(Se na França a
emergência -surpresa de Macron conteve, pelo menos por agora, a onda populista
lepeniana, na Itália e na Alemanha as sombras do populismo adensam-se, com epicentro neste caso na complexa matéria
da imigração e dos refugiados)
O gráfico que abre como
imagem este post tem origem o
Financial Times que o integra num curioso artigo (link aqui) sobre um pequeno município
italiano, Cascina, em que uma jovem líder da eurocética Liga do Norte ganhou
recentemente eleições à esquerda italiana por 101 votos, apoiada apenas numa
agenda deliberada e expressamente anti-imigração. O artigo insere-se numa
relevante cobertura que o FT vem fazendo do crescimento da onda populista na
Europa.
Como tenho vindo a
documentar neste espaço de reflexão, o populismo europeu mais recente tem a sua
origem essencialmente em duas movimentações: a das consequências económicas e
sociais sobre o emprego decorrente da globalização económica, cujo rosto
europeu é o da integração europeia e posições menos claras da Comissão Europeia
sobre a negociação de alguns dossiers
relevantes como o foram por exemplo o dos têxteis; o da exploração dos medos
associados ao recrudescimento da imigração, claramente intensificada com a
crise aguda dos refugiados e a descoordenação com que o problema foi gerido
pelas instituições europeias. Se compararmos a União Europeia com os EUA,
compreendemos rapidamente que a dimensão económica do populismo foi
decisivamente reforçada com a ascensão de Trump ao poder, se bem que no
populismo americano à Trump as questões da imigração também não estejam
ausentes.
Mas, no caso europeu, o
peso indutor da imigração e crise de refugiados é o fator decisivo. Não será
por acaso que, no gráfico atrás referido, são a Alemanha e a Itália os países
cuja opinião pública medida pelo Eurobarómetro evolui mais abruptamente para
classificar a imigração como o seu principal problema. A Alemanha é, sem sombra
de dúvidas, o país europeu que mais se chegou à frente para acolher refugiados
e Merkel esforça-se neste momento por gerir esse impacto no âmbito das suas
negociações para formação do novo governo. A Itália recebe diariamente o
impacto mediatizado do afluxo de refugiados em condições dramáticas, produzindo
o caldo apropriado para a exploração de medos e outras fobias.
Como é óbvio, mas apesar
disso por vezes ignorado, a resiliência e capacidade de acomodação da sociedade
e economia alemãs são incomparavelmente superiores às observadas em Itália. Tenho
informação proveniente de Itália que evidencia que, apesar do peso da população
estrangeira em Itália, rondar hoje os 8% (o FT documenta que em Cascina esse
peso é mesmo ligeiramente inferior a essa média nacional, 3550 estrangeiros
para 45.000 residentes), que a imigração se mistura com um período de
significativa degradação dos serviços públicos, designadamente o sistema
público de educação. Trata-se de uma situação rastilho, pois em Itália
conjugam-se duas pólvoras que o populismo da Liga do Norte tem explorado,
insinuando causalidades e relações que não estão provadas. Por um lado, a
degradação dos sistemas públicos atinge as condições de vida de uma caterva de
cidadãos. Por outro, a distribuição pelo território italiano dos centros de
acolhimento de refugiados torna-se presa fácil dessa cruzada de exploração do
medo. A nova líder municipal está empenhada numa luta para fechar o centro de
acolhimento de refugiados, essencialmente africanos, que funciona em Cascina, o
que diz tudo sobre a intolerância que campeia e que lhe valeu a ascensão ao
poder local.
Entretanto, com este
caldinho xenófobo e pouco solidário, o peso eleitoral da Liga Norte vai
subindo, estimando as sondagens mais recentes que ele se situe em torno dos
15%, anunciando-se, por exemplo, uma possível coligação com o bunga bunga Berlusconi. Marcante é a
penetração para sul da Liga, estimando-se que na Toscânia, região em que
Cascina se insere, o peso eleitoral da Liga terá passado de 6 para 16%.
Perigosas conexões com outros movimentos de extrema-direita radical em Itália
têm sido registados, escurecendo cenários.
Ou seja, vai-se
projetando para as eleições legislativas de 2018 um cenário algo tenebroso,
sendo ainda uma incógnita o que os populistas do 5 Estrelas representarão em
2018 em termos eleitorais. Se os outros momentos de julgamento dos populismos à
solta produziram, de mal o menos, resultados pouco conclusivos quanto à sua
implantação em sedes de poder, o espetáculo está montado e há muitos candidatos
a protagonismos cénicos. Em Itália talvez se jogue a batalha decisiva, mas não
devemos esquecer que pelos lados da Polónia, da Hungria, da Eslováquia e da
República Checa o ambiente não se recomenda a uma agenda solidária.
O mundo não se
recomenda.
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