(Há um paradoxo
ao qual deveríamos prestar mais atenção. O capitalismo evolui em muitas
paragens para fórmulas de pura plutocracia, com a economia americana à frente
da banda. Não obstante, a crítica do capitalismo já viveu melhores dias e o
populismo assentou amarras. O
desaforo da política fiscal de Trump está no seu auge, economistas
representativos dizem que o rei vai nu. Mas nada se passa. Elabore e
interprete.)
A Chicago Booth School é uma das escolas de economia e gestão mais
prestigiadas do mundo. Não é propriamente um antro acolhedor de “leftists”. A Escola dinamiza no âmbito do
IGM Forum um painel de peritos que integra do que mais representativo há entre
os economistas americanos (entre outros, Daren Acemoglu, Alan Auerbach, Alberto
Alesina, David Autor, Barry Eichengreen, Raj Chetty, Angus Deaton, Oliver Hart,
Robert Hall, Eric Maskin, Emmanuel Saez, William Nordhaus, Richard Thaler,
chega?). Este painel é regularmente confrontado com temas de atualidade política
nos EUA e as suas respostas são objeto de tratamento e publicação. É uma forma
criativa de medir o pulso ao pensamento económico.
(Fonte: IGM Forum - Chicago Booth School)
O gráfico acima reproduz as respostas a uma das
perguntas colocadas a propósito do pacote fiscal que Trump tem em discussão no
Congresso e no Senado.
A afirmação colocada
sobre a qual se solicitava o pronunciamento do painel era a seguinte: “Se os EUA lançarem um pacote fiscal idêntico ao que está
em discussão no Congresso e no Senado e se assumirmos tudo o resto constante em
termos de impostos ou de política de despesa pública, o PIB americano será
substancialmente mais elevado daqui a uma década do que na presente situação”.
As respostas constantes
do gráfico publicado falam por si. A esmagadora e decisiva maioria dos membros
do painel discorda da afirmação.
E daqui retiro a
primeira implicação, tão ou mais preocupante do que as restantes. Quer isto
dizer que a Voz de um painel de economistas, em que sobressaem pelo menos quatro
prémios Nobel e gente muito representativa da academia americana, não conta
rigorosamente para nada do ponto de vista de bloquear a agenda plutocrática que
vai circulando pelas duas grandes instituições da democracia americana. Algo
que está estudado e bastante. A agenda populista condensa de certa maneira a
desvalorização das elites, é assim na economia, nas mudanças climáticas, na
saúde e outros domínios. Não vou entrar hoje numa outra questão que anda de par
com esta e que consiste em saber se os economistas se puseram a jeito para essa
desvalorização.
Emmanuel Saez e Gabriel
Zucman são contundentes no Equitable Blog: “O
pacote fiscal apresentado pelos Republicanos no Congresso e apreciado pelo
Presidente Donald Trump é um documento notável sob muitos pontos de vista, mas
principalmente porque implica exatamente o oposto do seu putativo objetivo. É
apresentado como uma descida de impostos para os trabalhadores e para os
empreendedores criadores de emprego, mas representa pelo contrário uma descida
gigante de impostos beneficiando os ricos e a riqueza acumulada”
(link aqui).
Paul Krugman tem zurzido
na desfaçatez do plano e dos seus apoiantes, recorrendo a demonstrações
analíticas que estão para além do âmbito razoável deste blogue. Estará
sobretudo em causa a fragilidade do modelo utilizado pelos serviços da
administração de Trump que apresentam a proposta (link aqui e aqui).
Mas Martin Wolf é talvez
o mais violento (link aqui): “Os plutocratas estão a cavalgar um tigre
furioso. O pluto-populismo da elite Republicana trouxe Mr. Trump ao poder. Isso
não vai ser esquecido. Se o presente pacote fiscal avançar, as tensões no
interior dos EUA irão seguramente piorar. A desigualdade Latino-Americana
conduz à política Latino-Americana. O mundo americano que conhecíamos está a
afogar-se numa maré de uma ganância inquestionável e aparentemente ilimitada.
Estamos agora condenados a viver com as correspondentes consequências infelizes.”
Por este andar, um dos
mais fervorosos defensores da globalização, que criticávamos bem há pouco
tempo, arrisca-se a transformar-se num perigoso esquerdista. O cenário de uma
economia americana a convergir para um modelo latino-americano
e não o contrário seria talvez uma das cruéis ironias da história.
E aqui vai a reflexão
final. A evolução do capitalismo para uma deriva plutocrática, arrogante e que
toma o poder para governar em seu próprio interesse, sem pudor e subterfúgios
ou nuances, é já hoje suficientemente
explícita para não suscitar alternativas de resposta. Eu sei que, como Brad
DeLong nos lembra incessantemente, que 65,9 milhões de pessoas votaram por Hillary
Clinton e Tom Kaine contra os 63 milhões por Trump e Pence. Mas, nos nossos
registos de memória política, o capitalismo plutocrático, mais do que outras
variedades de capitalismo, tenderia a suscitar mais facilmente alternativas de
combate, que podemos classificar de esquerda, mais social-democrata, liberal ou
radical. Mas não é isso que está a suceder e aí está a minha preocupação. Eu
sei também que os EUA são particulares. Mas o capitalismo plutocrático
disfarçado com outras vestes não está propriamente escondido por essa Europa.
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