terça-feira, 28 de agosto de 2018

SHOULD I STAY OR SHOULD I RETURN?



(Revisitemos a canção dos Clash para formular uma pequena reflexão sobre a valia dos 50% de descida de IRS para atrair jovens emigrantes qualificados. Outras querelas do tipo irão suceder-se ao longo do próximo tempo eleitoral, preparemo-nos.)

Foi num trabalho que coordenei há já alguns anos para a já defunta (ou pelo menos inativa) Rede-Associação de Municípios do Corredor Azul alentejano (de Sines até Elvas, passando por Évora), focado na atração de residentes aqueles territórios, que revisitei a canção dos Clash e a utilizei como referencial do tema. Na sua origem, “Should I Stay or Should I Go?” é uma oportunidade de colocar a questão da atração não do ponto de vista de quem concebe os incentivos à transferência, mas antes do ponto de vista de quem está a ser atraído. Não é uma subtileza menor, nem apenas um refinamento de expressão. É antes a recordação de que não há política eficaz de atração de residentes se não for possível influenciar as decisões individuais que, neste caso, um regresso implica. O cálculo individual do retorno possível é um processo de decisão muito complexo. Certamente que poderão formar-se efeitos de arrastamento para uma decisão que contenha algo de impulso coletivo. Imaginemos, por exemplo, que o país, Portugal neste caso, atravessava um ressurgimento coletivo poderoso (o que não é o caso) e que o regresso assumia um efeito massa considerável. Só nesse caso limite poderá dizer-se que o cálculo individual do retorno é suplantado pelo efeito emulação de uma dinâmica coletiva. Infelizmente não é isso que está a acontecer em matéria de retorno à terra. Quer isto significar que o retorno que está a pretender-se influenciar permanece associado a um cálculo marcadamente individual ou de família, de difícil modelização. É sobre isto que o governo de António Costa pretende intervir e daí a proposta da redução do IRS em 50% como incentivo de atração.

Já há longo tempo madrugador no trabalho, ouço regularmente de manhã antes das oito, na Antena 1, as entrevistas da jornalista Alice Vilaça no programa Portugueses no Mundo. Para a matéria desta reflexão é material riquíssimo. Não podemos como é óbvio associar-lhe uma representatividade estatística, mas apenas o que poderei chamar de representatividade impressiva. Algumas regularidades emergem das entrevistas de forma clara. Estamos a falar de gente decidida, com alguma formação, que tenta a experiência de trabalho de raiz ou a partir de uma outra experiência (um doutoramento, um estágio) em função do efeito-país de origem (o Portugal de fracas oportunidades), as dificuldades de construção de uma trajetória de emprego compatível com a qualificação, as diferenças salariais. Praticamente todos os entrevistados reconhecem na nova residência resposta positiva a essas interrogações da terra, apesar das dificuldades de alguns em estabilizar a alternativa nos países de destino. Esses fatores de resposta contrabalançam a saudade da identidade portuguesa e da família. Nada de substancialmente diferente dos padrões de emigração de outros tempos, apenas com a diferença de se tratar de um padrão com outra qualificação.

É pois neste contexto que devemos perguntar se a proposta do governo PS de reduzir o IRS para os jovens que terão saído por efeito da crise e regressem tem condições para influenciar o cálculo individual dos que encontraram alternativa na diáspora. Vou concentrar-me nessa dimensão central da questão e passar ao lado de alguns comentários de outra natureza, como por exemplo os argumentos da discriminação dos que ficaram e aguentam com uma carga fiscal de relevo.

Compreendo a decisão do Governo em querer a marcar a diferença face ao governo anterior nesta matéria. Mas não me parece que o incentivo da redução do IRS tenha grandes condições para interferir no mencionado cálculo individual. As razões parecem-me óbvias a partir da formalização mínima que ensaiámos anteriormente sobre o padrão da decisão. Estará criado um ambiente de regresso potenciador de novos padrões de remuneração compatível com o aumento de qualificações dos jovens portugueses mais apetrechados para a sociedade global? O mercado mostra sinais de reação a essa necessidade mas os gaps salariais entre a nova vida e a do regresso continuam a pesar. O incentivo IRS não parece suficiente para compensar essa perceção. O gap remuneratório é ainda demasiado elevado para poder ser influenciado na margem pela afetividade do regresso. A probabilidade de emprego melhorou mas a da correção do desvio remuneratório nem por isso. Parece-me bem mais consequente orientar as apostas do governo para a melhoria das condições gerais de atração da economia portuguesa para jovens qualificados, melhorando por exemplo as condições de criação de emprego científico, do que anunciar medidas isoladas desta natureza. Estou convencido que um aliviamento lento e marginal da fadiga fiscal teria efeitos mais alargados.

Nem o próprio Governo estará convencido da bondade da proposta. A rentrée obriga sempre a uma caixa. Este ano foi o IRS como veículo de retorno de jovens qualificados. Não passará disso mesmo. Uma caixa como tantas outras, de que já lhes perdemos o rasto das consequências efetivas. Não há mal nisso. Haveria se o Governo não compreendesse que tem de trabalhar outras frentes, menos suscetíveis de se transformarem em caixas apelativas.

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