quarta-feira, 22 de novembro de 2017

A PLUTOCRACIA E OS ECONOMISTAS




(Há um paradoxo ao qual deveríamos prestar mais atenção. O capitalismo evolui em muitas paragens para fórmulas de pura plutocracia, com a economia americana à frente da banda. Não obstante, a crítica do capitalismo já viveu melhores dias e o populismo assentou amarras. O desaforo da política fiscal de Trump está no seu auge, economistas representativos dizem que o rei vai nu. Mas nada se passa. Elabore e interprete.)

A Chicago Booth School é uma das escolas de economia e gestão mais prestigiadas do mundo. Não é propriamente um antro acolhedor de “leftists”. A Escola dinamiza no âmbito do IGM Forum um painel de peritos que integra do que mais representativo há entre os economistas americanos (entre outros, Daren Acemoglu, Alan Auerbach, Alberto Alesina, David Autor, Barry Eichengreen, Raj Chetty, Angus Deaton, Oliver Hart, Robert Hall, Eric Maskin, Emmanuel Saez, William Nordhaus, Richard Thaler, chega?). Este painel é regularmente confrontado com temas de atualidade política nos EUA e as suas respostas são objeto de tratamento e publicação. É uma forma criativa de medir o pulso ao pensamento económico.

(Fonte: IGM Forum - Chicago Booth School)
O gráfico acima reproduz as respostas a uma das perguntas colocadas a propósito do pacote fiscal que Trump tem em discussão no Congresso e no Senado.

A afirmação colocada sobre a qual se solicitava o pronunciamento do painel era a seguinte: “Se os EUA lançarem um pacote fiscal idêntico ao que está em discussão no Congresso e no Senado e se assumirmos tudo o resto constante em termos de impostos ou de política de despesa pública, o PIB americano será substancialmente mais elevado daqui a uma década do que na presente situação”.

As respostas constantes do gráfico publicado falam por si. A esmagadora e decisiva maioria dos membros do painel discorda da afirmação.

E daqui retiro a primeira implicação, tão ou mais preocupante do que as restantes. Quer isto dizer que a Voz de um painel de economistas, em que sobressaem pelo menos quatro prémios Nobel e gente muito representativa da academia americana, não conta rigorosamente para nada do ponto de vista de bloquear a agenda plutocrática que vai circulando pelas duas grandes instituições da democracia americana. Algo que está estudado e bastante. A agenda populista condensa de certa maneira a desvalorização das elites, é assim na economia, nas mudanças climáticas, na saúde e outros domínios. Não vou entrar hoje numa outra questão que anda de par com esta e que consiste em saber se os economistas se puseram a jeito para essa desvalorização.

Emmanuel Saez e Gabriel Zucman são contundentes no Equitable Blog: “O pacote fiscal apresentado pelos Republicanos no Congresso e apreciado pelo Presidente Donald Trump é um documento notável sob muitos pontos de vista, mas principalmente porque implica exatamente o oposto do seu putativo objetivo. É apresentado como uma descida de impostos para os trabalhadores e para os empreendedores criadores de emprego, mas representa pelo contrário uma descida gigante de impostos beneficiando os ricos e a riqueza acumulada” (link aqui).

Paul Krugman tem zurzido na desfaçatez do plano e dos seus apoiantes, recorrendo a demonstrações analíticas que estão para além do âmbito razoável deste blogue. Estará sobretudo em causa a fragilidade do modelo utilizado pelos serviços da administração de Trump que apresentam a proposta (link aqui e aqui).

Mas Martin Wolf é talvez o mais violento (link aqui): “Os plutocratas estão a cavalgar um tigre furioso. O pluto-populismo da elite Republicana trouxe Mr. Trump ao poder. Isso não vai ser esquecido. Se o presente pacote fiscal avançar, as tensões no interior dos EUA irão seguramente piorar. A desigualdade Latino-Americana conduz à política Latino-Americana. O mundo americano que conhecíamos está a afogar-se numa maré de uma ganância inquestionável e aparentemente ilimitada. Estamos agora condenados a viver com as correspondentes consequências infelizes.”

Por este andar, um dos mais fervorosos defensores da globalização, que criticávamos bem há pouco tempo, arrisca-se a transformar-se num perigoso esquerdista. O cenário de uma economia americana a convergir para um modelo latino-americano e não o contrário seria talvez uma das cruéis ironias da história.

E aqui vai a reflexão final. A evolução do capitalismo para uma deriva plutocrática, arrogante e que toma o poder para governar em seu próprio interesse, sem pudor e subterfúgios ou nuances, é já hoje suficientemente explícita para não suscitar alternativas de resposta. Eu sei que, como Brad DeLong nos lembra incessantemente, que 65,9 milhões de pessoas votaram por Hillary Clinton e Tom Kaine contra os 63 milhões por Trump e Pence. Mas, nos nossos registos de memória política, o capitalismo plutocrático, mais do que outras variedades de capitalismo, tenderia a suscitar mais facilmente alternativas de combate, que podemos classificar de esquerda, mais social-democrata, liberal ou radical. Mas não é isso que está a suceder e aí está a minha preocupação. Eu sei também que os EUA são particulares. Mas o capitalismo plutocrático disfarçado com outras vestes não está propriamente escondido por essa Europa.

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