(As reações desabridas de Varoufakis, Galamba e outros personagens do tipo
ao vídeo de Mário Centeno como presidente do Eurogrupo sobre o fim do resgate
financeiro à economia grega tanto podem ser interpretadas como fogachos de uma
silly season que caminha para o fim como reflexos de algo mais profundo. A questão faz-me lembrar o adágio “quem não quer
ser lobo não lhe veste a pele”)
Comecemos
pelo vídeo em si (link aqui). É mais um entre centenas e milhares de vídeos que
a tecnoburocracia de Bruxelas edita. Nele se assinala o fim do resgate
financeiro à Grécia, destacando-se a recuperação que a economia grega apresenta
em termos de crescimento, emprego, saldo comercial externo e, com mais dúvidas
sobre a bondade da evolução que está a acontecer, de modernização (com tudo o
que isso pode significar). A mensagem não oculta os custos do ajustamento, mas
fá-lo de modo algo viciado: não refere a quebra de produto potencial da economia
grega e a destruição de recursos observada, não acusa o facto da economia grega,
apesar dos progressos, estar ainda baixo dos valores do pré-resgate e associa
tais custos e sacrifícios às “más políticas” do governo grego. Mensagens
truncadas ou distorcidas editadas pela comunicação de Bruxelas são frequentes e
só o facto de quem a emite, Mário Centeno ser quem é, conduz a diferenciar a
mensagem do Eurogrupo de tantas outras com que a tecnoburocracia da Comissão e
do Conselho afirmam a sua influência.
Como o
referi então, ter à frente do Eurogrupo o ministro das Finanças de um governo com
apoio parlamentar à esquerda (de partidos que não morrem de amores pelo projeto
europeu como ele se apresenta) teria sempre o condão de procurar reações alérgicas
nos mais sensíveis. Mas em meu entender são reações alérgicas sem qualquer
expressão. Será assim porque Centeno é uma espécie de contorcionista político,
um ZELIG das finanças que se adapta camaleonicamente aos contextos em que
passeia a sua competência como economista? Nada disso. A razão é mais profunda e
exige uma formulação de bisturi para não colocar os meus amigos do PS em estado
de revolta.
Encadeemos o
raciocínio. Sabemos que a abordagem europeia à crise das dívidas soberanas e aos
programas de resgate financeiro foi desastrosa, sobretudo do ponto de vista da
dose de contração da despesa pública e dos rendimentos das famílias que foi
imposta e dos obstáculos que os mercados internacionais em baixa colocavam à recuperação
dos transacionáveis nos países intervencionados. Essa abordagem, racionalizada por
economistas da austeridade como Alesina e por economistas que exageraram o determinismo
negativo dos pesos elevados da dívida pública no PIB, como Kenneth Rogoff, só não
produziu custos mais gravosos porque a intervenção do BCE do tipo “tudo será
feito para conter a desagregação do euro” conseguiu acalmar as hostes. Esta política
desastrosa tem hoje críticas mais demolidoras do que as que timidamente eram invocadas
quando foram decididas. Mas temos de perguntar: foi ensaiada alguma alternativa,
testada em situação de guerra? Não, não foi ensaiada qualquer alternativa. Podemos
dizer que se criaram melhores condições do ponto de vista do entendimento económico
da questão. Mas no interior do Eurogrupo essas ideias estão longe de ser
maioritárias. A posição alemã e do seu ordoliberalismo económico continua a
secar tudo que é pensamento alternativo à sua volta e esse é o problema
principal.
O que é que
representa então o governo de António Costa e Centeno e da geringonça face a esse
contexto? Uma alternativa global e coerente a essas políticas, demonstrando que
é possível fazer diferente sem perder a estabilidade orçamental e financeira? A
resposta é negativa. A trajetória é diferente mas não constitui uma alternativa
global e consistente. Qual é então a diferença que veicula? O modelo da governação
económica atual, com o controlo das finanças públicas assegurado por Centeno,
conseguiu demonstrar que, aproveitando as janelas de oportunidade que a
recuperação da economia mundial proporcionou, era possível fazer uma transição
para uma aposta mais sólida nos transacionáveis, com melhorias de procura
interna geradas pela recuperação progressiva de rendimentos e recuperação também
progressiva de cortes de despesa pública introduzidos pelo resgate financeiro. A
recuperação de rendimentos representa uma transição positiva, almofadada, que
permitiu, entre outras coisas, recuperar a confiança na economia e nas
instituições, com Marcelo a ajudar e muito. Não se trata por isso de uma alternativa
global à estabilização com austeridade a todo o preço. O investimento público
está ainda em níveis muito abaixo do desejável e as escolhas públicas para a
sua recuperação tardam em ser explicitadas e é legítimo admitir que combinações
diferentes de reposição de rendimentos e de carreiras e de investimento público
podem ser no futuro equacionadas.
O que quero
significar com isto é que Centeno não está perante a quadratura do círculo quando
atua como ministro das Finanças em Portugal e como Presidente do Eurogrupo. E não
precisa de todo de ser o contorcionista mais hábil e flexível para compatibilizar
as duas funções. Será assim para todo o sempre e o homem sairá imaculado da dobradinha?
Não, tempos virão em que as necessidades e as opções de estabilização de uma
qualquer economia em dificuldades irão exigir abordar a questão crucial: vamos
abordar a questão como o fizemos antes? Não sabemos se nessa altura Centeno será
ainda ministro das Finanças ou Presidente do Eurogrupo ou se terá regressado ao
ISEG ou a um cargo internacional qualquer.
Por agora, o
vídeo de Centeno não é mais nem menos dissimulador do que outras mensagens
comunicacionais da Comissão e de outras instituições. Comete a meu ver o erro
de fazer recair os custos da destruição produtiva e de vidas apenas nos erros
das políticas internas gregas, que existiram tal como em Portugal. Mas se
tivesse alguma força regeneradora poderia modestamente admitir que o Eurogrupo
está disponível para aprender com os erros e ir adaptando as terapias do resgate.
Não o fez. Não talvez porque pense que isso não é necessário, mas pelo receio
de levar um valente puxão de orelhas dos mais ortodoxos. Mas quem não quer ser
lobo …
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