sábado, 4 de novembro de 2017

GLOBALIZAÇÃO: DELONG VERSUS RODRIK





Como tem sido abundantemente acolhido neste blogue, o início do novo milénio tem sido marcado por uma espécie de “tiro ao boneco” sobre a globalização, proveniente de múltiplas direções. Até um certo momento, as críticas da globalização foram monopólio de uma certa esquerda, que sempre viu no processo uma forma de dominação entre países ou destes por poderosos conglomerados mundiais. A expressão mais visível dessa crítica era representada pelas usuais manifestações violentas que emergiam regularmente nas reuniões do G20. Pois os autores dos disparos mudaram radicalmente e a sua origem diversificou-se com o início do milénio e mais acentuadamente com a crise financeira e com a Grande Recessão dela proveniente de 2007-2008. Afinal e compreensivelmente, a globalização financeira constituiu sempre a dimensão mais odiada da globalização.

O que mudou desde então? Mudou essencialmente a perspetiva sobre os efeitos presumidos ou reais da globalização. E ao nível desses efeitos uma nova relação emergiu. Os maus efeitos da globalização estariam na origem do ressurgimento populista nas economias mais avançadas. Dito em palavras mais cruas, a globalização seria responsável pelo aparecimento dos Trump e das Le Pen deste mundo. O argumento implícito nessa apressada e pouco fundamentada relação de causalidade estaria concentrado nas perdas de emprego e de rendimento que a globalização teria provocado em alguns grupos sociais, as quais sem as devidas e proporcionadas políticas públicas compensatórias terão gerado a raiva incontrolada e o desespero, recetivos a discursos do tipo Donald Trump.

Economistas com Dani Rodrik à frente de todos avisaram bem cedo quanto à impossibilidade real e prática da globalização continuar a aprofundar-se nos termos proporcionados pelos anos 80 e 90. O argumento já aqui repetidas vezes invocado por Rodrik consistia na demonstração da impossibilidade da globalização simultaneamente aprofundar a integração económica, respeitar e conviver com o Estado-nação e cumprir as regras da democracia (ou seja, o provocador trilema de Rodrik). Como a história nos ensina abundantemente, quando o reformismo fundamentado e avisado não é respeitado e antes ignorado, regra geral o que vem a seguir é mais devastador do que os custos mais ligeiros da reforma necessária. Mas estamos em tempos de desvalorização do tempo histórico e dos seus ensinamentos. O fogo do momento descontextualizado conduz-nos alegremente para precipícios variados.

A Milken Review Institute (um espaço de visita obrigatória e regular) acolheu num dos seus últimos números uma troca estimulante de argumentos entre duas das mais avisadas perspetivas sobre a globalização: Brad DeLong versus Danni Rodrik (link aqui). Do melhor que se pode ler e ensinar (para quem tenha essa ocupação) nesta matéria.

DeLong é um caso muito curioso. Um keynesiano liberal, à boa maneira de uma raiz de pensamento democrata nos EUA que se tem infelizmente perdido, tem sido um fervoroso combatente das intempestivas arremetidas de Trump contra alguns acordos de comércio, sem resultados práticos para além do fogacho da sua incontinência tweeteira. Tais arremetidas vão ao ponto hoje de gerar uma guerra comercial absurda contra o Canadá e seguramente por aí não ficará. A posição de DeLong apoia-se compreensivelmente em investigação empírica já hoje suficientemente desenvolvida segundo a qual o contributo percentual da globalização (leia-se comércio internacional alargado e integração económica mais profunda) para as perdas de emprego e de rendimento que terão estado na origem da penetração de Trump em certo eleitorado americano é residual. Mais residual do que o contributo da China para essas perdas, mas ambas incomparavelmente sem peso explicativo face a parte de leão que o progresso técnico tem determinado. Essas perdas residuais são também incomparavelmente inferiores aos ganhos sociais de eliminação da pobreza observadas na mesma China e em outros países asiáticos, que podem ser considerados os vencedores do processo. Este último argumento é difícil de engolir, mas não esqueçamos a que a tal sobreexploração do trabalho de que tanto se fala nesses países asiáticos coloca essas populações em condições de remuneração mais favoráveis do que as que tinham antes da sua entrada na malfadada globalização.

Já o argumento de Rodrik gira compreensivelmente em redor do seu trilema. A narrativa de que a globalização aprofundada poderia substituir o Estado-nação com vantagens é considerada perigosa, pois na ausência de um regulador mundial, são os Estados-nação que o podem assegurar, impedindo os desmandos. A raiz desse argumento conduz-nos a rejeitar a inevitabilidade dos rumos da globalização e a sua prossecução sem a defesa consistente dos direitos do trabalho, antes comandada pelos interesses do capital global. Rodrik fala de assimetria corrosiva perante a liberdade de circulação do capital e os constrangimentos à livre circulação da mão-de-obra.

Aquilo que em DeLong é considerado de efeito residual face ao do progresso técnico, para Rodrik é matéria para um reformismo mais ambicioso: “O debate que devemos evitar é se a globalização é em si boa ou má. A verdadeira questão é a de saber como reequilibrá-la para assegurar que os grupos excluídos tenham uma voz mais ativa, reconstruir os pactos sociais a nível nacional e focar as negociações globais  em que o potencial dos ganhos económicos sejam ainda significativamente elevados”.

Tenho a maior consideração pelos dois contendores. Mas sou mais recetivo aos argumentos de Rodrik, embora não possamos ignorar as evidências invocadas por DeLong.


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