o BE. Confirma-se que a governação tem sido uma permanente
caixinha de surpresas. E a comunicação social, tal como está, agradece
reconhecida.
Para situar bem a questão devo realçar que a
questão energética em Portugal constitui em meu entender um indicador relevante
do estado debilitado da nossa democracia. Como cidadão com formação económica
bastante para compreender o problema, tenho de reconhecer que não foi ainda
devidamente explicado aos portugueses o racional e a coerência da aposta nas
renováveis e principalmente o seu financiamento. Não tenho qualquer problema em
reconhecer que não consigo incorporar toda a informação relevante para um juízo
esclarecido e rigoroso sobre o sentido da aposta e a culpa não é minha. Os
portugueses não têm à sua disposição informação criteriosa que lhes permita
fazer o trabalho de casa. Não será certamente por acaso.
E o que é mais estranho é que, nas condições
atuais em que a descarbonização das economias entra pelos nossos olhos dentro
como uma imperiosa necessidade, apesar do estado de negação climática que por
aí campeia, a opção pelas renováveis aparenta ser algo de inevitável. Mas
quando começamos a esgravatar para aprofundar o juízo, percebemos que as
eólicas, a energia solar e outras mais sofisticadas como a energia das ondas,
representam casos diversos. Intui-se que os custos são diferenciados. E quando
se entra na questão da subsidiação para compreender as políticas praticadas, as
sombras começam a pairar e emerge a falta de clareza das apostas em termos de
custos de financiamento. E sabemos ainda que, à paridade de poder de compra, os
portugueses pagam relativamente caro a energia. Para complicar, as
privatizações foram tudo menos o que deviam ser, claras e por essa via o país
tornou-se mais dependente, pasme-se, do capitalismo de estado chinês.
Um grande imbróglio e caros senhores das
renováveis vejam se escolhem um personagem mais estimulante para representar a
Associação das Empresas Produtoras de Energias Renováveis, pois com prestações
como aquela, moderada pela Ana Lourenço, em disputa com Jorge Costa do BE na
RTP 3, abandonem a ideia de que vão ser algum dia compreendidos.
Mas para além do incidente político tão a
gosto do nosso voyeurismo
jornalístico, vejo neste episódio matéria de grande alcance para compreender as
limitações da governação no Portugal concreto de hoje. Limitações que deveriam
ter uma clara explicitação a bem do escrutínio político e do posicionamento
político futuro dos eleitores.
Pelas notícias que vieram a público, António
Costa terá em última instância feito o papel de governador pragmático (sabe-se
lá que telefonemas ou mensagens terá recebido), mostrando aos seus colegas de
governo que a taxa proposta pelo BE iria ter profundas implicações nos
investidores internacionais e no seu padrão de opções para Portugal. Implicações
que certamente extravasariam o campo das renováveis, dada a abrangência de
alguns dos conglomerados empresariais envolvidos. Gostaria de conhecer mais em
pormenor tais implicações e as consequências também apregoadas em termos de
litigância internacional, que também foram afloradas. Até aqui nada de muito
relevante, quem está na governação é para isso mesmo, é para tomar decisões
ponderando a abrangência dos seus efeitos. O que parece mais questionável é o
facto de na composição do governo essa questão parecer não estar clara, pois
terá havido, sujeito a confirmação, representantes que concordavam com a
proposta do BE.
Do lado do BE, dir-se-á que as empresas
energéticas não são intocáveis e que a subsidiação implícita na não taxa é
relevante e penaliza o consumidor. Vital Moreira ficou abespinhado e aproveitou
para zurzir no BE repisando a sua velha tese do “radicalismo anti-negócios” e até mereceu honras de citação por
parte do tal personagem da Associação das Renováveis. E lá entramos na velha
questão das rendas das elétricas que os senhores da Troika tanta dificuldade
tiveram em comprometer o governo PAF na sua redução.
Compreendo António Costa e o seu realismo
pragmático nesta matéria. Mas conviria que o eleitor português fosse informado
das limitações da governação nestas matérias para tomar posição consciente
sobre as mesmas. Até porque quem ouvisse o excelente discurso de Pedro Nuno
Santos que fechou na Assembleia o debate orçamental, talvez o documento mais
elaborado alguma vez apresentado por alguém do PS sobre a governação com apoio
parlamentar à esquerda, e o confrontasse com o realismo pragmático do 1º
Ministro ficaria algo zonzo, com tendência para a bipolaridade.
Mas alguém disse que a governação em ambiente
de geringonça era fácil? Eu não.
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