(O contributo do
Professor Xavier Viegas e da sua equipa para a compreensão e ação sobre a problemática
dos incêndios florestais tem de ser adicionada ao debate precocemente
interrompido com as decisões do Conselho de Ministros; importa sobretudo refletir sobre o
significado do pilar “Pessoas” que a equipa da Universidade de Coimbra traz
para a organização do sistema de defesa da floresta contra os incêndios)
Quando a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento
Regional Centro (CCDRC) teve a amabilidade de, contra algumas vozes socialistas
que se pronunciaram, timidamente diga-se, me convidar para coordenar os
trabalhos técnicos preparatórios do Plano Regional de Ordenamento do Território
da Região Centro tive oportunidade de trabalhar e acompanhar de perto a equipa
do Professor Xavier Viegas (Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da
Faculdade de Ciências e Tecnologia). Essa equipa, em articulação com uma outra
liderada pelo Professor Alexandre Tavares, também da Faculdade de Ciências da Universidade
de Coimbra, que se ocupou da problemática dos riscos naturais e tecnológicos, verteu
para o plano o seu contributo para a organização do vasto território da Região
em matéria de proteção contra incêndios florestais. Apesar dos esforços
realizados pela CCDRC para manter vivo esse pano de fundo técnico do Plano e de
ter concluído negociações com CIM e municípios para a sua publicação em Diário
da República, a verdade é que, tal como da Região Norte, o Plano perdeu-se nos
corredores do governo PAF. Mesmo que os trabalhos técnicos tenham ficado acessíveis
na página da CCDRC dedicada ao Plano, tive pena de que não tivesse tido aprovação
governamental. Os trabalhos honram a vastíssima técnica que tive a honra de
coordenar.
No desenvolvimento desses trabalhos, apercebi-me
cedo da qualidade da abordagem integrada à problemática da floresta e dos riscos
de incêndio que a equipa concebeu. Aliás, não seria de esperar outra coisa,
pois ela resulta de uma vida dedicada à investigação destes temas e sobretudo
com um conhecimento invejável do terreno da Região. Nesses anos de 2008 e 2009,
ninguém ousaria admitir que a letargia na ação nos conduziria aos dramas de
junho e outubro do presente ano. Mas recordo-me dos alertas veementes em algumas
reuniões globais de equipa que o Professor Xavier Viegas vertia para a nossa própria
reflexão.
Quando me apercebi da composição da equipa técnica
dirigida pelo Professor João Guerreiro (Universidade do Algarve) encarregada pela
Assembleia da República de elaborar o chamado Relatório da Comissão Técnica
Independente (CTI), estranhei a ausência do nome de Xavier Viegas. Não sabia então
que o MAI tinha, por sua própria iniciativa, encomendado à equipa de Xavier
Viegas um relatório sobre os acontecimentos de Pedrogão.
Os dois relatórios foram praticamente publicados
em simultâneo, o de Xavier Viegas com a particularidade de ter sido publicado sem
o capítulo dedicado às histórias e razões das perdas de vidas (não faço hoje
ideia se o MAI tenciona ou não tornar público esse capítulo). Mas o facto de
António Costa e o seu governo se terem fixado no Relatório da CTI para modular
a intervenção política de resposta acabou por ofuscar o relatório de XV. A pressa
com que politicamente se pretendeu apagar a letargia da inação inibiu um debate
alargado sobre os dois relatórios e como era necessário esse debate! A nossa
tendência para contrapor os extremos, a letargia na ação e a atuação não pensada
e precipitada, começa a ser preocupante. O principal resultado é a formação de
enormes buracos no complexo pipeline ou
processo de mediação que deveria ligar a produção de conhecimento e a sua
acomodação e tratamento pelo poder político. Estou à vontade para o dizer, pois:
(i) sempre achei que a teoria mais promissora do planeamento é aquela que o
considera como uma operação de ligação entre o conhecimento e a decisão política
(John Friedmann) e (ii) afirmei aqui, preto no branco, que achava o Relatório
da CTI um documento relevante, merecedor de amplo debate.
Não pretendo aqui dissertar sobre o relatório
XV. O próprio autor, num propósito louvável de o divulgar orientadamente para a
opinião pública (veja-se o artigo recente no Público, com link aqui) tem-se
encarregado de puxar pelas suas conclusões mais marcantes. Hoje, interessa-me
sobretudo destacar a dimensão da aposta que a equipa de XV assume no que designa
de pilar das pessoas, contrapondo-o complementarmente aos pilares da proteção
civil, do ICNF e da Guarda Republicana. No pilar das “Pessoas” XV integra a
população em geral, as autarquias, as empresas, a comunidade científica e praticamente
todas as entidades da sociedade civil com vida e intervenção nos territórios
mais críticos em termos de risco de incêndio florestal. Aliás, como se recordam,
em tempos de tragédia e de leitura apressada de relatórios, foi seguramente,
arriscaria o pescoço, o tema do pilar das pessoas e da resiliência das mesmas
que levou o ex-Secretário de Estado Jorge Gomes e a ex-ministra Constança
Urbano de Sousa a produzir aquelas afirmações totalmente descontextualizadas e
a despropósito (em pleno teatro de guerra) de que as pessoas tinham de aprender
a resolver os seus problemas. Já é de facto azar de mais para um relatório que
honra a comunidade científica. Penalizado por um Governo que se fixou, vidrado,
num outro relatório, ainda teve de arcar com os resultados de leituras apressadas
do mesmo. Para a importância atribuída pela equipa de XV ao pilar “Pessoas”
estou certo que muito contribui o original trabalho de um dos membros da sua
equipa, o Professor José Manuel Mendes, o sociólogo também da Universidade de Coimbra
que tem trabalhado inovadoramente o tema da resiliência das populações a riscos
desta natureza (veja-se aqui artigo no Público de setembro deste ano).
Tenho por razões disciplinares (ainda e sempre
o desenvolvimento) uma especial simpatia pelo pilar das “pessoas” tal como o
Professor XV o entende. Um dos grandes problemas dos territórios este ano tocados
profundamente pela tragédia dos fogos é a sua fragilidade estrutural (vejam-se
vários posts sobre o assunto). Apesar
dos avultados investimentos infraestruturais em amenidades coletivas
informadoras das condições de vida, que não escaparam à forte atomização dos
investimentos, a projeção da política pública nas pessoas, últimos e efetivos
destinatários dessa política, fica profundamente aquém da magnitude de tais investimentos.
Trata-se de população com peso eleitoral nacional reduzido, envelhecida, muitas
vezes isolada buscando energias insondáveis para sobreviver, com uma sociedade
civil também frágil a servi-la e a apoiar a sua vida diária. Neste contexto,
abre-se um campo imenso de oportunidades de trabalho local de “empowerment” de populações, combatendo a
atomização de múltiplas dimensões de política pública que os Fundos Estruturais
verteram sobre os territórios, sem que estejamos certos (e falo na qualidade de
participante em inúmeros trabalhos de avaliação em que me confronto com essa
questão) de que os resultados convergem para os mesmos fins e para fins importantes
como o do fortalecimento para fazer face a eventos desta natureza.
Há aqui razões profundas que podem explicar (não
desculpar, antes pelo contrário) a inércia e resistência a promover a resiliência
das populações e a inscrever o pilar das “pessoas” no sistema. Num sistema de
defesa da floresta contra incêndios que tem oscilado, sido instabilizado pela volatilidade
da decisão política, regista-se obviamente uma grande incapacidade de dizer preto
no branco e claramente às populações como devem atuar, como devem tirar partido
dos diferentes dispositivos de segurança e de intervenção. Só um sistema coerente,
estabilizado, não capturado e consistente está em condições de se comprometer
com um quadro de organização de processos de crise e de comportamentos em
conformidade. Por essas razões, a equipa do Professor XV tem razão. Fortalecer
as populações implica avanços e não inércia no sistema de defesa da floresta. E
não tenho dúvidas de que por aí também se combate a fragilidade estrutural
destes territórios.
Sem comentários:
Enviar um comentário