segunda-feira, 20 de agosto de 2018

NA MORTE DE SAMIR AMIN


Um meu amigo, e ex-colega de cadeira na FEP, José Fernando Silva, chegou a conhecê-lo pessoalmente numa viagem combinada a Dakar, onde ele dirigia o IDEP (Instituto Africano de Desenvolvimento Económico e de Planificação). Eu não. No entanto, entre outros (como André Gunder Frank, Arghiri Emmanuel, Immanuel Wallerstein, Charles Bettelheim, Giovanni Arrighi, Christian Palloix ou Charles-Albert Michalet, já para não referir os latino-americanos encabeçados pelo nosso patrono Fernando Henrique Cardoso e pelo grande Celso Furtado) mas talvez como mais nenhum, o economista franco-egípcio do desenvolvimento Samir Amin marcou determinantemente para mim, e provavelmente também para o meu companheiro de blogue, uma época importante da nossa vida intelectual, académica e pessoal.

Seguramente que, naqueles idos da segunda metade dos anos 70 do século passado, nenhum livro passeou tanto em nossas mãos como a obra maior de Samir Amin – “L’Accumulation à l’Échelle Mondiale”, Éditions Anthropos, Paris, 1970 –, contribuindo ela decisivamente para a nossa própria acumulação primitiva em termos teóricos. Os conceitos então estruturadores eram os de “sistema capitalista mundial”, “acumulação à escala mundial” e “desenvolvimento desigual”, este último conduzindo pouco depois o autor a uma outra obra essencial que titulou assim mesmo e subtitulou como “ensaio sobre as formações sociais do capitalismo periférico”. E que bem me lembro de tantas orais pela tarde fora a interrogar os alunos sobre a matéria e, por exemplo, as três ordens de distorções associáveis ao desenvolvimento da periferia (extroversão, hipertrofia do setor terciário e marginalização) e provocadas pelos desequilíbrios da especialização internacional e pela consequente predominância dos setores ligeiros de atividade económica e respetivo processo de troca desigual (um debate por si só)!

Amin – que completaria 87 anos no próximo 3 de setembro – andou pela administração egípcia e maliana em início de carreira, estudou em Paris e ensinou em Poitiers e Vincennes mas acabaria por se fixar em Dakar e por, a partir de lá, consagrar o resto da sua vida académica e cívica a uma continuada crítica do sistema e, sobretudo, a aprofundamentos relevantes e diversos em torno da sua especial paixão pelo continente africano. Não terá acertado sempre em todas as suas análises, mas acertou bem mais do que alguns querem hoje fazer crer e foi, além do mais, um intelectual rigoroso e coerente. Com ele desaparece tristemente mais um daqueles que contaram para mim/nós e para o enriquecimento da minha/nossa formação.

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