(Revisitemos a canção dos Clash para formular uma pequena
reflexão sobre a valia dos 50% de descida de IRS para atrair jovens emigrantes
qualificados. Outras
querelas do tipo irão suceder-se ao longo do próximo tempo eleitoral,
preparemo-nos.)
Foi num
trabalho que coordenei há já alguns anos para a já defunta (ou pelo menos
inativa) Rede-Associação de Municípios do Corredor Azul alentejano (de Sines
até Elvas, passando por Évora), focado na atração de residentes aqueles
territórios, que revisitei a canção dos Clash e a utilizei como referencial do
tema. Na sua origem, “Should I Stay or
Should I Go?” é uma oportunidade de colocar a questão da atração não do
ponto de vista de quem concebe os incentivos à transferência, mas antes do
ponto de vista de quem está a ser atraído. Não é uma subtileza menor, nem
apenas um refinamento de expressão. É antes a recordação de que não há política
eficaz de atração de residentes se não for possível influenciar as decisões
individuais que, neste caso, um regresso implica. O cálculo individual do
retorno possível é um processo de decisão muito complexo. Certamente que
poderão formar-se efeitos de arrastamento para uma decisão que contenha algo de
impulso coletivo. Imaginemos, por exemplo, que o país, Portugal neste caso,
atravessava um ressurgimento coletivo poderoso (o que não é o caso) e que o
regresso assumia um efeito massa considerável. Só nesse caso limite poderá
dizer-se que o cálculo individual do retorno é suplantado pelo efeito emulação
de uma dinâmica coletiva. Infelizmente não é isso que está a acontecer em
matéria de retorno à terra. Quer isto significar que o retorno que está a
pretender-se influenciar permanece associado a um cálculo marcadamente
individual ou de família, de difícil modelização. É sobre isto que o governo de
António Costa pretende intervir e daí a proposta da redução do IRS em 50% como
incentivo de atração.
Já há longo
tempo madrugador no trabalho, ouço regularmente de manhã antes das oito, na
Antena 1, as entrevistas da jornalista Alice Vilaça no programa Portugueses no
Mundo. Para a matéria desta reflexão é material riquíssimo. Não podemos como é
óbvio associar-lhe uma representatividade estatística, mas apenas o que poderei
chamar de representatividade impressiva. Algumas regularidades emergem das
entrevistas de forma clara. Estamos a falar de gente decidida, com alguma
formação, que tenta a experiência de trabalho de raiz ou a partir de uma outra
experiência (um doutoramento, um estágio) em função do efeito-país de origem (o
Portugal de fracas oportunidades), as dificuldades de construção de uma
trajetória de emprego compatível com a qualificação, as diferenças salariais.
Praticamente todos os entrevistados reconhecem na nova residência resposta
positiva a essas interrogações da terra, apesar das dificuldades de alguns em
estabilizar a alternativa nos países de destino. Esses fatores de resposta
contrabalançam a saudade da identidade portuguesa e da família. Nada de
substancialmente diferente dos padrões de emigração de outros tempos, apenas
com a diferença de se tratar de um padrão com outra qualificação.
É pois neste
contexto que devemos perguntar se a proposta do governo PS de reduzir o IRS
para os jovens que terão saído por efeito da crise e regressem tem condições
para influenciar o cálculo individual dos que encontraram alternativa na
diáspora. Vou concentrar-me nessa dimensão central da questão e passar ao lado
de alguns comentários de outra natureza, como por exemplo os argumentos da
discriminação dos que ficaram e aguentam com uma carga fiscal de relevo.
Compreendo a
decisão do Governo em querer a marcar a diferença face ao governo anterior
nesta matéria. Mas não me parece que o incentivo da redução do IRS tenha
grandes condições para interferir no mencionado cálculo individual. As razões
parecem-me óbvias a partir da formalização mínima que ensaiámos anteriormente
sobre o padrão da decisão. Estará criado um ambiente de regresso potenciador de
novos padrões de remuneração compatível com o aumento de qualificações dos
jovens portugueses mais apetrechados para a sociedade global? O mercado mostra
sinais de reação a essa necessidade mas os gaps salariais entre a nova vida e a
do regresso continuam a pesar. O incentivo IRS não parece suficiente para
compensar essa perceção. O gap remuneratório
é ainda demasiado elevado para poder ser influenciado na margem pela
afetividade do regresso. A probabilidade de emprego melhorou mas a da correção
do desvio remuneratório nem por isso. Parece-me bem mais consequente orientar
as apostas do governo para a melhoria das condições gerais de atração da
economia portuguesa para jovens qualificados, melhorando por exemplo as
condições de criação de emprego científico, do que anunciar medidas isoladas
desta natureza. Estou convencido que um aliviamento lento e marginal da fadiga
fiscal teria efeitos mais alargados.
Nem o
próprio Governo estará convencido da bondade da proposta.
A rentrée obriga sempre a uma caixa. Este ano foi o IRS como veículo de retorno
de jovens qualificados. Não passará disso mesmo. Uma caixa como tantas outras,
de que já lhes perdemos o rasto das consequências efetivas. Não há mal nisso.
Haveria se o Governo não compreendesse que tem de trabalhar outras frentes,
menos suscetíveis de se transformarem em caixas apelativas.
Sem comentários:
Enviar um comentário