(Eis que
finalmente alguém se atravessa com um contributo para uma nova política de
desenvolvimento global, agora que atravessamos de facto e não apenas como
slogan inconsequente uma nova ordem económica internacional; mas quem se atravessou? Alguém bastante
referenciado neste blogue, Lawrence Summers)
Certamente que se
recordam da utilização do termo “nova ordem económica internacional”. Tantas
vezes ele foi recorrentemente invocado que poderíamos pensar que a ordem económica
internacional é um mutante permanente. Mas durante todas essas tentativas, seguramente
que não vivíamos uma situação como aquela que hoje se atravessa, com a
liderança americana tão contestada, retirando-se de cena em algumas frentes,
tudo fruto de uma administração que anda literalmente aos bonés, em torno da
imprevisibilidade de Trump.
Não admira, por isso,
que a política de desenvolvimento global ande em busca de referenciais,
principalmente pela observação de algumas evidências que não podem ser escamoteadas.
Primeiro, ninguém praticamente
arrisca dizer que a ajuda pública internacional está no bom caminho. Os
resultados de avaliações da efetividade dessa ajuda têm sido devastadores. O
modelo de derramar dinheiro sobre os problemas parece não corresponder a resultados
que aconselhem a persistir no erro. Para além disso, a distância e os escolhos
entre dadores e destinatários finais dessa ajuda são cada vez um mistério, mais
propriamente um caminho tortuoso em que muito desse dinheiro se perde pelo
caminho, isto é capturado por grupos e interesses pouco recomendáveis.
Depois, não podemos ignorar,
embora com algum enviesamento asiático, que a globalização económica tirou da
pobreza uma magnitude impressionante de pessoas, transformando radicalmente aquela
ideia de outrora de que o crescimento económico estava vedado ao mundo menos
desenvolvido.
E, não menos importante,
a economia do desenvolvimento passa por grande turbulência, sobretudo a partir
do momento em que se compreendeu que muita da ação então desenvolvida pelo FMI não
era parte da solução, mas antes do problema.
Mas pouca gente tem falado
com Voz audível e respeitada sobre estes problemas. Por razões profissionais,
sigo já há bastante tempo o esforço do think-tank Center for Global Development, sediado em Washington, dirigido
durante muitos anos por uma grande dama do desenvolvimento, a professora Nancy
Birdsall. Mais atento fiquei quando Lawrence Summers assumiu a presidência do
CGD. Pois na primeira quinzena deste novembro que flui seco para nossa tragédia,
Summers realizou uma conferência nas instalações do CGD que versa precisamente
o tema que muita gente anda a evitar.
A sua abordagem ao tema
começa pelo lado positivo das coisas, destacando a impressionante melhoria de
indicadores básicos como a taxa de mortalidade infantil, cujas projeções
anunciam melhorias sem par nos nossos referenciais históricos. Simultaneamente,
Summers parte do reconhecimento de que a pobreza já não é hoje um fenómeno generalizado
e associado à falta de recursos. Ela acontece em modalidades de bolsas de
pobreza em países que não poder ser globalmente considerados pobres e sobretudo
a consequência de “estados frágeis e disfuncionais”.
Crítico que baste da
administração de Trump, Summers traz para a reflexão a evidência que tem passado
despercebida de que o alinhamento de interesses entre os EUA e o mundo não
desenvolvido deixou de acontecer. O lema kennediano de não haver preço para assegurar
o sucesso da liberdade perdeu-se irremediavelmente. O populismo americano à moda
republicana e ampliado com a ascensão de Trump inverteu esse princípio,
passando a inscrever a ameaça das economias em desenvolvimento à americana na
agenda política do Senado e do Congresso. E claro que não esquecemos que as
chamadas economias emergentes, com a sua esmagadora poupança disponível, transformaram
radicalmente as condições do financiamento internacional.
Com a devida distinção
entre processos de reconstrução e de desenvolvimento, os primeiros determinados
por uma sucessão de conflitos, desastres naturais e outras calamidades, a
primeira ideia a trabalhar será a de ir mais além da perspetiva de derramar dinheiro
sob a forma de ajuda pública internacional. O que não deve ser confundido
necessariamente com menos despesa, mas seguramente melhor despesa e mais
efetivas condições de monitorização de processos. Em muitos países, de
abundantes reservas internacionais, o problema não está no retorno de empréstimos
internacionais, mas antes na capacidade de implementação de projetos coerentes,
com forte relevo para o fornecimento de bens públicos às populações e perspetivas
claras sobre os públicos a beneficiar, pobres e classes médias emergentes que
devem ser reforçadas a bem da democracia. Os empréstimos podem ser pagos com
maus projetos e viciação dos públicos-alvo e distribuição equitativa dos seus
resultados.
Summers termina com a ideia
de que o mundo não coarctar a dimensão humana da globalização, concretizada
através de movimentos de pessoas. Embora saibamos que essa dimensão foi sempre
a parente pobre da globalização, quando comparada com as suas congéneres da
globalização económica e da globalização financeira.
O presidente do CGD tem
a noção de que a governação mundial não está ainda devidamente preparada para acolher
uma economia com a dimensão da chinesa. Os chineses estão hoje particularmente
ativos e basta pensar na presença forte e diversificada em África, Angola como
exemplo, para o compreender. De qualquer modo, a razão de existir de instituições
como o CGD está no agitar das águas.
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