O meu amigo António Figueiredo antecipou-se-me a destacar e agradecer a maravilhosa entrevista de Manuel Sobrinho Simões ao “Expresso”. Uma peça que transborda de inocentes e irredutíveis manifestações de individualidade, consistência de pensamento e humanismo, cravada como está de tantas e tão variadas genialidades básicas (passe a deliberada contradição dos termos). Acresce a comovente simplicidade e a corajosa sinceridade com que este admirável cientista portuense aborda todo e qualquer tema, alguns deles de dificuldade extrema e até potencialmente embaraçantes.
No plano mais estritamente pessoal e por vezes quase íntimo, vai de afirmações do tipo “o momento mais sério de todos foi o nascimento da minha neta mais velha – foi quando percebi que eu ia morrer” a outras como “não tenho memórias muito minhas, tenho sempre uma reconstrução” ou “eu não vou a sítios novos, vou é com pessoas diferentes”, assim como a outras, ainda, do tipo “o que sinto é que a definição do que sou é cada vez mais cultural e menos genética” ou “a única coisa que é verdadeira para mim, e que agora se tornou mais nítida, é o medo da morte”.
Embora menos do que em outras ocasiões, o Manel não ilude também questões de um foro mais societal, como naquele lúcido trecho em que refere: “Existe a tradição de ter uma camada de capatazes que se misturam de forma promíscua com os edis, e essa gente não está a responder a esta pergunta [‘para quê’]. Está a responder a uma necessidade de cima para baixo que tem a ver sobretudo com benefícios eleitorais, informalidade e corrupção. Não temos hierarquia nem mérito, somos todos primos e cunhados, ou membros do mesmo clube. Pergunte-me porque é que Portugal é um país tão assimétrico.” E que conclui de forma assim tão escorreita e incontroversa: “É a periferia, a pobreza, era a religião, o clima, ninguém casava connosco. E hoje é o rescaldo de tudo isso, a que se acrescenta uma organização tribal e de capelas que mantém tudo na mesma.”
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