Como tem sido
abundantemente acolhido neste blogue, o início do novo milénio tem sido marcado
por uma espécie de “tiro ao boneco”
sobre a globalização, proveniente de múltiplas direções. Até um certo momento,
as críticas da globalização foram monopólio de uma certa esquerda, que sempre
viu no processo uma forma de dominação entre países ou destes por poderosos conglomerados
mundiais. A expressão mais visível dessa crítica era representada pelas usuais
manifestações violentas que emergiam regularmente nas reuniões do G20. Pois os autores dos disparos mudaram
radicalmente e a sua origem diversificou-se com o início do milénio e mais
acentuadamente com a crise financeira e com a Grande Recessão dela proveniente de
2007-2008. Afinal e compreensivelmente, a globalização financeira constituiu
sempre a dimensão mais odiada da globalização.
O que mudou desde então?
Mudou essencialmente a perspetiva sobre os efeitos presumidos ou reais da
globalização. E ao nível desses efeitos uma nova relação emergiu. Os maus
efeitos da globalização estariam na origem do ressurgimento populista nas
economias mais avançadas. Dito em palavras mais cruas, a globalização seria
responsável pelo aparecimento dos Trump e das Le Pen deste mundo. O argumento
implícito nessa apressada e pouco fundamentada relação de causalidade estaria
concentrado nas perdas de emprego e de rendimento que a globalização teria
provocado em alguns grupos sociais, as quais sem as devidas e proporcionadas
políticas públicas compensatórias terão gerado a raiva incontrolada e o desespero,
recetivos a discursos do tipo Donald Trump.
Economistas com Dani
Rodrik à frente de todos avisaram bem cedo quanto à impossibilidade real e prática
da globalização continuar a aprofundar-se nos termos proporcionados pelos anos
80 e 90. O argumento já aqui repetidas vezes invocado por Rodrik consistia na
demonstração da impossibilidade da globalização simultaneamente aprofundar a
integração económica, respeitar e conviver com o Estado-nação e cumprir as
regras da democracia (ou seja, o provocador trilema de Rodrik). Como a história
nos ensina abundantemente, quando o reformismo fundamentado e avisado não é
respeitado e antes ignorado, regra geral o que vem a seguir é mais devastador
do que os custos mais ligeiros da reforma necessária. Mas estamos em tempos de
desvalorização do tempo histórico e dos seus ensinamentos. O fogo do momento
descontextualizado conduz-nos alegremente para precipícios variados.
A Milken Review
Institute (um espaço de visita obrigatória e regular) acolheu num dos seus últimos
números uma troca estimulante de argumentos entre duas das mais avisadas perspetivas
sobre a globalização: Brad DeLong versus Danni Rodrik (link aqui). Do melhor que se pode
ler e ensinar (para quem tenha essa ocupação) nesta matéria.
DeLong é um caso muito curioso.
Um keynesiano liberal, à boa maneira de uma raiz de pensamento democrata nos
EUA que se tem infelizmente perdido, tem sido um fervoroso combatente das intempestivas
arremetidas de Trump contra alguns acordos de comércio, sem resultados práticos
para além do fogacho da sua incontinência tweeteira. Tais arremetidas vão ao
ponto hoje de gerar uma guerra comercial absurda contra o Canadá e seguramente
por aí não ficará. A posição de DeLong apoia-se compreensivelmente em
investigação empírica já hoje suficientemente desenvolvida segundo a qual o
contributo percentual da globalização (leia-se comércio internacional alargado
e integração económica mais profunda) para as perdas de emprego e de rendimento
que terão estado na origem da penetração de Trump em certo eleitorado americano
é residual. Mais residual do que o contributo da China para essas perdas, mas
ambas incomparavelmente sem peso explicativo face a parte de leão que o
progresso técnico tem determinado. Essas perdas residuais são também incomparavelmente
inferiores aos ganhos sociais de eliminação da pobreza observadas na mesma
China e em outros países asiáticos, que podem ser considerados os vencedores do
processo. Este último argumento é difícil de engolir, mas não esqueçamos a que
a tal sobreexploração do trabalho de que tanto se fala nesses países asiáticos
coloca essas populações em condições de remuneração mais favoráveis do que as que
tinham antes da sua entrada na malfadada globalização.
Já o argumento de Rodrik
gira compreensivelmente em redor do seu trilema. A narrativa de que a
globalização aprofundada poderia substituir o Estado-nação com vantagens é
considerada perigosa, pois na ausência de um regulador mundial, são os
Estados-nação que o podem assegurar, impedindo os desmandos. A raiz desse
argumento conduz-nos a rejeitar a inevitabilidade dos rumos da globalização e a
sua prossecução sem a defesa consistente dos direitos do trabalho, antes
comandada pelos interesses do capital global. Rodrik fala de assimetria
corrosiva perante a liberdade de circulação do capital e os constrangimentos à
livre circulação da mão-de-obra.
Aquilo que em DeLong é
considerado de efeito residual face ao do progresso técnico, para Rodrik é matéria
para um reformismo mais ambicioso: “O
debate que devemos evitar é se a globalização é em si boa ou má. A verdadeira
questão é a de saber como reequilibrá-la para assegurar que os grupos excluídos
tenham uma voz mais ativa, reconstruir os pactos sociais a nível nacional e
focar as negociações globais em que o
potencial dos ganhos económicos sejam ainda significativamente elevados”.
Tenho a maior consideração
pelos dois contendores. Mas sou mais recetivo aos argumentos de Rodrik, embora
não possamos ignorar as evidências invocadas por DeLong.
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