quarta-feira, 15 de novembro de 2017

NAS VAGAS DO POPULISMO




(Se na França a emergência -surpresa de Macron conteve, pelo menos por agora, a onda populista lepeniana, na Itália e na Alemanha as sombras do populismo adensam-se, com epicentro neste caso na complexa matéria da imigração e dos refugiados)

O gráfico que abre como imagem este post tem origem o Financial Times que o integra num curioso artigo (link aqui) sobre um pequeno município italiano, Cascina, em que uma jovem líder da eurocética Liga do Norte ganhou recentemente eleições à esquerda italiana por 101 votos, apoiada apenas numa agenda deliberada e expressamente anti-imigração. O artigo insere-se numa relevante cobertura que o FT vem fazendo do crescimento da onda populista na Europa.

Como tenho vindo a documentar neste espaço de reflexão, o populismo europeu mais recente tem a sua origem essencialmente em duas movimentações: a das consequências económicas e sociais sobre o emprego decorrente da globalização económica, cujo rosto europeu é o da integração europeia e posições menos claras da Comissão Europeia sobre a negociação de alguns dossiers relevantes como o foram por exemplo o dos têxteis; o da exploração dos medos associados ao recrudescimento da imigração, claramente intensificada com a crise aguda dos refugiados e a descoordenação com que o problema foi gerido pelas instituições europeias. Se compararmos a União Europeia com os EUA, compreendemos rapidamente que a dimensão económica do populismo foi decisivamente reforçada com a ascensão de Trump ao poder, se bem que no populismo americano à Trump as questões da imigração também não estejam ausentes.

Mas, no caso europeu, o peso indutor da imigração e crise de refugiados é o fator decisivo. Não será por acaso que, no gráfico atrás referido, são a Alemanha e a Itália os países cuja opinião pública medida pelo Eurobarómetro evolui mais abruptamente para classificar a imigração como o seu principal problema. A Alemanha é, sem sombra de dúvidas, o país europeu que mais se chegou à frente para acolher refugiados e Merkel esforça-se neste momento por gerir esse impacto no âmbito das suas negociações para formação do novo governo. A Itália recebe diariamente o impacto mediatizado do afluxo de refugiados em condições dramáticas, produzindo o caldo apropriado para a exploração de medos e outras fobias.

Como é óbvio, mas apesar disso por vezes ignorado, a resiliência e capacidade de acomodação da sociedade e economia alemãs são incomparavelmente superiores às observadas em Itália. Tenho informação proveniente de Itália que evidencia que, apesar do peso da população estrangeira em Itália, rondar hoje os 8% (o FT documenta que em Cascina esse peso é mesmo ligeiramente inferior a essa média nacional, 3550 estrangeiros para 45.000 residentes), que a imigração se mistura com um período de significativa degradação dos serviços públicos, designadamente o sistema público de educação. Trata-se de uma situação rastilho, pois em Itália conjugam-se duas pólvoras que o populismo da Liga do Norte tem explorado, insinuando causalidades e relações que não estão provadas. Por um lado, a degradação dos sistemas públicos atinge as condições de vida de uma caterva de cidadãos. Por outro, a distribuição pelo território italiano dos centros de acolhimento de refugiados torna-se presa fácil dessa cruzada de exploração do medo. A nova líder municipal está empenhada numa luta para fechar o centro de acolhimento de refugiados, essencialmente africanos, que funciona em Cascina, o que diz tudo sobre a intolerância que campeia e que lhe valeu a ascensão ao poder local.

Entretanto, com este caldinho xenófobo e pouco solidário, o peso eleitoral da Liga Norte vai subindo, estimando as sondagens mais recentes que ele se situe em torno dos 15%, anunciando-se, por exemplo, uma possível coligação com o bunga bunga Berlusconi. Marcante é a penetração para sul da Liga, estimando-se que na Toscânia, região em que Cascina se insere, o peso eleitoral da Liga terá passado de 6 para 16%. Perigosas conexões com outros movimentos de extrema-direita radical em Itália têm sido registados, escurecendo cenários.

Ou seja, vai-se projetando para as eleições legislativas de 2018 um cenário algo tenebroso, sendo ainda uma incógnita o que os populistas do 5 Estrelas representarão em 2018 em termos eleitorais. Se os outros momentos de julgamento dos populismos à solta produziram, de mal o menos, resultados pouco conclusivos quanto à sua implantação em sedes de poder, o espetáculo está montado e há muitos candidatos a protagonismos cénicos. Em Itália talvez se jogue a batalha decisiva, mas não devemos esquecer que pelos lados da Polónia, da Hungria, da Eslováquia e da República Checa o ambiente não se recomenda a uma agenda solidária.

O mundo não se recomenda.

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