(A crise financeira já lá vai há mais de uma década. Ela
mexeu com as economias e com a economia política, mais com as primeiras do que
com a segunda, apesar dos esforços de muitos para que os seus ensinamentos não
passem despercebidos e à margem da revisão de paradigmas. Multiplicam-se os estudos sobre os fatores que
precipitaram 2007-2008 e a tentação das analogias com o tempo presente está aí
mais forte do que nunca)
As sequelas
de 2007-2008 trouxeram-nos penosidade, na Europa mais aos irlandeses e
espanhóis, mas também obras de referência para compreender os acontecimentos.
No caso que nos interessa, o português, está pouco estudada a relação entre os
efeitos de 2007-2008 na economia portuguesa (bem menos exposta à crise do que a
Irlanda e a Espanha, mas com impactos diferidos nas malditas imparidades
bancárias e desagregação do BES) e o seu encavalitamento com a crise das
dívidas soberanas e o posterior resgate financeiro. É um espaço de explicação
que está ainda por preencher totalmente. Entre as obras de referência dirigidas
à economia americana, onde tudo começou, HOUSE OF DEBT (The University of
Chicago Press, 2014) de Atif Mian (Princeton) e Amir Sufi (Chicago) é
certamente uma das mais relevantes, obra oportunamente discutida neste blogue
(ver link aqui). Do meu conhecimento, pouco profundo diga-se sobre esta
literatura, não existe equivalente europeu para a obra de Mian e Sufi,
destacando-se o trabalho de Daniel Gros que já em 2007 (link aqui) assinalava a
evolução em conformidade das bolhas imobiliárias na Europa e nos Estados Unidos
(veja-se o gráfico acima).
Mian e Sufi
têm prosseguido a sua investigação analisando o comportamento em paralelo dos
movimentos especulativos dos preços de habitação e da atividade de construção
em algumas cidades americanas, algo aparentemente de difícil explicação pois a
intensificação da atividade construtiva de novas habitações tende nas
explicações a fazer baixar as expectativas especulativas sobre o preço das
habitações. O período de análise é o de 2000 a 2010 e os autores cavalgam a
ideia original de Kindleberger de que é essencialmente o comportamento do
crédito que explica os surtos especulativos sobre os preços dos ativos.
Retomando as suas ideias de que o financiamento da habitação experimentou nos
EUA uma significativa alteração das suas modalidades, os economistas americanos
reúnem evidência segura da intensificação do papel do crédito no
desenvolvimento do processo especulativo que precipitou os acontecimentos de
2007-2008. O crédito é o principal responsável pela entrada no mercado de uma
massa então marginal de compradores de habitação.
A sua
conclusão no curto artigo publicado no VOX EU é revelador:
“O surto
especulativo fornece também importantes lições sobre a interação do crédito e
dos preços dos ativos. Enquanto que todos os compradores em códigos de
residência mais expostos ao mercado de PLS (Private
Label Mortgage Securitisation) usaram um empréstimo hipotecário para
comprar uma casa entre 2003 e 2006, o peso dos compradores em cash aumentaram
significativamente em 2007 e depois. Este padrão é consistente com a ideia de
que os preços colapsaram em parte porque um crédito mais
apertado impediu os otimistas de comprar casa durante o período de venda, o que
significou que os compradores em dinheiro mais pessimistas tornaram-se nos
definidores do preço marginal. O crédito mais facilitado puxou os preços para
cima durante a expansão e o crédito mais apertado exacerbou a falência. As
flutuações do crédito e as flutuações dos preços dos ativos estão fortemente
conexionados”.
Claro que
todos compreendemos que em Portugal, dada a nossa dimensão, teremos bolhinhas
quando comparadas com as que são objeto de investigação por parte de Mian e
Sufi. Mas na pequena dimensão as bolhinhas não deixam de ter impacto. A distorção
para os não transacionáveis andou por aqui. De tudo isto fica a reflexão mais
importante. O crédito é um dos mecanismos fundamentais do capitalismo, como os
grandes economistas de Keynes a Schumpeter o compreenderam. Mas é também uma
das variáveis cruciais pelas quais se transmite a instabilidade e a incerteza,
alimentando por vezes as exuberâncias irracionais que atravessam os mercados. Daí
o desabafo, crédito, maldito crédito. Compreende-se também o cuidado com que o Banco
de Portugal segue a variável e o comportamento dos bancos na sua concessão. Conviria
não sermos apanhados de novo em contra-mão e iniciar depois um outro longo e
penoso processo de desalavancagem.
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