(À medida que as
negociações do BREXIT se tornam mais densas e assanhadas mais se torna clara a
ideia de que os Brexiters não mediram quão rebelde e indomável era o cavalo que
pretendiam conduzir a toda a brida. Com um governo britânico que se desmembra a toda a hora com ministros e
ministras a pular a cerca, politica e sexualmente falando, eis senão quando as
Irlandas entram na liça e nestas coisas os negociadores da União são tudo menos
inocentes criaturas)
Apesar da complexidade
técnica e política das negociações do BREXIT terem acompanhamento difícil por
parte de cidadãos ainda que minimamente informados, tamanha é a diversidade dos
dossiers que implicam a negociação, já se percebeu que Theresa May está aflita
para estabilizar o cavalo. Tudo acontece aquele Governo e os próprios ministros
que nele estão para contentar a fação mais agressiva dos Brexiters têm-se
encarregado de fazer a cama à chefe do governo. É quem mais pula a cerca.
Pressionada a nível interna e pelas negociações, o calvário de Theresa
anuncia-se bem penoso, apesar da pose que essa nunca cai.
Esta semana as
negociações parecem ter entrado naquela onda de que uma ponta de conspiração
aquece o ambiente, com algumas fugas para a comunicação social claramente
orientadas e com propósitos bem claros. Essas fugas trouxeram para a cena da
discussão um tema que era uma crónica anunciada e que mostra bem como o
radicalismo dos Brexiters estava impreparado. Ao contrário de muito boa gente
que colocou logo na agenda dos problemas maiores a questão escocesa, a Escócia
é claramente a favor da permanência na União Europeia, sempre foi claro para
mim que a questão territorial central não era a Escócia mas as Irlandas. A
minha geração recorda-se bem do caráter traumático do conflito
político-religioso da Irlanda do Norte. Recordo-me que, já há alguns anos, tive
uma viagem profissional à Irlanda do Norte para visitar um planetário perdido
no meio da Irlanda do Norte profunda. Permanecem vivas na memória as imagens
urbanas dos efeitos do conflito resultantes da deflagração de bombas e as
marcas em alguns edifícios dos projéteis e das refregas. O cinema e a
literatura ajudam-nos a manter a memória revigorada. Uma das minhas séries
policiais de culto, Testemunha Silenciosa, com a cativante patologista Sam
Ryan, tem episódios marcantes com a questão irlandesa como pano de fundo.
Sabemos que as coisas
amenizaram, que podemos falar hoje de uma “all
Island economy”, o IRA depôs as armas. Mas tudo isso num contexto em que o
Reino Unido estava na União Europeia e a Irlanda de Dublin também. Ou seja,
qualquer visitante minimamente sensível, quando circula entre as duas irlandas
fá-lo hoje sem qualquer dificuldade, mas sente que a memória do conflito está
lá, uma espécie de fronteira oculta, com demónios adormecidos, que convém não
despertar.
Pois esta semana, tudo
indica que, fruto de uma ação concertada dos negociadores da União Europeia e
do governo da Irlanda de Dublin, esta última, um dos 27 e com poder de veto
sobre o prosseguimento das negociações na sua via evolutiva, resolveu entrar na
contenda. Como? Invocando que a única forma de evitar uma “hard border” entre a
Irlanda do Norte e a Irlanda de Dublin seria a primeira manter integralmente a
sua participação no mercado único, consagrando a tal perspetiva da “all Island economy”. Mas essa
possibilidade equivaleria realmente à fragmentação do Reino Unido e convém não
esquecer que o BREXIT amarra a Irlanda do Norte a essa opção. Como é óbvio, a
presença de uma “hard border” no seio
da ilha equivalerá de uma certa maneira a acordar os tais demónios adormecidos,
o que não interessa a ninguém, incluindo aos desprevenidos Brexiters. Fê-lo
através de um “discussion paper” que
foi parar deliberadamente às mãos dos Daily Telegraph, do Financial Times e da RTÉ.
Pelo que tenho lido
sobre esta questão, com destaque especial para uma peça notável do jornalista
Tony Connely (link aqui), a Irlanda de Dublin parece querer evitar a pretensão inglesa de
só discutir a questão irlandesa depois de passar á segunda fase das
negociações. O propósito seria amarrar desde já o governo de May a uma posição
sobre a matéria, ameaçando o veto sobre a passagem à fase seguinte.
Mas o que parece verdadeiramente
em causa é a preocupação que suscita os acordos de Belfast (multipartidários e
entre a Irlanda do Norte e os Britânicos) ou, como são conhecidos, o Good Friday Agreement de 1998 poder ser
posto em causa, recomeçando tudo de novo. Um indicador mais de que os Brexiters
não escolheram bem o cavalo que queriam montar.
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