segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O DESCALABRO BRITÂNICO

(https://www.ippr.org/files/2017-09/cej-interim-report.pdf)


(Mais do que a desorientação que reina entre os Conservadores em torno do BREXIT, o que emerge do presente é o macro-descalabro que a economia britânica vai revelando, em contexto de autonomia monetária e fiscal, convém sempre recordá-lo; a voz autorizada de Martin Wolf vem juntar-se ao pensamento já evidenciado por outros quadrantes)

O governo britânico vive dias difíceis. Theresa May é hoje uma mulher atormentada pelas fissuras que se vão abrindo entre as hostes conservadoras. Vai parecendo cada vez mais que os conservadores não tinham unhas para levar a coerência do BREXIT até às suas últimas consequências. Cameron e Osborne devem ser hoje homens profundamente arrependidos do topete em inscrever o referendo do BREXIT na sua estratégia política. Tudo pode acontecer no teatro das negociações com a União Europeia, não sendo de eliminar a hipótese de nada acontecer, ou seja não haver acordo e com isso abrir-se um buraco enorme no domínio dos tratados.

Vai emergindo como tema de investigação a questão de saber o que terá levado os britânicos à experimentação do abismo. Na verdade, ao contrário do que os BREXITERS apregoaram, a economia britânica não revelava sinais de força e dinamismo suficientes para acomodar com segurança e danos menores os riscos do BREXIT efetivo. E essa é a questão que mais me interessa neste momento desenvolver. O Reino Unido tem uma das praças financeiras mais relevantes do mundo e seguramente a referência na Europa, Londres. Sabemos entretanto que essa força e a especialização de serviços que a acompanha são responsáveis por um país em plano inclinado. A concentração na região londrina é tal que se imagina que estará já na fase em que os custos de concentração começam a superar claramente as externalidades positivas da aglomeração e da atração de recursos e talentos. Tem autonomia monetária (a tão desejada moeda própria) e por isso não está à mercê dos constrangimentos do enquadramento do euro. Tem autonomia fiscal. E dispõe de capacidade de financiamento inquestionada. O que significa que se a recuperação da economia britânica foi das mais agónicas no contexto europeu isso deve-se exclusivamente às suas forças/debilidades internas e ao tipo de gestão macroeconómica decidida pelos conservadores. Com respaldo eleitoral, diga-se. A vitória de Cameron/Osborne na sequência da qual foi assumido o compromisso político do referendo do BREXIT foi real, pressupondo por isso que o eleitorado validou a sua gestão macroeconómica do pós-crise. Podemos espantar-nos como é que os BREXITERS conseguiram ocultar debilidades estruturais da economia britânica que estão agora expostas.

Martin Wolf tem um artigo no Financial Times (FT) (link aqui) particularmente duro sobre esta realidade. Um crescimento anémico vai sendo projetado no curto prazo e as ameaças de longo prazo não produzem um cenário mais brilhante. Em 10 anos (2007-2017), o grupo etário dos 22 aos 39 anos viu o seu rendimento cair de 10%, largamente influenciada por uma política habitacional desastrosa que fez disparar preços exorbitantemente. A precarização no mundo do trabalho intensificou-se, com a figura estranha dos empregados com contratos de zero horas a representar quase 3%. A desigualdade instalou-se e, perante desempenho económico tão pouco brilhante, os executivos empresariais viram os seus salários aumentados para um rácio de 150 vezes face ao salário médio dos trabalhadores. A produtividade estagnou, o investimento também e o pior é que aconteceu o mesmo aos investimentos em I&D.

Mistério dos mistérios foi esta economia oculta que foi considerada suficientemente forte para acomodar os choques do BREXIT. Podemos especular dizendo que tudo isto é fruto de uma posição de arrogante isolamento, de uma pseudo-superioridade alimentada pelas memórias de um império. Não compro essa hipótese. Houve quem dissesse que o rei ia nu, aqui sem qualquer preocupação de lesar sua Majestade, que pelos vistos tem andado incomodada com a gestão das suas aplicações financeiras, pois isto de ter de pagar contas ao fim do mês toca a todos. Talvez a Voz dos economistas esteja desvalorizada e ninguém lhes dê atenção. Até porque outros economistas esforçaram-se por mostrar que, mesmo com autonomia monetária, o Reino Unido deveria enveredar pela disciplina orçamental a todo o custo, ignorando o baixíssimo custo do dinheiro. Em quem acreditar?

A metáfora de Wolf é a de um país a navegar em direção a um naufrágio possível. É uma metáfora dura, sobretudo escrita no coração da imprensa financeira, o FT e construída a partir de dentro, pois Martin Wolf não é um “leftist” qualquer.

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