domingo, 26 de agosto de 2018

FOI VOCÊ QUE PEDIU UM CORBYN ANTI-SEMITA?



(Quando tiver passado o tempo suficiente, o estudo das incompetências do Labour para tomar o poder de uns desacreditados conservadores e enredados no falhanço do BREXIT deverá dar-nos explicações sobre a evidência de que nem sempre chegam os contextos políticos favoráveis para a alternância democrática)

As desgraças dos Conservadores têm-se sucedido a um ritmo alucinante. Desde a teimosia de Cameron em colocar o seu pescoço à mercê de um referendo, à sua política macroeconómica errada, passando pelas agruras de um BREXIT para o qual ninguém no Reino Unido estava preparado e pela política tosca e atamancada de Theresa May, os Conservadores têm feito o possível e o impossível para abrir caminho a uma alternância democrática. Mas numa espécie de jogo do tipo “a minha incompetência é maior do que a tua”, o Labour estarrece os mais fleumáticos nas suas próprias indecisões e incompetências. Curiosamente, quando muito boa gente pensante, à esquerda e à direita, admitiu que Jeremy Corbyn era o melhor atestado para a não subida ao poder, a maneira de estar “old fashioned”e fora do comum de Corbyn atraiu algum eleitorado jovem, cansado da prosápia trabalhista de reminiscências blairistas (de má memória para toda a esquerda).

Ora, quando a “bernarda” do BREXIT não negociado pode rebentar nas mãos de May a todo o momento e Corbyn parecia ter conseguido manter eleitorado, eis que o líder trabalhista é apanhado numa denúncia de anti-semitismo. No artigo que Matt Seaton escreveu para a New York Review of Books (link aqui e aqui), o jornalista faz referência a uma mensagem de um jornalista americano que lhe foi dirigida e que continha a pergunta que o bom senso recomendaria que fosse feita: “Será que o Labour perdeu a cabeça?”.

A pergunta pode ser transformada numa outra: se não perdeu a cabeça, então como é que o Labour permitiu que o seu líder fosse apanhado numa identificação anti-semita?

O detonador da crise anti-semita de Corbyn esteve na publicação pelo Daily Mail de fotografias datadas de 2014 imediatamente antes da sua tomada de posse como líder trabalhista. Essas fotografias reportam à participação de Corbyn numa cerimónia de colocação em Tunes de uma coroa de flores homenageando membros do grupo palestino Setembro Negro responsáveis pelo ataque de 1972 à equipa olímpica de Israel em Munique.

As cerimónias de Tunes são algo complexas porque envolveram não apenas a recordação dos membros do Setembro Negro mas também das vítimas da organização palestina de um raid israelita realizado às instalações palestina nessa cidade. O problema é que Corbyn aparece nas duas manifestações de homenagem e das suas declarações públicas não constou qualquer tentativa de explicação da hoje embaraçosa situação. Corbyn nunca escondeu publicamente as suas relações com organizações de apoio à Palestina, incluindo as mais combativas e tudo indica que manterá esse posicionamento. O problema é que globalmente e na sua história o Labour não aparenta revelar qualquer inclinação anti-semita. Quer isto significar que segundo Seaton, o envolvimento não rejeitado de Corbyn numa perspetiva anti-semita acaba por desembocar numa luta política intra Labour, digamos entre as suas costelas social-democrata e socialista que não é nada favorável acontecer no atual contexto político de grandes dificuldades dos Conservadores.

Ou seja, por mais paradoxal que isso possa parecer, a honestidade de Corbyn, que nunca escondeu a sua proximidade a tudo que é movimento de libertação nacional, arrisca-se a integrar o vasto rol de pequenos grandes pormenores que têm arredado os Trabalhistas da alternância democrática. Todos se recordam da diatribe digital do ministro das Finanças do Labour quando perderam o poder que teve o desplante de enviar uma mensagem jocosa ao seu sucessor, rapidamente divulgada pela imprensa inglesa maioritariamente defensora dos Conservadores, que gozava com as dificuldades que o seu colega iria ter quando abrisse os cofres e verificasse que o dinheiro era quase nulo.

E a grande interrogação passa a ser esta: será que o eleitorado integrará positivamente a honestidade de Corbyn e passará por cima do seu radicalismo, com exceção óbvia da comunidade judia inglesa? Ou será que os Conservadores resistirão a um BREXIT com efeitos tornados evidentes e palpáveis?

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